SPFW n53: João Pimenta apresenta coleção monocromática

João Pimenta é o tipo de criador que adora um exercício — e, se tiver chance, vai fundo no que se propõe. Nesta temporada, a vontade era dar por encerrada o grande drama da pior fase da pandemia com um cortejo fúnebre (refletindo, de quebra, a moral baixa de um Brasil amarrado a retrocessos políticos e culturais que, sensibilidade inevitável, pede um luto). Daí o desfile 100% preto, do primeiro ao último look. Construir uma coleção baseada em apenas uma cor pode até soar fácil. Mas é um desafio para não cair no minimalismo sonolento ou na repetição despropositada. Como, de minimalista, João não tem nem a cara, o caldo fica mais interessante. Ele sabe bem que, com um canvas monocromático desses nas mãos, o que se destaca é o uso de modelagens, silhuetas e texturas — o grande segredo de qualquer um que se proponha a se vestir de preto dos pés à cabeça. E é aí que seu trabalho brilha. Com um casting feito só de meninos negros (boa parte sem experiência de passarela, recrutada pelo Instagram) e suas cabeleiras esculpidas geometricamente, João mergulha no uso de tecidos e volumes. Todos os seus clássicos estão ali: a alfaiataria, que navega entre o clássico e o esportivo, o uso de signos dito femininos (como as ancas marcadas), as doses de exagero e as mil camadas de informações. E dá-lhe texturas, com jacquards, rendas, veludos devorê, até desembocar no final (enterro dos ossos ou ressurreição das tumbas?) e seus esqueletos punks rebordados com correntes e alfinetes. É puro exercício de moda — e um drama dos bons, de limpar o palato. Fica a vontade de ver um outro show, completamente em branco.