André Namitala comemora 10 anos de Handred!
Na dele! André Namitala comemora dez anos da Handred seguindo seus próprios ritmos e olhando o mundo de dentro do ateliê
Para onde anda a Handred? Quando surgiu, em 2012, a marca de André Namitala representou um novo gás na combalida moda do Rio de Janeiro. A vontade do criador era de produzir roupas de qualidade e confortáveis, agarrado em metragens de materiais naturais — especialmente o linho — para construir uma estética que remetia a um Brasil idealizado.
Dez anos depois, o que poderia ser lido como uma utopia de jovem estilista se tornou um business de respeito, com três lojas próprias. Mas a essência continua por lá: Namitala segue produzindo a mesma moda, sem grandes concessões, dentro do seu ateliê em Copacabana. Apesar de adulta, ele mantém sua produção sob mãos firmes e conscientes — “nosso crescimento será sempre em direção desse lugar de respeito à roupa”, reflete, sobre os próximos passos.
Entre um corte de tecido e o planejamento do aniversário, André conversou com L’OFFICIEL sobre essa primeira década de Handred e o seu dia a dia com uma clientela que não está em busca da última tendência.
Balanço
Não só cheguei onde queria estar em dez anos, mas além. É um momento de me espantar com como as coisas evoluíram. É até engraçado tomar conhecimento da complexidade em que o negócio se tornou. Meu prazer maior ainda é de loja, de fazer e vender roupa. Agora, me vejo em mil reuniões, de financeiro, de planejamento, de e-commerce. Às vezes dá um susto: de onde veio isso? É uma empresa que já nasceu na crise, em 2012, com um dono para fazer tudo. Meu único investimento era com o produto. E sempre nos movimentamos conforme a música do mundo, da indústria, mas tendo um movimento um pouco diferente. Fico feliz de ter conseguido, nesses dez anos, sustentar os meus “nãos”. Estou colhendo frutos da firmeza das minhas escolhas. Nossa essência, nossa vontade, sempre foi lutar pela maneira que queremos fazer essa roupa. Optar por uma forma de produção que respeita o tempo do ofício refletiu no nosso crescimento, controlado. Tenho outra dinâmica e o negócio ainda não me engoliu. Óbvio que me canso, dou uma enlou- quecida — mas tem dado certo.
Pontos firmes
Hoje, faço até mais do que tinha medo antes. Quando comecei a fazer seda para homens, por exemplo, foi difícil — agora, há essa aceitação. Não precisei ir para tecidos sintéticos, é uma premissa que temos desde o começo. Não precisei fazer malharia para aumentar o volume, não precisei me adaptar. Sigo fazendo o que gostaria de fazer, não é outra empresa.
À moda antiga
Cada vez é mais difícil não fazer roupa num modo automático. Tenho plena certeza de que vivo numa estrutura de luxo. O ateliê fica perto de casa, próximo às lojas. Seguimos na produção interna, sem terceirizar nada. Estou com as modelistas o tempo todo, desenhando, trabalhando ao lado. Digo que é luxo, pois pagar imposto para 55 pessoas de carteira assinada, tendo o escritório que gostaria, produzindo as roupas que quero, andando a pé para o trabalho... não é fácil de manter. Não tenho sócio, não tenho investidor, ainda é uma coisa totalmente independente. Apesar do movimento de digitalização por conta da pandemia, quando tivemos que reforçar o nosso e-commerce, não dá para entrar no modo automático. As coisas não são tão exatas, é cada vez mais difícil depender do algoritmo. Ao mesmo tempo, há esse êxodo das pessoas, saindo das metrópoles ou procurando novas experiências. E uma exaltação, um entendimento muito maior da mão de obra, joga a nosso favor.
Ajustes
Ao mesmo tempo que gosto muito de ser orgânico, agora preciso ter um planejamento. Eu era um menino brincando de fazer roupa que deu certo. Hoje, me deparo com uma empresa que tem setores, funcionários, a receita precisa girar para manter tudo em pé. Então aquele ímpeto de ter uma ideia e botar na loja no dia seguinte, não existe mais, preciso esperar dois meses.
Certezas
A Handred deu certo pois não tem mentira envolvida. Não estou aqui para fazer imagem, mas para fazer roupa. Há uma verdade, uma insistência sobre o assunto que faz a pessoa ganhar confiança na marca. Existe esse lugar de conforto e segurança. A loja é perene, os clássicos seguem ali, apesar das coleções temporais. Há essa confiabilidade no que está acontecendo.
Público entendido
Em todos os gêneros, atingimos uma clientela que estava órfã. No mercado masculino, que não tinha mais uma marca assim. No feminino, quem vem atrás dessa pureza de linhas, a não necessidade de emperuar demais, que não quer comprar a roupa com renda verde-militar e tachinhas do momento. Há um resgate estético e de qualidade, de 20 a 90 anos. Da memória afetiva do linho que a avó usava; também muita gente mais velha que chega com saudade da época da Maria Bonita, do Georges Henri — acho isso um luxo. E a galera mais contemporânea, que não quer uma roupa com label, pessoas mais discretas, que a personalidade fala mais alto.
