Cultura

Reino Unido tem exposição dedicada ao continente africano

Imensidão africana! Maior exposição dedicada ao continente no Reino Unido, Africa Fashion vai até 16 de abril de 2023 e reúne 250 objetos entre acervo próprio, roupas, tecidos e fotografias. Confira!

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Coleção Alchemy de Thebe Magugu, inverno 2021, Joanesburgo. (Foto: Tatenda Chidora)

O ano de 2021 foi de crise política e social na África do Sul, acirrada com a prisão do ex-presidente Jacob Zuma. Mesmo com a turbulência, Thebe Magugu voou de Johannesburgo a Paris, em setembro, para apresentar a coleção verão 2022 no Palais de Tóquio. Na época, comentou que, apesar do clima pesado no país, queria levar otimismo para o seu trabalho. Nessa busca, encontrou inspiração na família. O resultado foi uma instalação e filme, com peças reinterpretando roupas usadas por parentes em fotos antigas. Mesmo com esse tom intimista, a coleção reitera sua jornada pela interpretação contemporânea da rica cultura africana, que é muito pouco compreendida.

Modelos de mãos dadas, lagos, Nigéria, 2019. (Foto: StePHeN taYo/SeMaNa de Moda de laGoS)

Para se ter ideia desse abismo, apesar do tamanho da África, Thebe é dos raros designers a encontrar destaque nas principais semanas de moda. Há três anos, ele se tornou o primeiro estilista negro a vencer o LVMH Prize, competição de talentos do conglomerado francês, e há dois anos desfila suas coleções na ca- pital francesa. Feito que tem o poder de inspirar outros jovens e contribui para aumentar o debate em torno da inclusão na moda, assunto que ganha reforço com a exposição Africa Fashion, no Victoria & Albert Museum, em Londres, e que traz no acervo criações de Thebe. “Sinto que há tantas facetas do que passamos como um continente que as pessoas não entendem. Agora, mais do que nunca, os designers africanos estão se encarregando de sua própria narrativa e contando às pessoas histórias autênticas, não as utopias imaginadas”, ressalta o estilista.

É a mais extensa exposição de moda africana realizada no Reino Unido até hoje. São cerca de 250 objetos — metade deles retirados do acervo do museu, incluindo 70 novas aquisições — de 45 designers de 20 países, além de tecidos e fotografias de dez famílias. A curadora Christine Checinska conta que a proposta é apresentar essa atividade como uma forma de arte, ressaltando a riqueza e a diversidade de culturas do imenso continente, com foco na produção de vanguarda do século 20 e da atualidade.

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esther Suwaola, akure, ondo, Nigeria, 1960; tecido comemorativo do aNC Nelson Mandela, África do Sul, 1991; Jaqueta de alphadi em tecido kuba, algodão, linho. Nígéria, 1993; e auto-retrato de Gouled ahmed, etiópia

Essa trajetória começa com a independência africana e os anos de libertação que desencadearam uma reordenação política e social radical em todo o continente. A moda, juntamente com a música e as artes visuais, forma uma parte fundamental do renascimento cultural. Entre a roupa de luxo contemporânea, prêt-à-porter, sob encomenda e adornos, a mostra também busca oferecer um olhar de perto sobre a nova geração de designers, coletivos, estilistas e fotógrafos. Outro destaque é a influência de celebridades digitais nessa indústria. A exposição começa com um conjunto contemporâneo que combina seda cintilante com exuberantes camadas de ráfia, de Imane Ayissi. Nascido em Camarões, o estilista é dono de um trabalho que une períodos históricos e atuais, África continental e global, artesanato e qualidade primorosa.

No piso térreo encontra-se a seção Renascimento Cultural Africano que se concentra nos anos de libertação, de meados da década de 1950 a 1994. O reflexo desse período nas artes e na moda pode ser visto em cartazes de protesto, publicações e registros que incorporam essa era de mudanças radicais. As primeiras publicações de membros do Mbari Club, que reuniu escritores, artistas e músicos, estão ao lado da capa de Beasts of No Nation, de Fela Kuti, um álbum “chamado às armas” que incorporou o sentimento comunitário de frustrações com a política da época, mas também a energia criativa e a vontade de seus artistas de produzir objetos belos.

