Valérie Lemercier interpreta Céline Dion em novo filme
Valérie Lemercier conversa com L'Officiel Brasil e fala sobre o filme "Aline: A Voz do Amor"
Em cartaz nos cinemas brasileiros, o filme francês “Aline - A voz do amor” é um épico perfeito para os fãs de Céline Dion — mas também para quem não conhece tanto assim da história da supercantora. Dirigido e estrelado por Valérie Lemercier, “Aline” estreou no Festival de Cannes em 2021 e recebeu dez indicações ao prêmio César — incluindo o de melhor atriz, conquistado por ela.
Apesar de contar a história da origem da carreira de Céline, “Aline” dá um foco precioso nos relacionamentos pessoais da canadense — especialmente sua história de amor com René Angélil, que foi seu primeiro empresário e com quem ela se casaria, falecido em 2016. Superprotetora da sua própria imagem pública, Céline se torna — nas mãos de Valérie — uma figura mítica e que é homenageada pela tangente. Tanto que, para não ter que lidar com questões legais que poderiam inviabilizar a produção, a protagonista foi rebatizada como Aline Dieu, assim como todos os personagens que a cercam.
Valérie transforma a história de Céline — ou melhor, Aline — em um conto moderno “livremente baseado em fatos reais”. Apesar das licenças poéticas, estão ali os grandes momentos da diva da música, incluindo a participação na cerimônia do Oscar em 1998, cantando “My heart will go on” (também conhecida como “a música de Titanic”). Show à parte na produção, a figurinista Catherine Leterrier faz reprodução minuciosa dos looks históricos de Céline através dos anos.
De Paris, Valérie conversou com L’OFFICIEL sobre a criação da sua cantora-heroína.
L'Officiel Brasil - Assistindo “Aline”, fiquei com a impressão de que é um filme feito por uma admiradora de Céline, mas não necessariamente uma fã fervorosa. Como é sua relação com a figura dela?
Valérie Lemercier - Você está certo, eu nunca acampei em frente ao estádio para estar na primeira fila dos shows dela. Me tornei uma fã real depois de gastar muito tempo lendo e tentando entender sobre sua vida. E uma fã não só da cantora, mas do seu empresário e marido.
O filme fala muito sobre ele. A carreira foi construída pela dupla, de fato. Descobri como ela era engraçada mas também uma mulher apaixonada, sobre a candura e alegria de viver que ela instiga ao seu redor e no palco. Por tudo isso, embora Céline diga que sempre foi um livro aberto para o público, ainda há uma grande parte de mistério em sua pessoa, alguém que tenta ficar longe do tumulto para sobreviver.
Ela é também talvez uma das únicas estrelas pop que não caiu em excessos, que teve um único amor. Invejo esse amor protetor que falta a tantas outras… Muitas grandes estrelas adorariam ter um René ao seu lado.
LB - Li que o momento que te fez querer produzir o filme foi o momento da morte de René, é isso mesmo? Por que você acha que o gatilho veio naquele momento?
VL - Por eles fazerem tudo juntos, vê-la dar os primeiros passos sem ele — isso teve um efeito muito marcante em mim, como em muitos outros. Ela, no auge da glória, participando do funeral que ele havia orquestrado completamente… Ela tinha um jeito próprio de confortar as pessoas. René lhe deu tanto que ela ainda tinha algo para dar aos outros. Ela disse que ainda conversava com ele, perguntava o que fazer e provavelmente sabia muito bem como comunicar essa perda aos três filhos.
LB - Você deixa claro que o filme é uma biografia, mas tem suas liberdades. Em que momento você percebeu que "ok, aqui posso sair um pouco dos trilhos" sem desviar muito da história que contava?
VL - Eu só queria que eles fizessem coisas que parecessem possíveis, apenas um pouco mais cinematográficas que a realidade, mesmo que esse destino já fosse louco. Mas sempre tentando respeitá-los, tentando prestar homenagem ao seu humor e mantendo uma certa moderação porque ela está viva.
LB - Você acha que Céline - e consequentemente a sua Aline - é uma heroína à moda antiga?
VL - Sim, ela é, sem dúvida, uma heroína à moda antiga. Mas, por isso, não é também moderna? Não é moderno, na era do Tinder, amar apenas um ser humano? Não sei se cheirar cocaína a noite toda não está se tornando um pouco "antiquado" agora.
LB - Eu sinto que você não cai na armadilha de tratá-la como um produto pop, está mais interessada em focar nos dramas internos do ser humano por trás dos microfones. Foi uma escolha consciente, talvez por respeito à personagem?
Pela minha própria experiência, quando olho para uma foto de um filme em que participei, no que penso? Apenas sobre o meu estado de espírito na hora da filmagem, se estava feliz, se estava apaixonada. É o que fica no fundo. Isso é tudo que você lembra. E, especialmente, não o número de ingressos que o filme vendeu.
