Cultura

Ainda Estou Aqui roda o mundo ganhando prêmios

O longa-metragem Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, baseado no livro biográfico de Marcelo Rubens Paiva, roda o mundo ganhando prêmios.

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Selton Mello e Fernanda Torres na pele de Rubens e Eunice Paiva (Fotos: Divulgação)

Ainda Estou Aqui levou a categoria Audience Award – Special Presentation no Vancouver International Film Fest, no Canadá. Também venceu como melhor roteiro no Festival de Veneza 2024, após ser ovacionado. O Critics Choice Awards homenageou Fernanda Torres, eleita a melhor atriz em filme internacional. E a Academia Brasileira de Cinema selecionou o longa para a lista de 12 filmes que disputarão à categoria de melhor filme internacional no Oscar 2025. No site Rotten Tomatoes, ele já chega a 89% de aprovação. A história, conhecida e ainda assim arrebatadoramente emocionante, se passa no Rio de Janeiro do início dos anos 1970, sob o auge da ditadura militar. A família de Rubens Paiva, Eunice e seus cinco filhos, vive em uma casa de portas abertas para os amigos. Até que, um dia, Rubens Paiva é levado por militares à paisana e desaparece. Eunice passa décadas em busca da verdade sobre o destino de seu marido e é obrigada a criar um novo futuro para si e seus filhos. “A história do Marcelo retrata não só a memória da família dele, mas, ao mesmo tempo, a história do Brasil ao longo de várias décadas. Essa superposição entre o pessoal e o coletivo, que sempre me interessou em cinema, foi ainda potencializada pelo fato de que, nesse processo, o Marcelo descobre que Eunice tinha sido o personagem absolutamente central dessa história”, conta o diretor Walter Salles sobre o ponto de partida desse longa realizado em sete anos (Salles brinca que foi filmada a versão número 20 do roteiro), que saiu sendo ovacionado por plateias em festivais do mundo todo, incluindo Veneza e Estados Unidos. Somaram-se ainda as memórias que o próprio diretor, amigo, aos 13 anos, da irmã do meio de Marcelo, tinha da família e da casa na Avenida Delfim Moreira. “A gente combinou que não roubaria frases um do outro, mas a Nanda [Fernanda Torres] disse que a casa é também personagem. O filme talvez seja um desejo de tentar reabri-la”, fala Salles.

Os primeiros 30 minutos do filme mostram, com muita delicadeza, o dia a dia da família nos anos 1970, em plena ditadura. E, a partir dali, retrata a subtração do pai, a dor, o medo. E busca entender as formas de reinvenção de Eunice face àquela tragédia. “Era uma história cuja manchete eu sabia, mas que ia muito além do que eu podia imaginar. Recebi a responsabilidade de uma mulher única, uma mulher que nunca fez questão de ser reconhecida. Ela sai de viúva do Rubens Paiva para a mãe do Marcelo Paiva, movendo revoluções de uma maneira sempre digna, com uma resistência persuasiva. Nas entrevistas dela, havia sempre no rosto uma contundência que dobrava o seu interlocutor, sempre com uma enorme inteligência e um sorriso irremovível. Ela não se movia da sua convicção”, fala Fernanda Torres, contando que foi difícil encontrar esse tom. “Sou talvez mais bruta que a Eunice. O Walter foi me regulando para ela, para sua complexidade. Ela é uma mulher do lar, embora inteligente. Mas serve o cafezinho, põe a criança para dormir. E a maravilha do filme é que ele contém, se restringe. E isso vai criando no público a cumplicidade com aquelas pessoas que estão vivendo aquela arbitrariedade”, continua. Eunice era uma mãe de família – e a tragédia rompe com aquele mundo.

E é exatamente isso que acontece: em uma história da qual você conhece começo, meio e fim, você sofre, se emociona, se entristece, se revolta. Nanda conta que Salles optou por filmar cronologicamente. “Então, quando o Selton [Mello], na pele do Rubens Paiva, foi levado pelos militares, eu pensei como atriz: gente, amanhã ele não vai mais estar aqui!”.

O ator, que ganhou 20 quilos para viver o personagem (“para dar esse caráter paizão e como era a própria figura do Rubens”), contou que estava muito emocionado nessas primeiras exibições para o público brasileiro. “É o nosso encontro com o nosso público, com a nossa língua. E o que dizem: falando da nossa aldeia, a gente toca o mundo. E isso é o que vem acontecendo nas viagens ao redor desses festivais. Além disso, eu sou da geração que foi completamente impactada pelo Feliz Ano Velho, do Marcelo. Nunca imaginaria na vida que um dia iria fazer o pai dele.” Selton conta que quis imprimir na tela o espírito do Rubens, iluminar essa primeira metade do filme. “E o Waltinho é um mestre das delicadezas dessa profissão. Ele é um cineasta, de fato. E o conduz tudo de uma forma muito precisa, muito elegante, como ele é na vida”, elogia.

Walter Salles em ação nos bastidores das filmagens (Fotos: Divulgação)

O elenco viveu de fato a vida daquela família: os amigos, a festa, as crianças, o cachorro. “Eu vivi e abracei as contradições da Eunice. O Estado impõe a ela um silêncio, uma não resposta sobre a morte do marido. E ela faz o mesmo com os filhos, de outra maneira, mas ela se mantém em silêncio. Eu acho que para preservar a inocência deles... Porque era um ato tão arbitrário, tão injusto... como explicar para crianças de 9 a 18 anos? Então, ela deixou que cada um resolvesse a morte do pai a seu tempo, o que, por um lado, é assustador, e, por outro, é compreensível”, conta Fernanda.

Sobre fazer um filme com esse tema, em tempos em que se nega a ditadura, Selton diz: “É um filme que fala do passado para iluminar o presente”. “O Walter diz que não podemos trair a Eunice no que ela foi e na maneira como ela quis estar no mundo, e o filme a tem como guia. E sobre esquecimento, isso é engraçado, porque tem toda uma geração de pessoas que hoje tem 25, quase 30 anos, que nunca viveu a ditadura. E, ao mesmo tempo, os 20 e tantos anos de democracia, embora a gente tenha avançado muito, não resolveram a questão da desigualdade, da segurança... Acho que há um fenômeno de que parte desses jovens acredita que talvez o problema seja a democracia. E que é perigosíssimo, porque eu, como jovem, eu vivi durante a ditadura. E eu sei o que era viver num país fechado, onde você tinha muito medo”, fala Fernanda. “Para sair do país, você tinha que fazer um depósito compulsório. Você estava preso. A democracia dá trabalho mesmo. Mas eu tenho certeza que esse jovem não gostaria de viver no país que eu vivi. E talvez esse filme ajude ele a perceber por quê”, finaliza a atriz.

Participação especialíssima de Fernanda Montenegro (Fotos: Divulgação)

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