O Legado de Tarsila do Amaral após 20 anos de Semana da Arte de 22
Após a celebração do centenário da Semana de Arte de 1922, Tarsilinha do Amaral, sobrinha-neta de Tarsila, fala sobre a importância contemporânea da artista e de sua ligação com a moda
O Legado de Tarsila do Amaral continua vivo. Nascida em 1886, em Capivari, São Paulo, Tarsila do Amaral não estava presente na Semana de Arte Moderna de 1922. Ainda assim, é um dos grandes símbolos do movimento que comemora 100 anos em fevereiro de 2022. “Ela sempre foi uma mulher à frente do seu tempo, e que queria mostrar o seu país”, diz sua sobrinha-neta, Tarsilinha do Amaral, curadora de seu legado há mais de 20 anos, que mantém viva e presente a obra da artista no cotidiano uma forma bonita de manter sua herança, intensificada por conexões com moda, cinema, literatura.
Fato é que à agenda comemorativa de eventos do centenário desse que é um dos mais importantes marcos da cultura brasileira e que envolve exposições especiais, como a da Pinacoteca de São Paulo, na qual estão as obras Palmeiras (1925), Paisagem com Igreja (entre 1924 e 1930), São Paulo (1924), Antropofagia (1929) e Retrato do Pa- dre Bento (1931), foi dado o nome de Agenda Tarsila, e ela deve ganhar destaque o ano todo. “E ainda estamos programando o lançamento de um longa, temos um documentário em produção, além de exposições em grandes museus na Europa. Costumo dizer que, depois de ser vista no MoMa, minha tia mudou de patamar na arte mundial”, fala Tarsilinha.
L’Officiel: Você aprendeu a gostar de arte com sua tia-avó, Tarsila do Amaral?
Tarsilinha do Amaral: Meu pai era advogado dela, cuidava dos negócios desde que se formou. Éramos, pelo lado do meu avô, muito próximos dela. Minha avó era sua melhor amiga, estavam sempre juntas. Tive a sorte de frequentar sua casa, estar em meio a grandes obras, um privilégio. Aprendi a gostar de arte com ela. Tarsila tinha perdido a filha e a neta e sempre foi muito carinhosa comigo. Ela me recebia com um beijo e um abraço, eu podia vê-la conversando entre adultos... O fato de eu ter o mesmo nome que ela sempre chamou atenção das pessoas, de professoras da escola a amigos. Foi por isso que comecei a cuidar de seu legado. Em seguida, escrevi um livro focado em sua vida (os que haviam até então eram acadêmicos) e passei a estudar mais a sua obra. Sou formada em direito, mas acabei me especializando em história da arte e sou museóloga.
L’Off: Celebramos os 100 anos da Semana de Arte Moderna. Qual foi a importância de Tarsila para o movimento?
TA: Tarsila não estava em São Paulo durante a Semana de Arte Moderna ela chegou em junho. Então, Anita Malfatti a apresentou ao grupo e ela começou a namorar Oswald (de Andrade). Curioso é que Tarsila é uma das mais lembradas do movimento. Ela realmente foi um ícone dessa primeira fase do modernismo, junto com Oswald, Mario de Andrade, Di Cavalcanti, Villa-Lobos. Acho que sua grande importância está no conceito de brasilidade. Mario dizia que ela era a pintora do Brasil. Apesar de ter aprendido a técnica com grandes mestres, definitivamente usava seu talento e sensibilidade para mostrar seu país. Podemos inclusive notar a presença do cubismo e do dadaísmo, mas adaptados de forma original. Antropofagia é ligada ao surrealismo, ao onírico, mas mais uma vez é de uma forma inédita, não tem nada a ver com Dali.
L’Off: Essa relevância só faz aumentar com o tempo?
TA: Sim! Ouso dizer, por exemplo, que um dos grandes públicos de Tarsila são as crianças. Já fizemos inclusive sites e projetos nesse sentido, escrevi livros para crianças. Se você olhar sua obra, percebe que ela tem uma ingenuidade, cores e outros elementos que são desse universo: o sapo, a lagarta, a árvore, os bichinhos... Não à toa, a exposição Tarsila para Crianças rodou o Brasil, lógico, com a linguagem deles, com tecnologia e interatividade. Fico orgulhosa também de contar que a animação Tarsilinha, ainda não lançada, conquistou um prêmio importante.
L’Off: Sua exposição no Masp foi um marco para o museu.
TA: Sim, tinha filas enormes. Eu ia até lá todos os dias, e cheguei a ouvir pessoas dizendo que, mesmo precisando esperar até cin- co horas para entrar, tinha valido a pena. Outros contavam que tinha sido a primeira vez que haviam entrado em um museu... Isso é tão gratificante! Acredito que a arte tem um papel impor- tantíssimo na formação de uma pessoa. Há uma história curiosa sobre Tarsila e o Pietro Bardi. Ele, muito sedutor, a convenceu a vender o Abaporu por uma mixaria para o acervo do museu. E eis que, algum tempo depois, ela descobriu que a obra havia sido vendida por uma fortuna a um colecionador. Ele revendeu o qua- dro dela! Hoje, sob uma gestão fantástica, o Masp tem diversas obras de Tarsila – Porto, Autorretrato, Vestido Laranja, Composi- ção (ou Figura Só), esse último um quadro de melancolia ímpar, que ela fez depois de se separar de Oswald. E ela ainda está presente no MAC com A Negra, Costureiras e outros desenhos, além do MAM, com Neo Pau Brasil.
L’Off: Quais características você destacaria em sua obra?
TA: Vejo muita força e personalidade, características que vêm de uma mulher que foi absolutamente à frente do seu tempo, que fez A Negra em 1923, o Abaporu em 1928. Ela sempre teve muita coragem, casou-se três vezes, namorou, viajou, foi rejeitada por parte da família, enfrentou um escândalo (o marido a traía com a cunhada) ela tinha essa força. Pagu foi revolucionária, levantou bandeiras. Tarsila fez isso tudo só porque queria ser feliz, ter liberdade. E é um exemplo para nós, mulheres, até hoje.
Tarsila e a moda
A artista tinha uma peculiar relação com a moda seu perfume preferido era de Jean Patou e ela se vestia com peças dos melhores costureiros de Paris (era amiga íntima de Paul Poiret), sempre com o cabelo puxado para trás e batom vermelho. E já foi homenageada em um sem número de momentos fashion o mais recente, no desfile da marca cearense de moda praia Água de Coco, transmitido on-line. Dirigida por Renato Thomaz, a coleção foi toda inspirada em Tarsila do Amaral. A passarela está no stories da marca no Instagram, além de três novos filtros inspirados pelos elementos presentes nas obras de Tarsila.