Delphine Seyrig tem exposição da sua trajetória feminista
O cenário é um tanto conhecido: a França da década de 1960, cuja cena cinematográfica vivia um verdadeiro boom com a efervescência da nouvelle vague. Atrás das câmeras, cineastas como Jean Luc-Godard, François Truffaut e Alain Resnais revolucionavam a forma como as narrativas fílmicas eram elaboradas até então. Na frente delas, atrizes como Anna Karina e Delphine Seyrig incorporavam a figura de musa desses diretores, dando vida a suas protagonistas.
Algumas delas, no entanto, não estavam lá tão satisfeitas no posto de garota dos olhos dos cineastas, buscando assumir também uma posição por trás das lentes. É o caso de Seyrig, que estrelou longas icônicos, como O Último Ano em Marienbad (1961), de Resnais, e depois assumiu o comando de suas próprias produções.
A trajetória da atriz, diretora e videoartista agora é revista numa grande exposição intitulada Musas Insubmissas, em cartaz no Museu Reina Sofía. O título da mostra deriva do coletivo fundado pela própria no início da década de 1970, chamado As Insubmissas, ao lado de outros nomes importantes de sua geração, como Chantal Akerman e Marguerite Duras.
Em pauta, o levante feminista no interior de uma indústria predominantemente masculina, justo no epicentro dos movimentos de liberação sexual e comportamental das décadas de 1960 e 70. A exposição toma como mote a singular trajetória de Seyrig, que, após estrelar inúmeras películas, passa a se dedicar integralmente à sua própria produção.
A curadoria traça um esforço notável para dar conta dos diversos períodos da carreira da francesa. Abrindo a mostra, uma grande projeção de Marienbad recebe os visitantes, junto a dezenas de fotos da estrela em revistas e periódicos da época, ainda ocupando o posto de musa da sétima arte.
Nas salas seguintes, no entanto, entra em cena a fatia ativista de Seyrig, reunindo obras icônicas de sua filmografia, como o vídeo em que lê, ao lado da atriz Carole Roussopoulos, o manifesto SCUM, um escrito paradigmático da feminista norte-americana Valerie Solanas.
Ampliando o escopo da conversa, a exposição cede também espaço a produção de contemporâneas de Delphine, como Akerman, que ganha uma sala inteira para sua famosa videoinstalação Uma Mulher Sentada Depois de Matar, trabalho pertencente à coleção do Centro George Pompidou.
Em uma das últimas salas, talvez o trabalho mais importante da diva francesa: a filmagem do enterro de Simone de Beauvoir, em Paris, em 1986. No curta-metragem, Seyrig documenta o funeral que mobilizou milhares de mulheres na capital francesa, reunindo mensagens de movimentos feministas ao redor do globo sobre a importância do legado da escritora e teórica. Mal sabia Seyrig que, de certa forma, a história guardaria a ela um lugar similar.