Inteligência artificial: uma viagem elástica no tempo
Nos anos 1960, o futuro era feito de sintéticos e conectado a outros planetas. E agora, o que nos aguarda com o avanço da inteligência artificial?
Para Einstein a distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma persistente ilusão. No entanto, é fato que o que vem pela frente nos angustia. E, na contramão dessa visão racional e intrigante do cientista, e na busca por vislumbrar o que nos aguarda, desenvolveram-se maneiras de olhar para o futuro: uma para o que vai acontecer em breve, e outra para o que vai demorar um pouco mais para chegar. A primeira delas é o que se denomina pesquisa de tendências, que observa como se transformarão nossa forma de viver e consumir. “Um exemplo é quando falamos da democratização do bem-estar, que inclui desde a indústria de beleza e cosméticos até a moda fitness/athleisure. A sua essência vem das pessoas e do que elas querem daqui para a frente. Essas tendências se tornam reais, principalmente, a curto e a médio prazo, entre 2-5 anos aproximadamente”, explica Julia Curan, Futures Unit Strategy Director da Box 1824, com pós-graduação em Semiótica Psicanalítica.
Mas ao falar de futurismo, estamos considerando tendências mais a longo prazo, coisa para seis ou mais anos, que são muito pautadas pelos avanços tecnológicos. “IA Generativa, por exemplo, afeta não só o hoje, mas também a longo prazo, desde a forma que trabalhamos até a substituição de algumas funções/cargos.”
Macrotendências tomando forma
Para o futuro, existem diferentes temas em ascensão. “Uma macrotendência importante de se destacar é a Tecnologia Humanizada, como a Democratização do Bem-estar.” Julia cita, na beleza, marcas que valorizam a pele natural e a autoaceitação. “Em relação ao tema Valorização das Origens, Rener Oliver, editor-chefe da Nordestesse, é um nome para se olhar. A própria Feira Rosenbaum ou iniciativas como o Jardim Secreto apresentam diversas categorias que nascem em solo brasileiro – de design, arquitetura, decoração, beleza, alimentos”, enumera ela. Em Tecnologia Humana, a IA Generativa vem com a capacidade de criar algo novo, mais sensível do que as tecnologias de IA que existiam até então. “Ela é capaz de criar textos, imagens, músicas, jogos, remédios...”
De olho no planeta B?
Hoje, é verdade, dá até medo de pensar no futuro. O que vem à cabeça é um caos desértico sem água... No ensino médio, a aula de Ciências sugere procurar outro planeta para viver. Será que é realmente essa a saída? “Não é a toa que a geração Z é a que mais relata sentir ecoansiedade, definida pela American Psychology Association (APA) como ‘o medo atual de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto, aparentemente irrevogável, das mudanças climáticas gerando uma preocupação relacionada ao futuro de si mesmo e das gerações futuras’”, fala Julia. A questão é que o medo não necessariamente tem impacto no comportamento de consumo das pessoas. “Há um efeito bimodal acontecendo”, diz o dr. Daniel Benkendorf, do FIT, à LS:N Global, plataforma de conteúdo de tendências da qual a Box1824 é parceira no Brasil. “A mudança está na direção certa e os consumidores estão mais conscientes do que nunca. Mas para a maior parte da população mundial, mesmo que estivesse interessada na sustentabilidade em algum nível, esta não está no topo da lista de preocupações.” Consumo excessivo, mesmo de marcas sustentáveis e éticas também prejudicaria o planeta. “Não tem muito segredo – é reduzir, reutilizar e reciclar mesmo.”
Segundo o físico e cosmologista italiano Carlo Rovelli, no mundo microscópico, não há distinção entre o passado e o futuro. Com a realidade virtual e o metaverso, isso é ainda mais verdade. “Essa visão impacta como enxergamos as tendências e a ‘cadeia clássica de influência’ que foi usada, no mínimo ao longo dos últimos 20 anos, para entender quem influencia quem. Quando se começa a estudar tendências, existia o chamado ‘trickle down’ – onde grandes nomes, marcas e influenciadores eram os responsáveis por ‘ditar’ as principais ondas de consumo. Depois de um tempo, com o avanço do processo de digitalização e das redes sociais, vivenciamos o ‘trickle up’ – aqui, o que vem da margem começa a ser valorizado – o próprio crescimento do funk, da cultura de favela vem daí”, observa Julia. Hoje, o processo se complexifica porque com o avanço maior das tecnologias imersivas e de IA, as influências surgem e ninguém sabe de onde elas vêm. Não existe mais um grande influenciador ditando as regras – todo mundo pode ser um criador, um influenciador. “O exemplo do Papa com a jaqueta puff traduz bastante isso – ninguém sabe de onde vem ou quem criou aquilo exatamente, mas isso importa cada vez menos. O desafio agora é discernir o que é real e o que é criado.”
Passado, presente e futuro, tudo ao mesmo tempo
O tempo passa diferentemente para cada um. O tempo da natureza é cíclico. O da moda também – peças de roupa de uma época perdem relevância e depois de determinado tempo, voltam. O tempo do corpo é mais delicado, ele não volta. Mas tentar rejuvenescer a todo custo pode ser, inclusive, o maior sinal de velhice. “Quando falamos da macrotendência da democratização do bem-estar, estamos falando justamente da valorização desse corpo até então marginalizado – o corpo velho, o corpo gordo, o corpo com estrias e celulite”, diz Julia. Em tempo: tendências são diferentes de “modismos”. “Tendência é coisa séria. Potente e consistente, muda comportamentos de uma sociedade. O modismo é passageiro. Mudanças que revolucionam a forma de se existir em socie- dade, a forma de enxergar o outro – de inclusão, aceitação e valorização – vieram para ficar. E mais do que durar – para se tornarem ainda mais inclusivas, aceitando o diferente do diferente do diferente”, finaliza. Isso já não muda mais.