Cultura

Nataly Rocha fala sobre o desafio de protagonizar Motel Destino

A atriz Nataly Rocha, protagonista de Motel Destino, novo filme de Karim Aïnouz, nos conta as dores e as delícias de encarnar um papel decisivo em sua carreira

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Nataly Rocha é protaginista em Motel Destino, filme de Karim Aïnouz - Foto: Divulgação.

O cineasta cearense Karim Aïnouz é notadamente conhecido não apenas por sua onipresença no circuito internacional do audiovisual contemporâneo como, também, por ser um ávido criador e diretor de personagens femininas fortes. As mulheres de suas sofisticadas tramas são sempre figuras complexas, exuberantes, repletas de camadas que o realizador faz questão de investigar, com sua câmera e olhar capazes de captar as nuances de suas protagonistas femininas.

 

Foi assim em longas premiados e elogiados por público e crítica como O Céu de Suely (2006), O Abismo Prateado (2011) e A Vida Invisível (2019). Esse último, inclusive, quase rendeu ao diretor de origem argelina e brasileira uma esperada indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Mesmo perto de conseguir tal feito, Aïnouz pode até não ter sido selecionado com sua película para a premiação no ano de 2020, mas é inegável que sua visão cinematográfica é, hoje, uma das mais audazes e singulares do cinema brasileiro e, ainda além, do panorama internacional do audiovisual.

 

Seu novo filme, Motel Destino, é uma intrincada trama com tintas de thriller, altas doses de sensualidade e litros de suor, protagonizada pelo trio Nataly Rocha, Fábio Assunção e Iago Xavier. Concorrente à Palma de Ouro no último Festival de Cannes, a película chega neste mês às telas do país, apresentando ao público as elogiadas performances do trio de atores que guiam a narrativa. No centro desse triângulo amoroso que conquistou a crítica internacional está Nataly Rocha, atriz de longa trajetória que agora ganha visibilidade internacional com seu papel no filme de Aïnouz.

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Foto: Divulgação.

L’OFFICIEL Como o papel de Dayana chegou até você? Você já era familiarizada com o trabalho do cineasta Karim Aïnouz? 

NATALY ROCHA Foram várias etapas. Mandei inicialmente um vídeo e depois fiz uns cinco testes presenciais durante um mês. A Nina Kopko conduziu alguns desses testes presenciais e encaminhava o material que era filmado para o Karim assistir. Depois fiz o último teste presencial conduzido pelo Karim com os atores [Iago Xavier e Fábio Assunção]. Lembro de um dia em que fui convidada a continuar na sala e dar as réplicas para alguns atores que estavam sendo testados também, o que me deixou um pouco desesperada (risos)… Eu não estava preparada para essas cenas que chegaram para mim naquele mesmo instante. Eu pensava: não posso dar um tiro no meu pé e ainda estragar tudo o que fiz antes. Ali tive que improvisar e estar ainda mais com uma escuta ativa para também ajudar meus colegas de cena. Entendo que, apesar de não parecer, eu ainda estava sendo testada, agora numa situação de improviso, digamos, mais intensa. Conheço o Karim, já fiz um curta-metragem dirigido por ele faz muito tempo, também filmei o Praia do Futuro (2014), mas minha personagem caiu na edição final. Posso dizer que já conhecia o jeito de o Karim dirigir, a condução dele nos ensaios e no set de filmagem. Temos uma relação de muito respeito e admiração e, como boa apreciadora do cinema nacional, acompanho faz tempo todos os filmes que ele dirigiu.

 

L’O Quando soube que o papel seria interpretado por você, quais sensações passaram por sua cabeça? 