É também uma clientela muito fiel, ainda mais por não termos um concorrente direto. Vendo para pessoas que entendem, que são chatas sobre o produto, com quem dialogo sobre acabamento da seda, o viés, a diferença entre gramaturas dos linhos, o tingimento natural da lã.
Público estrelado
Eu realmente não sei o motivo, mas desde o início ganhei reconhecimento de um pessoal de uma classe artística. No começo, não tinha contato com ninguém. A partir do momento que a roupa começou a sair na mídia, ganhou adesão de cantores, diretores de cinema, artistas, arquitetos. Acredito que 80% do meu núcleo de clientes é da arquitetura. Não sei que código é esse que temos, que conquista um público que entende estética versus produto versus produção versus acabamento.
Etiqueta
Hoje, vejo que o cliente entende o valor, mesmo que não possa pagar. Temos vivido momentos menos negativos no sentido da consciência de preço; sempre ouvi muito que o produto não é caro para o que é. Cada vez mais as pessoas estão pensando no que comprar, sobre durabilidade e custo-benefício. Estamos nesse lugar, com o compromisso de que a roupa vai durar. Não posso ter vergonha do que faço em relação a preços. Não trabalho com materiais baratos, a estrutura não é barata de manter no Brasil. Você precisa sambar muito para ter um preço possível que mantenha tudo em cima. Você quer ser democrático ou fazer uma roupa boa?
Valores possíveis
Há uma procura incessante por uma matéria-prima que seja natural, comporte todas as minhas costuras, lavagens e acabamentos e, ao mesmo tempo, mais barata. Elas até existem, mas não são tão ecológicas quanto o que uso. O algodão é mais barato, mas consome 80% mais água do que um linho ou uma seda. Então fica essa discussão: até que ponto é mais sustentável fazer algo que seja mais barato? Faz sentido?
Estruturas
Uma costureira é uma artista tanto como eu, que sou estilista. Não vivo sem ela. As pessoas às vezes não percebem esse processo interno quando veem o preço das peças. E temos um setor muito solitário, que não tem apoio do governo, nada.
A moda brasileira precisa urgentemente olhar para esse cenário, sobre investimento em materiais, pessoas e processos. Não quero ser negativo, mas isso não vai mudar em cinco ou dez anos. Tudo hoje é visto como subemprego, é uma produção que não tem investimento. Daqui a pouco não há mais costureiras — e aí, vai fazer o quê? Onde estão os cursos de profissionalização, cadê o fomento?
Estamos tocando esse trabalho na Handred, legalizando muitas freelancers, abrindo MEI para elas. Quando resolvemos contratar pessoas para formar aqui dentro, é um processo interno. Minha modelista-chefe entrou no ateliê como auxiliar de costura. É lindo de ver, mas isso demorou literalmente dez anos. O esforço tem que ser mais abrangente e coletivo.
Collab mais barata
Faria sim uma coleção em colaboração com uma rede maior, mas é preciso que faça sentido com os nossos conceitos. Só aconteceria ao lado de uma empresa que tivesse muita transparência sobre formas de trabalho, maneiras de produção, de onde vem a matéria-prima. Não adianta vender mais barato sem saber como foi feito.
Posicionamentos
Sempre tivemos essa pauta de que a nossa roupa não tem gênero. E sofremos represália, já ouvi na minha própria loja que aquilo era roupa de viado. Mas não gosto de gerar muito buzz sobre o que fazemos, sempre foi uma grande preocupação. Venho de um lugar que se chama Rio de Janeiro, onde tem muito papo. Tenho um compromisso de não ficar só na fala, sem ação. Talvez não levantemos bandeiras públicas, mas nossa realidade é outra. Não me intitulo sustentável, por exemplo, mas só usamos tecidos naturais, temos práticas internas de fair trade.
Sempre tive cuidado com a imagem da Handred, acho que muito do nosso minimalismo veio daí. Abri a marca com 19 anos, então resolvi fazer a coisa mais limpa do mundo para não me arrepender de nada no futuro. Com as palavras também é assim. Movimentamos um setor, temos essa questão de ser uma roupa para vários corpos.
Assim como não falo sobre o artista na fila A do desfile, também não comento sobre a cliente sob medida que teve o peito amputado por conta do câncer de mama. Tenho uma certa discrição com a marca pois quero proteger quem compra. Elas não são materiais para ficar mais popular ou sair no jornal.
Comemorando
O aniversário oficial foi em março mas, com as inseguranças todas da pandemia e da economia, preferimos deixar para comemorar no segundo semestre, com o desfile presencial, em novembro. Há o intuito de fazer uma grande celebração, inclusive com uma festa aqui no Rio, reunindo clientes, fornecedores, todo mundo que já fez parte da nossa história.