Moda

1997 - O Ano Ímpar no mundo da Moda

Exposição em Paris resgata os acontecimentos de 1997 na moda, dialoga com as inquietações da sociedade e reverbera lançamentos na música, dança e televisão

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Foto: Divulgação / Cenografia da exposição

Com os anos 1990 no centro das tendências de moda, os pontos altos da década entraram no radar também dos curadores de arte. Um dos reflexos é a mostra 1997 – Fashion Big Bang, em cartaz até 16 de julho no museu Palais Galliera, em Paris. A exposição aponta a data como um marco de entrada para o novo milênio com uma série de coleções emblemáticas: corpos deformados da Comme des Garçons, roupas conceituais de Martin Margiela e a redefinição de Raf Simons dos cânones da beleza masculina.

Esse ano também pode ser definido como um divisor de águas para o movimento heroin chic, que deu a cara da imagem em campanhas e revistas em praticamente toda a década. Era maio de 1997 quando o então presidente Bill Clinton, incomodado com o aumento do tráfico e consumo de heroína nos Estados Unidos, incluiu o assunto no discurso para um grupo de prefeitos – ele havia lido sobre a morte do jovem fotógrafo David Sorrenti por overdose da droga e cujas fotos costumavam trazer modelos com “aparências de drogadas e abatidas”. “Você não precisa glamourizar o vício para vender roupas (...) A glorificação da heroína não é criativa, é destrutiva. Não é bonito; é feio. E não se trata de arte; é sobre a vida e a morte. E glorificar a morte não é bom para nenhuma sociedade’’, disse o político. É certo que ainda foi preciso um tempo até uma mudança de paradigma na imagem de moda, mas o pronunciamento certamente foi um marco.

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Foto: Divulgação / No manequin, peças da coleção Stockman de Martin Margiela; foto de look da alta- costura de Guy Laroche por Alber Elbaz, cenografia da mostra, "mulher-pássaro" da alta-costura de Jean-Paul Gaultier, capa do disco Homogenic de Björk por Alexander McQueen e bolsa Baguette

Por outro lado, o fenômeno da globalização ganhava impulso, prenunciando os anos 2000 e 2010. Novos diretores artísticos, como Hedi Slimane, Stella McCartney, Nicolas Ghesquière e Olivier Theyskens, começavam a chamar a atenção. E uma nova safra de marcas e criadores revigorava a alta-costura: de Jean Paul Gaultier e Thierry Mugler, que já estavam no mercado há tempos, a nomes recentes, como Alexander McQueen na Givenchy e John Galliano na Christian Dior. Outros episódios marcantes de 1997: a inauguração da concept store Colette, em Paris, e a trágica morte do estilista Gianni Versace em julho, na Flórida.

Para traçar todo esse panorama, a exposição reúne cerca de 50 looks, além de filmes e documentos. A montagem cronológica está dividida em quatro seções a partir de outubro de 1996, com os desfiles de prêt-à-porter para o verão de 1997. Concentra-se nas coleções de Tom Ford para Gucci com sua energia sexual, “Stockman” de Martin Margiela e “Body Meets Dress, Dress Meets Body” de Comme des Garçons que questionam a criação e a estética da roupa, a noção de corpo ideal em um momento em que o mundo debatia sobre as consequências e o significado do aumento das cirurgias estéticas e as primeiras tentativas de clonagem. Ann Demeulemeester se inspirava na androginia de Patti Smith, enquanto Yohji Yamamoto, sensível ao renascimento da alta-costura, homenageava grandes mestres da moda.

A segunda parte da exposição se concentra nas coleções de alta-costura para o verão de 15 marcas – eram 200 em 1946. da coleção Stockman de Martin Margiela; De certa maneira, o declínio observado ano após ano na couture ganha uma “contraofensiva midiática” em julho de 1996, durante a busca por um sucessor de Gianfranco Ferré na direção criativa da Dior. Rumores sem precedentes terminaram em outubro com a nomeação de John Galliano. Depois foi a vez do burburinho em torno da contratação de outro designer britânico, o controverso Alexander McQueen, 27 anos, para a Givenchy. A expectativa era imensa para os desfiles em janeiro de 1997. Aos dois jovens designers havia as aguardadas estreias de Jean Paul Gaultier e Thierry Mugler, duas figuras do prêt-à-porter dos anos 1980.

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Foto: Divulgação / O colorido de John Galliano para a alta-costura verão Dior em foto de Peter Lindbergh, Kristen McMenamy veste look de Thierry Mugler, alta-costura inverno 1997-98. E peças da coleção Body Meets Dress, Dress Meets Body da Comme des Garçons na exposição.

"PARA TRAÇAR TODO ESSE panorama, A EXPOSIÇÃO REÚNE CERCA DE 50 looks, ALÉM DE FILMES E DOCUMENTOS. A MONTAGEM cronológica ESTÁ DIVIDIDA EM QUATRO SEÇÕES A PARTIR DE OUTUBRO DE 1996, COM OS DESFILES DE prêt-à-porter PARA O VERÃO DE 1997."

Dois meses depois, durante a temporada outono-inverno em Milão, despontava da passarela a bolsa Baguette, desenhada por Silvia Venturini Fendi. Seu nome se deve ao formato e à forma como é carregada, inclinada para trás, como uma baguete debaixo do braço. Virou a primeira it-bag, obrigando os clientes a se registrar em uma lista de espera ou a fazer fila para obtê-la, parte em função da série Sex and the City, cujo episódio piloto foi filmado em junho de 1997 em Nova York.

A temporada seguinte da alta-costura, a de inverno, ocupa a terceira seção da mostra. Gianni Versace, então no auge de sua glória, foi o primeiro a desfilar, inspirado em duas exposições recentes: Japonisme et mode, no Palais Galliera (1996), e The Glory of Byzantium, no Metropolitan Museum of Art de Nova York (1997), indo do místico ao religioso. Christian Lacroix comemorou o décimo aniversário da maison. Após as críticas negativas da estreia, Alexander McQueen optou por uma versão mais introspectiva. Mas ele estava em alta e leva o gosto pela estranheza para o visual de Björk na capa do disco Homogenic.

Já a quarta seção reúne os desfiles para o verão de 1998. Em Milão, Donatella Versace sucedeu ao irmão com uma coleção vista pela imprensa como o início de uma “nova era”. Em Paris, o estilista americano Jeremy Scott apresentava a coleção “Rich White Women”, que refletia a angústia de uma sociedade diante do corpo transformado pela cirurgia estética e pela clonagem. A busca por referências do passado se refletia em um romantismo sombrio, e até gótico, que permeou as primeiras coleções de Olivier Theyskens, Véronique Branquinho e Josephus Thimister, uma nova geração de designers formados na Bélgica.

Mais leve, Stella McCartney estreou na Chloé. Único diretor artístico francês nomeado em 1997, Nicolas Ghesquière surpreendeu com seu primeiro espetáculo para a Balenciaga, composto por silhuetas monásticas. O ano fashion terminava em outubro, com Rei Kawakubo assinando o figurino do balé Scenario, de Merce Cunningham, com as silhuetas deformadas de sua coleção primavera-verão. O espetáculo colocou a estilista japonesa ao lado de grandes artistas que colaboraram com Cunningham, como Marcel Duchamp, Robert Rauschenberg ou Andy Warhol. Um ano e tanto. Muito barulho, sim, mas com todo o mérito.

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Foto: Divulgação / Look de Alexander McQueen para a alta- costura verão 1997 da Givenchy e cenografia da mostra.

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