Chicago: um berço de cultura, arte e arquitetura
Curtindo a vida adoidado! Cidade grande, com faro para ditar e quebrar regras, Chicago é uma das mecas da cultura afro-americana, da arte conceitual e da arquitetura moderna.
À primeira vista, Chicago parece mais uma cidade cosmopolita, com arranha-céus que tomam o seu horizonte e um vaivém danado de gente apressada. Mas nem pense que o lugar é parada certeira apenas para a turma engravatada do mercado financeiro. Trata-se de um destino genuíno, com essência capaz de causar inveja ao estilo pop californiano ou ao suingue nascido nas encruzilhadas do Mississipi. Chicago exala pluralidade e deve isso à soma de muitos fatores, caso da arquitetura autêntica, das diferentes culturas que abriga, da culinária descomplicada – ali é a terra da pizza “deep dish” (aquela com cara de torta turbinada com queijo), do cachorro-quente cheio de firula e sem catchup, do cheesecake e dos sandubas fartos de rosbife –, da filial da Broadway, do blues e de uma das melhores equipes de basquete do mundo: o Bulls. Decidir-se por conhecê-la é como escolher um verdadeiro clássico fora do eixo manjado entre Miami e Nova York. Por aquelas bandas, onde vivem mais de dois milhões de pessoas, o som rasgado do blues, que atravessou o país durante a “Grande Migração” de trabalhadores sulistas pretos, ocorrida na primeira metade do século 20, foi incrementado com guitarras elétricas e ganhou representantes do naipe de Muddy Waters, B.B. King, Buddy Guy e Koko Taylor. Um dos templos sagrados para apreciar a música é o Kingston Mines (KINGSTONMINES.COM), inaugurado em 1968, por onde já passaram Joanna Connor, Mike Wheeler, Magic Slim e Billy Branch. O local tem décor simples, bar lotado, comida regional e lojinha, e é frequentado muito mais por residentes do que por turistas. Não espere serviço cinco estrelas, mas, acredite, você fará amigos e pode terminar a noite cantando e dançando na pista.
No quesito lifestyle, a metrópole que serviu de cenário para filmes como “Ruas de Fogo” e “Os Intocáveis” tem muito a acrescentar. Dona do estilo que trocou a madeira pelo ferro na estrutura, o que possibilitou deixar os prédios mais estáveis e com jeitão de “monobloco”, com grandes janelas e quase nenhum ornamento, a “Escola de Chicago”, datada do século 19, é o alicerce da construção civil contemporânea, tendo sido, inclusive, determinante em movimentos modernistas, a exemplo de Bauhaus. Moradia de Frank Lloyd Wright por décadas, Chicago conserva domicílios emblemáticos concebidos por ele, caso das Frederick C. Robie House, The Rookery e Emil Bach House. Banhada pelo lago Michigan, a cidade tem forte vocação para a arte. No Millennium Park, a escultura Cloud Gate, do artista indiano Anish Kapoor, transformou-se em um dos cartões-postais mais conhecidos do mapa. A obra, que levou dois anos para ficar pronta (2004-2006), e fez muitos racionais se dobrarem ao seu traço orgânico, foi inspirada em uma gota de mercúrio superdimensionada, que distorce o panorama urbano e insere os transeuntes em sua redoma. É no parque também que está o Jay Pritzker Pavilion, projetado por Frank Gehry para os concertos ao ar livre. Para incrementar a experiência artsy, estique até o Museu de Arte Contemporânea de Chicago, sempre ocupado por mostras provocativas – como a de Gregory Bae, que “escancara o fracasso convencionalmente envergonhado dentro de uma cultura dominante”. Para os olhos mais cândidos, sobra espaço para a poesia imagética de Alexander Calder.
É pra lá que eu vou!
Entre as centenas de opções de hospedagem, a melhor dica é eleger aquela com boa localização. O The LaSalle, pertencente ao Autograph Collection, fica a poucas quadras das atrações mais badaladas da urbe. Chique sem ser ostensivo, com toque sacado do art déco, o endereço tem spa, solário, lobby, biblioteca, gastronomia grifada e atendimento de excelência. Cravado nos cinco pavimentos superiores do imóvel idealizado por Daniel Burnham, a 21 pisos do térreo, o empreendimento foi paginado pelos escritórios DiLeonardo International e Chipman Design Architecture. As 232 suítes aliam conforto e praticidade, com acabamentos de qualidade e detalhes luxuosos, com direito a tevê de 65 polegadas, máquina de café italiana e cama Beautyrest Black by Simmons. No restaurante, além do café da manhã servido à la carte ou por buffet, tem almoço e jantar. Ao lado, no bar, há espaço para pocket shows.