Já a ala Política e Poética do Tecido ressalta como as texturas usadas nas roupas e os panos indígenas usados na fase da independência se tornaram um ato político estratégico. Estampas feitas com cera, tecido comemorativo e prints tradicionais são exemplos de uma rica história têxtil que inclui milhares de técnicas que aparecem, por exemplo, em uma tira de algodão listrado da coleção V&A com a imagem de uma palma aberta e as palavras “trago a liberdade na minha mão” incorporando a insígnia de Gana recém-independente e um tecido comemorativo feito no início dos anos 1990, após a libertação de Nelson Mandela, com um retrato do futuro presidente negro da África do Sul e as palavras “Uma melhor vida para todos – trabalhando juntos por trabalho, paz e liberdade”.

Coleção mbeuk idourrou de imane ayissi, Paris, inverno 2019. (Foto: tFaBriCe Malard/iMaNe aYiSSi)

Criações de Shade Thomas-Fahm, Chris Seydou, Kofi Ansah, Alphadi, Naïma Bennis, representantes da primeira geração de designers africanos, dão corpo à seção A Vanguarda. Chamam a atenção a releitura do tradicional ìró nigeriano de Thomas-Fahm – conhecido como o primeiro estilista da Nigéria – um vestido de seda e lurex de 1983 Seydou, famoso por promover têxteis indígenas africanos como bògòlanfini no cenário global. A fusão icônica da estética africana e europeia Ansah é representada por um manto azul com traços do quimono japonês e um manto agbádá (vestimenta masculina tradicional Yorùbá) da África Ocidental. A inovação de Alphadi, descrito como o “Mago do Deserto” surge em um vestido de algodão e latão de 1988, doado ao museu pelo estilista.

Look de Chris Seydou (Foto: Nabil Zorkot)

O núcleo Capturando Mudanças se concentra em retratos fotográficos de meados do século 20, que foi um momento de democratização da fotografia possibilitada por filmes mais baratos e câmeras mais leves. Os destaques desta seção incluem nomes como Sanlé Sory, Michel Papami Kameni e Rachidi

Bissiriou, além dos elegantes retratos coloridos de James Barnor. No mezanino, está a nova geração de designers, coletivos, estilistas e fotógrafos de moda. A marca Moshions, conhecida por reimaginar formas tradicionais de Ruanda, representa o minimalismo. Um conjunto de 2019 da Iamisigo, do designer Bubu Ogisi, faz referência a antigos trajes de máscaras. Representando o artesanal, está um conjunto azul e branco da Dakala Cloth by NKWO, que trabalha com artesãos especializados em tingimento manual, tecelagem, perolização e bordado, além do tecido feito com resíduos de têxteis.

Afrotopia traz um look da coleção Alquimia, de Thebe Magugu – inspirado na espiritualidade e na relação com os ancestrais e que contou com a colaboração da estilista e curandeira Noentla Khumalo – e outro de Selly Raby Kane, que faz referência ao afro-futurismo. Em Adorno, chama a atenção o colar-amuleto em latão, sisal e sal de bórax da coleção Salt of the Earth de Ami Doshi Shah.

De certa maneira, Africa Fashion pode ser interpretada como um movimento de reconhecimento do valor cultural e de tradição da África. Fundado em 1852, o V&A tem parte de seu acervo e memória ligados à colonização inglesa no continente, como o tesouro de Maqdala, retirado da Etiópia em 1868. A mostra levou dois anos para ser organizada e contou com participações de consultores externos, dos estilistas e de um grupo de jovens da diáspora africana liderado por Checinska.

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“Os designers africanos estão se encarregando de sua própria narrativa e contando às pessoas histórias autênticas, não as utopias imaginadas” Thebe Magugu

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'the trench' da Maison artC, Marrocos, 2021; e Coleção Aso lànkí, Kí Ató Ki Ènìyàn, (‘Saudamos o vestido antes de cumprimentar o usuário’), lagos, Nigéria, 2021 Programa espacial de lagos. (Fotos: M.A.Roock / Kadara Enyeasi)

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