Moda

Francesco Risso, diretor criativo da Marni, em entrevista exclusiva

O segredo do mago! A abordagem artística de Francesco Risso, diretor criativo da Marni, é enriquecida graças a um novo programa de residência para artistas, em que a marca acolhe figuras alternativas muito diferentes.

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Foto: Divulgação

“Havia eu, Van Gogh, Duchamp e Warhol em uma sala.” Talvez seja assim que o sonho artístico mais excêntrico de Francesco Risso possa começar, com seu encontro impossível com três figuras que mudaram as regras do jogo e que sempre o fascinaram. Diretor criativo da Marni desde 2016, depois de dez anos na Prada e anteriormente na Alessandro Dell’Acqua, Malo e Blumarine, Francesco Risso saiu das fileiras, que se tornaram agora raras, dos criativos absolutos, refratários a certas simplificações do marketing (sem que isso tenha impacto no faturamento da marca). Francesco mantém uma relação inabalável com a arte, colecionando-a, frequentando-a, respirando-a, interagindo naturalmente com ela. Embora as coleções concebidas para a Marni se aventurem frequentemente pelo terreno da arte, ele evita o rótulo de artista. Exceto para introduzir no design uma série de práticas que se parecem inteiramente com a arte e traduzi-las gradualmente em soluções industriais. É isso que ele chama de “o segredo do mago”, uma abordagem do design impregnado pela arte e que é agora enriquecida por um programa de residências artísticas ao longo das quais Marni acolhe diversas personalidades muito diferentes umas das outras, criando um confronto franco e livre com Francesco Risso.

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Looks de desfiles: collab com a artista Magdalena Suarez Frimkess P- V 2018. Look Marni P-V 2023.Collab com FlaminiaVeronesi P-V 2023.Nos bastidores do desfile O-I 2024.

L’OFFICIEL: Qual é sua primeira lembrança relacionada à arte?
FRANCESCO RISSO: Agora que você me fez pensar, me dei conta de que nunca prestei atenção a isso, mas a ideia me intriga. Quem sabe o que se esconde por trás desse primeiro impacto? Eu não tenho uma imagem precisa, de um amor à primeira vista, mas me lembro de um momento em que, depois dos primeiros anos de uma vida aventureira passada a navegar com meus pais, nos mudamos para a casa do meu avô. Havia pinturas muito escuras do século 18 nas paredes, perspectivas infinitas em que uma criança podia se encontrar em um túnel de impressões. Creio que foi assim que comecei a perceber o elo com o imaginário construído pelo gesto da mão.

L’O: Quando sua relação com a arte se tornou mais consciente?
FR Assim que me dei conta de que sabia desenhar muito bem, tive vontade de explorar esse campo. Eu era adolescente, e a escola de arte me permitiu ativar técnicas até então ignoradas por mim. Imaginei uma vida dedicada ao desenho, depois percebi que as roupas eram a minha missão, para a grande infelicidade dos pobres guarda-roupas da família. 

L’O: Em que sentido?
FR: Nós somos um pouco como os esquilos. Em uma época, vivíamos todos juntos, avós, pais separados com seus filhos, era uma espécie de comunidade, na qual eu era o menor e o mais silencioso, era minha maneira de lidar com uma situação complexa e muito intensa. Eu me expressava principalmente por meio das coisas que montava e desmontava. Com 9 anos, eu já fazia roupas, usando as da minha avó – ela tinha um guarda-roupa maluco –, dos meus irmãos e irmãs e as da minha mãe. Fazer roupas era minha linguagem, meu super-poder, algo de tal maneira natural que, pouco a pouco, me afastei da arte propriamente dita para me voltar estritamente para a confecção de roupas.

L’O: Como essa formação se transpôs para a sua moda?
FR: De várias maneiras. Na Marni, a utilização da pintura é parte integrante do departamento de estilo. Não digo que sejamos artistas, mas, sim, nós pintamos todo o tempo e fizemos dessa prática um trunfo fabuloso. A equipe tem talentos excepcionais, o que é raro hoje em dia, pois muito poucas pessoas sabem pintar em uma empresa de moda. Não estou falando de esboços, mas de pintura. Nós temos todos os desenhos, o que evita que tenhamos que pedir a ajuda de fornecedores externos. À força de muito estudo, agora sabemos como transpor certas profundidades e texturas para os processos industriais.

L’O: Então você considera suas coleções obras de arte?
FR: Não, existem diferenças fundamentais entre um vestido e um quadro. No entanto, assim como o artista transmite uma emoção ao espectador por meio de suas obras, nós também procuramos criar uma espécie de prazer em vestir o que produzimos. Nós vestimos os movimentos.

Fabricação de um look P-V 2024.