Bem perto dali fica a State Street, onde se concentram as lojas preferidas para compras e o Revival Food Hall, uma espécie de praça de alimentação que reúne 15 estabelecimentos com fast food tradicional e natureba, mesas compartilhadas e ambiente agradável. Outro programa imperdível é dar check-in no Skydeck, que toma todo o 103o andar da Willis Tower (a maior edificação do mundo até 1998). Para quem não tem fobia de altura, vale testar a sensação de admirar a paisagem debaixo dos seus pés, em uma das quatro varandas completamente panorâmicas. Depois de recobrar o fôlego, tomar um drinque e conferir os diferentes ângulos da megalópole, explore as alternativas saudáveis que celebram os paladares com invenções à base de plantas e sem glúten (destaque para os tacos de cânhamo), do Bloom Plant Based. Para encerrar o dia com chave de ouro, o Avec, que combina os sabores mediterrâneos, é ótimo para ver e ser visto com uma taça de vinho nas mãos, embora a cerveja artesanal seja sensação em solo da premiada Goose Island.
Com tantos enredos imponentes, Chicago, conhecida como “Black Metropolis”, revela um dos bairros mais esfuziantes e interessantes de sua biografia. Bronzeville começou a ser desenhado em 1916, quando ocorreu o boom da migração afro-americana fugida dos estados opressores do Sul, incentivada pelo jornal “Chicago Defender” (periódico destinado à população negra, com distribuição nacional). Mas o sonho de formar uma vizinhança acolhedora não se confirmou, e os recém-chegados foram “confinados” numa parte abandonada da cidade.
Diante da realidade segregacionista, a comunidade se uniu a fim de legitimar os próprios negócios econômicos e imobiliários, as ações culturais e as instituições comunitárias sem restrições raciais, elevando Bronzeville ao patamar do Harlem novaiorquino. Não é à toa que em suas imediações moraram figuras do quilate de Louis Armstrong, Nat King Cole, Sam Cook, Dinah Washington, Quincy Jones e Herbie Hancock, os precursores da música gospel Mahalia Jackson e Thomas A. Dorsey, a coreógrafa Catherine Dunham, a pioneira da aviação feminina Bessie Coleman, o autor Richard Wright, a ativista e escritora Ida B. Wells, as lendas olímpicas Jesse Owens e Ralph Metcalf, o boxeador Joe Louis e a poetisa vencedora do Prêmio Pulitzer Gwendolyn Brooks.
Uma vez na “Cidade dos Ventos” é obrigatório percorrer o bairro, começando pelo delicioso brunch do Pearl’s Place, que serve pratos da culinária de Nova Orleans – mas topa fazer uma omelete simples harmonizada com chá de erva-cidreira. Depois visite as obras de reconstrução da Pilgrim Baptist Church, devastada por um incêndio em 2006. Ainda que os tapumes atrapalhem e um enorme esqueleto com vigas de concreto salte aos olhos, a antiga igreja é o berço do gospel e teve Clarence LaVaughn Franklin, pai de Aretha Franklin, como reverendo.
Em uma mansão secular, desde 1940 funciona o South Side Community Art Center, primeiro museu de arte negra dos Estados Unidos. Já no centro de arte Fourtune, que abriu recentemente, o jovem Makafui organiza encontros e cria oportunidades para incentivar a conectividade entre os habitués. Colado ao espaço multicultural, a marca de Sarah Kuenyefu desponta com roupas pontuadas pela ancestralidade, coloridos pops e acessórios ganeses.
Nessa miscelânea humanista, cujo céu tem a cor do cimento e as intempéries são passageiras, Chicago prova que tem script que mescla boas doses de aventura, ineditismo, romance e até uma leve pitada de drama. É uma cidade fascinante, frenética, inesquecível – e que vai deixar os viajantes com vontade de voltar.