Por isso, não estava muito interessada nos prêmios, nos discos de ouro ou nas negociações com as gravadoras. Tentei pensar como Céline, que nunca leu um artigo sobre si, que sempre foi muito protetora. Neste filme, optei por falar sobre a sua própria bolha, na qual ela se colocou a fim de brilhar mas mantendo os pés no chão.
LB - Apesar das liberdades criativas, você e Catherine Leterrier fizeram um excelente trabalho ao reproduzir os looks icônicos da carreira de Dion – desde os primeiros shows até o ápice, com a apresentação de “My heart will go on” no Oscar de 1998. Sabemos que as roupas são muito importantes na história real dela e, claro, no filme. Imagino que essa pesquisa e produção devem ter consumido muita atenção e trabalho. É talvez o aspecto mais fiel do filme?
VL - Trabalho com a figurinista Catherine Leterrier desde o meu primeiro filme, “Os malucos de maio”, de Louis Malle. Eu tinha 23 anos e interpretei uma mulher de 60 anos, quase o oposto de “Aline”! Foi muito divertido passar por décadas de moda: desde sua família modesta, com a mãe costurando seus figurinos, até suas colaborações com os maiores estilistas do mundo e seu gosto desmedido por roupas. Eu tenho muito menos sapatos do que ela, mas o vestuário ocupa grande parte da minha vida. O departamento de arte às vezes ficava chateado porque eu passava um pouco mais de tempo com os figurinos do que com eles. O divertido foi que preparamos o filme em grandes escritórios, onde tudo era feito. Quando um vestido estava pronto, todos vinham vê-lo e era uma disputa fabulosa com quem fazia as perucas, o casting ou simplesmente escrevia os recibos de pagamento…
LB - Esse tipo de papel, delicado e sensível, não é exatamente o que você está acostumada a interpretar, abrindo um pouco do humor irônico pelo qual é conhecida. Foi um desafio? Ou esse é um lado que poucos conhecem?
VL -Este filme precisava ser literal, e a comédia deveria ser feita com a maior honestidade possível porque essa é a única coisa que te faz rir, o excesso de sinceridade. Então, eu queria ir até o fim, não me esconder, colocar todo meu coração e alma, ao mesmo tempo. Mesmo que não seja o que se poderia esperar de mim. Nunca me sinto obrigada a ser engraçada, nem no palco nem na cidade. Muitas pessoas que me convidaram para jantares se arrependeram! Um ator que conta anedotas é algo que me faz dormir...
LB - Fui assistir “Aline” sem ver o trailer ou mesmo muitas imagens. A primeira coisa que disse, quando saí da sala, foi como fiquei impressionado com o quanto você me convenceu de que parecia fisicamente com a Céline. Como foi o momento para você se ver pronta, na tela, “com cara” de outra pessoa?
VL - Devo confessar, para ser sincera, que só vejo Céline por alguns segundos no filme, não mais... Mas nesse pouco tempo, especialmente na maneira que ela se move, fico feliz que possa trazê-la para você. Queria mostrar como era ser uma mulher apaixonada, e quando vejo Céline, quando vejo o casal junto — é quando ela o faz rir que eu literalmente derreto. É tão triste um casal que não ri mais. Você vai notar que, quando estão juntos em cena, são sempre sequências em que os dois estão no enquadramento, é aí que a gente vê esse amor que circula entre eles, entre duas risadas…
LB - Céline me parece uma pessoa extremamente controladora, não apenas sobre sua história, mas também sobre a narrativa de persona pública que entrega ao público. Isso foi um fator difícil para encontrar o tom do filme?
VL - Ela diz que é um livro aberto para o seu público, mas também diz: “de qualquer forma, o que eu não dou é roubado de mim”. Ela é obrigada a se proteger para seguir em frente. E de alguma forma, René fez isso melhor do que qualquer outra pessoa. Essa é provavelmente a razão pela qual é tão difícil sem ele.
LB - Você também é cantora, e imagino que se comparar com a voz da Céline seja algo assustador para qualquer um. Você chegou a considerar cantar no filme ou ser dublada sempre foi a primeira opção?
VL - Eu nunca ousaria cantar neste filme. Eu não sou uma kamikaze! Ela é uma das 5 maiores vozes do mundo. Tivemos dificuldade em encontrar a cantora que faria a voz de Aline e passamos muito tempo com ela para que ousasse colocar seu próprio coração nisso. A imitação tem seus limites.
Para algumas respirações nas músicas, colocamos a minha voz, mixada com a bela voz de Victoria Sio. O que eu amo é ouvir as pessoas me dizerem que, depois de verem o filme, elas vão imediatamente ouvir as músicas de Céline novamente.
LB - Você já tentou cantar "My heart will go on" no chuveiro, como todos nós mortais que não somos Céline?
VL - Claro. Cantei essa música e outras 15 no chuveiro, no banho, nos carros que me levaram para as filmagens, nas ruas de Paris, no mar, à noite, durante o dia, na minha cama e até durante o café da manhã. Mas sempre me certificando de que ninguém estava me ouvindo.