Dolce & Gabbana escreve próximos passos
Dos vestidos pretos que moldam o corpo à profusão de estampas coloridas, a estética construída pela Dolce & Gabbana é marcante. De um lado, alfaiataria impecável; do outro, referências à Sicília. Literalmente a junção de heranças culturais do milanês Stefano Gabbana e do sicialiano Domenico Dolce. Unindo os dois, o apreço por processos artesanais e a obsessão pelo preciosismo de materiais, modelagem, acabamento. Essa determinação foi maximizada com a criação do projeto Bothegue di Mestiere, em 2012, em Legnano, uma simpática cidadezinha com pouco mais de 55 mil habitantes na região da Lombardia. Objetivo: perpetuar técnicas tradicionais colocando artesãos experientes para formar os especialistas do futuro com a urgência do agora.
É esse foco no presente e na sociedade em movimento constante, aliás, que vem impulsionando outros passos. Em maio de 2020, em meio ao caos da primeira onda da pandemia, a Dolce & Gabbana lançou uma série em seus canais sociais chamada #DGFattoInCasa, colocando seus artesãos para realizarem workshops digitais ensinando técnicas que poderiam ser reproduzidas em casa, como parte de um projeto de arrecadação de fundos para a Fondazione Humanitas per la Ricerca nas pesquisas científicas de mapeamento da covid-19 e no comportamento do vírus no corpo humano por meio do projeto Amore for Scientific Research.
Na sequência, vieram os apoios à #BlackOutTuesday – ação coletiva criada por personalidades da indústria da música para protestar contra o racismo e a brutalidade policial, em resposta ao assassinato de George Floyd, Ahmaud Arbery e Breonna Taylor – e The Trevor Project, ong californiana para a prevenção do suicídio entre jovens LCBTQI+. Dessa parceria, para o Dia dos Namorados do Hemisfério Norte, em fevereiro deste ano, surgiu a campanha para “celebrar o amor em todas as formas”. No posicionamento de inclusão também está a ampliação da grade de numeração – para nós, até o número 52 – e a recente campanha #DGRealPeople.
Para o inverno 2021, Domenico e Stefano deram mais um passo em direção ao futuro ao propor uma parceria com o Instituto Italiano di Tecnologia (IIT), que tem realizado pesquisas no campo da robótica de serviço e em inteligência artificial. O resultado veio no desfile sem a presença de público: além dos modelos, robôs humanoides multifuncionais iCub e R1 exibiram peças da coleção #DGNext- Chapter, em clima de ficção científica pop. “Observar nossos robôs em uma passarela de moda nos faz sentir próximos do público em geral acompanhando esses eventos, demonstrando que os resultados da pesquisa científica são um patrimônio comum a todos”, disse Giorgio Metta, diretor científico do IIT em comunicado à imprensa logo após o show, em abril.
“A moda sempre foi o resultado da confluência de mundos que podem estar muito distantes um do outro: se a tecnologia está realmente servindo ao homem, a suas necessidades e suas paixões, então um artesão e um robô poderão coexistir”, analisam os fashion designers. A seguir, a dupla conta à L’Officiel como essa coleção visa a aproximar a marca da geração Z. “Ouvimos muito os jovens, os observamos, procuramos perceber o que mais os fascina para transferir um pouco de nossa história”, explicam.
Esta coleção sugere uma mudança estética radical de direção, com foco nos jovens?
Na verdade, não falaríamos de uma mudança radical, mas da vontade de expressar nossos valores e nós mesmos de forma contemporânea, com um imaginário e uma linguagem – a das mídias sociais – certamente mais próxima das novas gerações. Próximo Capítulo – esse é o título da nova coleção – é um diálogo entre nosso DNA e a realidade hipertecnológica que nos rodeia, a busca pelo equilíbrio entre tradição e inovação, feito a mão e pesquisa.
Na passarela, vimos referências aos anos 1990, como na frase “90s Supermodel” impressa em uma camiseta. Quais são as boas lembranças desse período?
Milão fez sua parte! Foi o momento de ouro da moda, e queríamos ser relevantes, ter nosso espaço e poder contar nossa história... que perdura e que, esperamos, nos leve ainda mais longe. Tivemos a sorte de experimentar um momento único, encontrar e fazer amizade com pessoas que víamos nas revistas ou na TV e que, hoje, podemos chamar de amigas. Trabalhar com Madonna foi um sonho que se tornou realidade. Desenhar as roupas para sua turnê em 1993 (e Girlie Show) foi incrível. Para nós, ainda é uma grande emoção!
Pensando em tecnologia, de um lado temos uma geração TikTok; do outro, a promessa de um futuro moldado pela inteligência artificial. Qual é a impressão de vocês sobre esses dois universos? Acreditamos que, se a tecnologia está realmente a serviço da humanidade, de suas necessidades e paixões, então as duas realidades não terão problemas para coexistir e se apoiar. A mídia social tem um forte impacto na vida de todos; hoje, tudo é muito rápido e acessível. As novas gerações são totalmente absorvidas pela Internet; elas se expressam e se comparam por meio de uma tela, mas sempre de forma autêntica e pessoal. Ouvimos muito os jovens, os observamos, procuramos perceber o que mais os fascina para transferir um pouco de nossa história, de nossa moda.
Como foi a colaboração com o Istituto Italiano di Tecnologia – IIT ?
A primeira reunião foi difícil, porque duas realidades aparentemente distantes se confrontaram. No entanto, estamos felizes porque o IIT aceitou nosso desafio. Eles fazem um trabalho fascinante. É ótimo pensar como a genialidade e a determinação do homem podem dar vida a outras formas de inteligência, que podem aprender com a própria experiência e se desdobrar nas áreas médica, ambiental e social. A moda sempre foi o resultado da confluência de mundos que podem estar muito distantes um do outro. A colaboração com o IIT é uma prova disso.
Dolce & Gabbana está associada ao feito a mão. Em sua opinião, como unir artesanal e tecnologia?
São duas áreas que sempre andarão em paralelo, influenciando-se mutuamente. Mas gostaríamos de enfatizar que sempre haverá algo que as mãos humanas serão capazes de fazer melhor do que qualquer máquina: criar beleza com amor.
Como a marca está atuando para manter viva a beleza e a importância dos ateliês?
Para nós, a qualidade está no centro de tudo; nossos clientes esperam a verdadeira alfaiataria italiana, o melhor acabamento, os mais belos tecidos. Para nós, o coração da moda é o ateliê e, por isso, em 2012 lançamos Botteghe di Mestiere, um projeto de aprendizagem que visa a transmitir às novas gerações os fundamentos e o amor pela alfaiataria. Formar jovens na arte da alfaiataria significa oferecer-lhes não só uma oportunidade concreta de trabalho, mas também a chance de crescer e aprender e expressar sua criatividade. Ao mesmo tempo, estamos investindo em nossa equipe e ampliando o número de alfaiates e artesãos que trabalham conosco. Isso reflete os valores que estão no cerne de nosso DNA: a importância do toque humano, do trabalho artesanal, de “criar” com paixão, técnica e tenacidade.