L’O: Você ainda pinta?
FR: As sessões de pintura no departamento de estilo são um pouco o segredo do mago, nosso momento privilegiado que se repete regularmente. Assim que voltamos para a empresa depois da pandemia, passamos duas semanas pintando. Muitos dos meus colegas vêm de outras partes do mundo e viveram a angústia dessa situação longe de seus amigos próximos e de seus familiares, sem contar que nosso trabalho é muito sensorial, então era como se tivessem nos quebrado as pernas. Quando nos reencontramos, dissemos: “Sejamos físicos”, e começamos a pintar todo o nosso salão, que é inteiramente revestido de telas. Pintamos flores, depois outros temas, para chegar a uma linha simples, quase brutal, uma série de linhas, a melhor representação do nosso sentimento de unidade. Foi aí que surgiu a ideia da coleção primavera-verão 2022.

L’O: Vocês já realizaram várias colaborações com artistas na Marni. Houve alguma que impressionou você particularmente ?
FR: Sinto arrepios quando me lembro de tudo o que já fizemos. A emoção de trabalhar com a ceramista venezuelana Magda lena Suarez Frimkess, hoje com 95 anos, permanece muito forte. Até a idade de 84 anos, seu talento permaneceu escondido, ela fazia vasos loucos, pequenas esculturas, azulejos, xícaras em um armazém sem mostrar nada, porque seu marido, um ceramista famoso, filtrava todo o contato com o mundo exterior. Por intermédio de uma amiga em comum, conseguimos entrar em contato, apesar de ela ter quebrado o braço direito pouco tempo antes. Um dia, recebi um livro inteiramente desenhado com a mão esquerda e uma mensagem na qual ela me dizia que havia percebido que podia criar com toda a segurança, mesmo assim. Para mim, foi quase que um presente divino. Com ela, como com todo mundo, a Marni tem uma abordagem incomum.

Collab Marni x Erykah Badu
Vestido criado por Nicki Minaj e levado para o tapete vermelho do Met Gala 2024

L’O: Ou seja...
FR: Nossas colaborações são sinônimo de total liberdade para o artista. Não há um briefing no qual digo o que fazer, escolho três dos seus desenhos e coloco em uma camisa. O princípio é fazermos algo juntos, de maneira que um aprenda com o outro.

L’O: Portanto, você aprendeu coisas?
FR: Muitas e de todo mundo. Tive a oportunidade de ver a Marni do ponto de vista deles. Penso, por exemplo, no músico inglês Dev Hynes. Foi ele quem me ensinou a que ponto o componente sensorial é importante. E, portanto, não há mais playlists para os desfiles de moda, toda a música é composta por nós. Juntos, nós criamos o som da Marni. Penso também em Michele Rizzo, coreógrafa e intérprete. Graças a suas obras emocionantes, eu descobri o erotismo, uma qualidade que faltava na Marni de antigamente. Para o desfile masculino outono-inverno 2020-2021, trouxemos artistas performáticos e dançarinos, por volta de 200 pessoas no palco e eu, sozinho nas coxias, dizendo para mim mesmo: o que estou fazendo aqui sozinho? Foi uma emoção poderosa, uma demonstração de que a sensualidade vem do movimento, não do decote.

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Show O-I 2020 / Show P-V 2025.
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Desfile e cenografia O-I2023-24

L’O: O que você sente que transmitiu?
FR: Liberdade, abertura e, em alguns casos, lucidez. Forneci uma plataforma em que se pode desenvolver a criatividade em um contexto diferente. Lembro que fomos ao Japão com a pintora Flaminia Veronesi e foi emocionante ver as obras que ela havia criado para o desfile de moda primavera-verão 2023 em Nova York expostas na vitrine.

L’O: O que o futuro reserva para a Marni em termos de arte?
FR: Nós lançamos uma série de residências artísticas que serão repetidas várias vezes por ano.

L’O: Como elas funcionam e com quem você já trabalhou?
FR: A ideia é utilizar o espaço da Viale Umbria em Milão, quando não estivermos usando-a. Em setembro passado, Slawn e Soldier, dois artistas nigerianos que eu respeito muito, deveriam vir. Infelizmente o visto deles foi negado e, portanto, decidimos encontrá-los em Londres. Durante 20 dias pintamos juntos, dia e noite, em telas enormes. Foi uma experiência forte e uma grande mudança de cenário para eles.

L’O: E o que você fará com essas obras?
FR: Vocêsaberáembreve.

nstalação pop-up Perseguindo o Pôr do Sol que Nunca Termina, em Suzhou, na China, para a coleção P-V 2023.
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A exposição de Flaminia Veronesi na butique Marni, via Montenapoleone, em Milão. / Papel pintado “Buquê de flores silvestres”, na Casa Marni para London Art

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