Fendi: Silvia Venturini Fendi em entrevista exclusiva para L’Officiel

Não é uma data qualquer. Em um momento em que muitas marcas, independentemente da trajetória, estão se voltando para suas histórias e fortalezas, a marca italiana criada por Adele e Edoardo Fendi, em 1925, jamais deixou de lado suas raízes, muito bem conservadas pela neta, Silvia Venturini Fendi, diretora artística de acessórios e moda masculina, que cresceu entre pilhas de couro, tecidos e aviamentos no estúdio de criação da Fendi.

Tudo começou em uma pequena butique no centro de Roma, inaugurada em 1925 por Adele e Edoardo Fendi. Pouco depois, veio a abertura de um ateliê especializado em bolsas e marroquinaria, abrindo espaço para uma série de coleções de sucesso e colaboradores especiais que colocaram a Fendi no cenário internacional. Quando Karl Lagerfeld chegou à marca como diretor criativo, em 1965, Silvia Venturini Fendi tinha apenas 5 anos. O estúdio de criação, para onde ela ia diariamente depois da escola, era uma espécie de playground mágico onde coisas maravilhosas eram criadas. Em entrevista à L’OFFICIEL, lembra-se de sua avó, Adele, como uma perfeccionista para quem qualidade, design e beleza eram complementares e essenciais. Foi quem introduziu a costura com os pontos Selleria que viraram assinatura da marca e motivo de orgulho da herdeira, que ocupa o cargo de diretora artística de acessórios e moda masculina.

Não é exagero dizer que Silvia é a grande dama das it bags, começando pela icônica Baguette, lançada em 1997. O nome da mais fashionista das bolsas vem da maneira como é carregada, lembrando a maneira como os franceses saem de uma boulangerie com esse pão sob o braço. “Foi um dia especial quando eu projetei esta bolsa; as estrelas se alinharam. O horóscopo disse que era um dia Fendi”, comentou Silvia em 2022 no texto sobre os 25 anos do acessório, celebrados em Nova York. A escolha da cidade tinha a ver com o seriado Sex and the City e sua protagonista, Carrie Bradshaw, de Sarah Jessica Parker. Em uma cena clássica – entre tantas outras com a it bag –, a personagem é abordada por um ladrão que pede as sandálias Manolo Blahnik e sua bolsa. Antes de entregá-la, ela corrige o assaltante: “É uma Baguette”.

“O formato é uma tela em branco e pode se adaptar a qualquer coisa”, enfatiza a designer, que compara a bolsa a uma roupa. Sua versão mais recente é resultado da colaboração hand in hand com a artista têxtil australiana Natalie Miller. Baseada em East Kangaloon, nas Southern Highlands, ela cria tapeçarias vibrantes de lã Merino proveniente de uma fazenda local e processada na Nundle Woollen Mill, em Nova Gales do Sul, uma das poucas fábricas restantes na Austrália que produz a própria lã utilizando técnicas tradicionais. O tingimento manual leva pigmentos orgânicos provenientes de folhas e cascas de árvores. Em contraste com as obras de arte típicas da artista, em grande escala e em cores exuberantes, a abordagem para a Baguette é mais delicada. A cartela cromática privilegia cores neutras e suaves para refletir as nuances do campo e do pôr do sol dourado de Southern Highlands. É com esse material e storytelling que a Baguette 2024 promete dar continuidade ao seu sucesso inabalável. Criado em 2020 e com atuação sem fronteiras, o projeto Hand in Hand é uma parceria entre a Fendi, artistas e artesãos destacando a Baguette como um convite à criatividade e à excelência. O nome “hand in hand” representa o encontro das mãos de artesãos locais com as mãos dos artesãos da Fendi, dando vida a uma colaboração única.

L’OFFICIEL Você está ativamente envolvida na empresa fundada por sua avó Adele Casagrande em 1925. Como a Fendi busca conectar passado e presente para preparar o futuro? 

SILVIA VENTURINI FENDI A Fendi sempre teve um olhar para o passado e um olhar para o futuro, como um dos nossos deuses romanos e símbolos da marca, o Janus de duas faces. Nosso objetivo é inovar cuidando de nossas tradições e artesanatos que são únicos, como a costura Selleria e os trabalhos em pele.

L’O No ano que vem, Fendi fará 100 anos. Não é uma data comum. Que balanço faz desse marco, principalmente desde 1994, o período em que você ingressou na marca, até agora?

SVF As criações feitas manualmente na Fendi são bem distantes de uma ideia de moda sazonal e descartável. Elas falam com você de uma maneira diferente e transmitem uma mensagem diferente. Quando você tem uma história de 100 anos, os números são importantes, eles marcam a passagem do tempo e há uma magia neles. À medida que nos aproximamos de nossa celebração, nosso centenário, estamos nos perguntando quem somos. Estamos parando e questionando o que fizemos e o que faremos. Muitos dos nossos produtos são costurados com os mesmos pontos Selleria que minha avó introduziu. Hoje, é claro, eles são cortados com máquinas sofisticadas, o que garante uma precisão inatingível em sua época, e todo o processo é muito mais rápido. Dito isso, a essência permanece. Há uma ideia de continuidade entre passado e presente.

L’O Na sua opinião, que acha que sua avó pensaria da evolução da marca nesse tempo?

SVF Minha avó Adele era perfeccionista, então ela ficaria feliz em ver quão longe chegamos. No entanto, tenho certeza de que ela não hesitaria em dar sua opinião.

L’O Baguette e Peekaboo são duas peças icônicas da marca. Quais foram as principais considerações estéticas e funcionais ao criar ambas? 

SVF Acho que carregar uma Peekaboo diz algo sobre uma pessoa forte e empoderada que não tem medo de se esconder. Quando você está com a sua Peekaboo, você se sente segura de si. A Baguette, em vez disso, coloca um feitiço em você, é uma bolsa alquímica, um vício. Considero a Baguette um manifesto de individualismo porque é sempre a mesma, mas sempre diferente.

L’O Seu estúdio de design na nova fábrica da Fendi é muito moderno, quase como um laboratório, mas cercado pela natureza. Como a tecnologia entrou em seu processo criativo e de produção de acessórios e como dialoga com os processos artesanais do seu ponto de vista? 

SVF Fendi é sinônimo de criatividade e pesquisa. É onde o trabalho exclusivo combina alta qualidade com materiais preciosos. Acreditamos fortemente em preservar e aprimorar nossas tradições. Nosso foco é manter os códigos de qualidade e criatividade vivos, mas, ao mesmo tempo, estamos sempre nos esforçando para inovar e experimentar continuamente, investindo em novas pesquisas e inovações. O artesanato e a indústria estão unidos, eles andam juntos. É por isso que acredito que o futuro do que é feito à mão está ligado à tecnologia. É extremamente importante lembrar de onde viemos e saber para onde estamos indo, porque nosso futuro depende disso.

L’O Você começou a desenhar a linha masculina com Karl Lagerfeld, que não estava muito interessado em roupas masculinas, certo? Da sua perspectiva, houve um questionamento das noções de masculinidade. Qual é a sua interpretação do homem do século 21? 

SVF Sou uma mulher criando roupas para homens. Os limites estão mudando e há uma sensação de grande liberdade na moda masculina, o que é incrível. Acho que essa transformação foi uma das coisas mais interessantes que aconteceram na moda na última década.