NR O momento de espera para saber se eu ia fazer Motel Destino foi o período mais difícil. Tiveram que dar uma pequena pausa porque o Karim estava com o filme Firebrand [longa com Jude Law como protagonista], em Cannes. Depois de uma semana, me encaminharam o roteiro do filme e marcaram uma reunião on-line. Agora Karim já estava em Beberibe, na pré-produção. Lembro de ter amado o roteiro do Wislan Esmeraldo e de ter achado desafiador quem fosse interpretar Dayana. Até então ninguém tinha me falado nada sobre qual personagem eu iria fazer. Nessa reunião on-line com o Karim e equipe, ele me convidou a fazer parte do filme com a personagem Dayana, me perguntou humildemente se eu gostei do roteiro e da personagem e se eu tinha interesse em fazer parte do filme. Ao que respondi com meu jeito bem cearense: “Quer me matar, Karim? É meu sonho, me chame logo, pare de coisa” (risos). Todo o processo de testes, ensaios e feitura do filme encarei com grande empenho por saber da importância do projeto, especialmente por ser rodado no Ceará, por ser o Karim ali novamente depois de muitos anos sem filmar aqui. Eu tenho um sentimento de muito orgulho, sabe, ver toda a trajetória do Karim fora e aqui, a contribuição dele nos projetos de formação em audiovisual, especialmente no Nordeste do país. Meu empenho também como atriz foi honrando todas as que fizeram teste para esse papel, muitas atrizes talentosas que fariam um excelente trabalho. Na construção de Dayana, pensei muito nas mulheres que sofreram ou sofrem violência, e é absurdo esse assunto ainda ser algo a se debater nos tempos atuais. Tivemos avanços, mas ainda existem retrocessos graves no combate à violência de gênero. Muitas resistem mesmo silenciosamente contra o patriarcado tão presente no nosso cotidiano. Dayana tem sua força e fragilidade e uma vontade de vida e desejo que a salva todos os dias.

 

L’O Sobre o processo de preparação e filmagem: você e/ou o diretor optaram por alguma espécie de método de ensaio, improvisação ou algo parecido para chegarem ao realismo das cenas do filme de Aïnouz? 

NR Tenho que começar pela oportunidade única de ensaiar na locação, isso com certeza influenciou na nossa criatividade, na construção das personagens e na relação entre eles. Acredito que tudo nos afeta, os espaços, as roupas, se é noite ou madrugada, quais objetos estão ali disponíveis… enfim, cada detalhe compõe e nos ajuda no processo criativo. Muitas vezes, são pistas maravilhosas construídas por outros setores do filme, como a direção de arte, a maquiagem, o figurino, a fotografia e mais. A Silvia Lourenço fez a preparação de elenco, nos acompanhou num primeiro momento antes das filmagens. Com ela vivenciamos estar na locação do motel, realizamos trabalho de análise de cenas, convivemos mais entre a gente para formar ali um vínculo, um convívio e proximidade entre os atores, frequentamos os bastidores de um motel em funcionamento para entender ali a dinâmica desse trabalho. No finzinho dos ensaios e no set tivemos o apoio da Roberta Serrado, coordenadora de intimidade, que nos deu suporte ali nas cenas de sexo, toda a logística e coreografia dessas cenas foram encaminhadas por ela, alguns ajustes para que tudo parecesse real e condizente com a direção e nossa proposta enquanto elenco. A dinâmica do trabalho com o Karim é muito centrada no roteiro e nas outras possibilidades que o elenco e ele podem trazer. Ele trabalha muito o subtexto, brinca e testa vários tons da cena e pequenas surpresas entre os personagens. Então essa musculatura vai se desenvolvendo e você se sente afiada para improvisar também, mas sempre atenta ao que foi construído na rigidez dos ensaios e das cenas escritas.

 

L’O Karim é notadamente conhecido por ser um cineasta capaz de retratar mulheres fortes, empoderadas, complexas – figuras que geralmente tomam o centro dos holofotes em suas narrativas. Como você explicaria, na experiência de vocês como diretor e atriz, essa espécie de sensibilidade feminina que ele possui? 

NR Acho que a proximidade dele com o universo das mulheres. Ele foi cercado por mulheres da família que cuidaram dele na infância, adolescência. Ele valoriza isso. Se você for ver a beleza que é O Marinheiro das Montanhas, dá para entender um pouco essa proximidade dele. Também a equipe é formada por mulheres incríveis que eu tive o prazer de conhecer: Janaína Bernardes, Dani Aun, Vivi Letayf, Christina Ley, Luciana Vieira, Nina Kopko, Hélène Louvart, Gabi Ribeiro, Pethrus Tiburcio, Natie Cortez, Gabriela Miranda, Ananda Frazão, Roberta Serrado, entre outras. Também tem o interesse do Karim nas narrativas, no que ele quer colocar no mundo, nas feridas ali que ele toca. Ao mesmo tempo, essa paixão dele por fazer cinema, acho que se mistura com a vontade de vida dessas personagens.

 

L’O Quando o filme foi escolhido e, depois, exibido na seleção oficial do Festival de Cannes, como você reagiu? Imagino que, no mínimo, um frio na barriga tenha tido quando estava por lá vendo o filme na tela grande junto de seus colegas de elenco, equipe e de uma plateia estrangeira, conhecida por ser altamente crítica. 

NR Eu soube da nossa seleção para o festival por uma ligação telefônica do Karim, veja só! Era umas 5 da manhã em Fortaleza quando atendi a ligação dele numa felicidade dando essa notícia animadora depois de tanto trabalho e empenho da gente. Isso foi muito especial e de uma consideração bonita, sabe, ser ele o portador da boa notícia. Cannes foi um momento de celebração e muito aprendizado. No mesmo dia do tapete vermelho, eu, Karim, Fábio e Iago demos entrevistas para o mundo inteiro. Era uma loucura estar ali, parecia uma gincana. A gente fazia um rodízio de entrevistas pela manhã e à tarde e depois corríamos para nos preparar para o tapete vermelho. Quando cheguei ao tapete, já estava imersa ali no festival, então foi muito vigoroso e de um orgulho enorme estar ali naquela noite junto com meus amigos. Tudo é grandioso, a emoção de ver o filme pela primeira vez com mais de 2 mil pessoas dentro da mesma sala de cinema foi algo arrebatador. Acompanhar filmes brasileiros em outras mostras do festival foi algo animador. Ver outros brasileiros nos espaços do festival foi algo bem especial também.

 

L’O O filme foi bem recebido e, em especial, a interpretação dos protagonistas é alvo de destaque em diversas das críticas publicadas por veículos do mundo todo. Como você recebeu o feedback do público e da crítica especializada acerca do filme e, mais especificamente, de sua interpretação? 

NR A crítica nos elogiou bastante. Confesso que agora estou ansiosa com nossa estreia no Brasil. Quero sentir a reação do nosso povo no cinema, das pessoas que admiro assistirem, das pessoas que fazem cinema aqui e as que não fazem também verem Motel Destino. Soube que muita gente estava vibrando e acompanhando a nossa presença em Cannes. Agora estou animadíssima para estar mais perto e cheia de esperança por dias melhores nas artes em geral no nosso país. 

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Foto: Divulgação.

L’O Após o lançamento do longa, quais são seus planos e ambições? Certamente é fenomenal, hoje, uma figura como a sua representar a cena artística cearense – tão rica, tão diversa, mas menos conhecida do grande público por conta desta concentração que há entre Rio e São Paulo, especialmente, do circuito televisivo, teatral e cinematográfico. Como você se sente? Sente-se uma representante de seu estado, sua cidade, de toda a cena artística que você conhece tão bem, já há um tempo considerável trilhando uma trajetória digna de chegar ao lugar onde você está hoje? 

NR Continuo com meus projetos independentes, também agora estou em São Paulo rodando um filme da Mariana Youssef com atores de chorar de emoção pela trajetória no cinema e no teatro. Então vida que segue, estou sempre por aí, ali e acolá, a gente que é artista quer espaço e chances para continuar nosso ofício com dignidade. Os lugares que eu me sinto em casa são o teatro/o set, minha cama e a natureza selvagem. Essa ordem pode ser inversa, mas é sempre nesses lugares que me abasteço e me reconecto. Tenho muito orgulho de onde vim e do que esse lugar me ensinou e ensina. Espero estar à altura de representar o Nordeste deste país.

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Foto: Divulgação.

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