Dior: Muito além da lembrança palpável
Regiões contam histórias a cada quilômetro percorrido, entre viagens ou longas estadias. Com a Puglia, ou Apúlia, no bom e velho português, não seria diferente. Aliás, nesse ponto do Hemisfério Norte, tal menu de cultura e arte recebe doses significativas de tempo, em uma jornada lapidada por gerações.
No calcanhar da Itália estão elementos rústicos que brotam por toda a parte, como em seu artesanato típico. Há também muitos rostos sorridentes ali, entre habitantes de povoados, que socializam em pequenos parques ou praias pouco conhecidas. O calor humano abre caminhos para que visitantes queiram se envolver.
Toda essa atmosfera bucólica, e que para muitos não teria uma relação próxima ao luxo ostensivo de outrora, encontrou o coração e a alma da Dior abertos para novas e ricas experiências. A marca francesa está em sua fase mais humanizada, desde a entrada da carismática Maria Grazia Chiuri, diretora criativa.
Trata-se de uma mulher forte à frente de uma maison pautada pela originalidade, que resolve pegar carona em suas lembranças da juventude na Puglia para mostrá-las ao mundo da moda, na coleção Cruise 2021. “Procurei dar aos esforços coletivos uma nova dimensão. Apesar das desvantagens da distância, trazer uma perspectiva diferente para nossas vidas diárias nos deu força e imaginação”, diz Maria Grazia. A apresentação aconteceu em um período em que a Europa começava a se recompor da primeira onda da pandemia do novo coronavírus. Ainda não era muito confortável pensar em um desfile, mas a Dior deu o passo ousado de seguir, minimamente, com um calendário que mirava um futuro mais otimista.
FONTES INESGOTÁVEIS
Um dos gatilhos para que Maria Grazia procurasse percorrer destinos afetivos envolveram os textos de Ernesto De Martino. Neles, o antropólogo explora as tradições da região que influenciaram autores como Germano Celant e Georges Didi-Huberman.
A maison parecia encantada e honrada em poder colaborar, in loco, com os talentosos artesãos e artistas locais. O artista Pietro Ruffo, participando da concepção da coleção, imaginou uma paisagem de verão repleta de campos de trigo. Em looks singelos, vestidos longos, camisetas e shorts de algodão encantaram os olhares.
A cultura através da literatura também enriqueceu o universo da marca. Ruffo, inspirado pelas ilustrações do livro “De Florum Cultura”, publicado pelo jesuíta Giovanni Battista Ferrari, em 1638, idealizou cinco desenhos de flores adornadas com ditados como “Les Parfums sont les Sentiments des Fleurs”, que, em tradução livre, significa “Os Perfumes são os Sentimentos das Flores”.
NAS LINHAS
Entre os materiais usados é possível citar os majestosos tecidos da Fundação Le Constantine, incluindo o icônico paletó Bar. Na parte posterior das saias também se encontra o lema da Fundação: “Amando e Cantando”. Mais italiano que isso, impossível. A instituição visa promover e movimentar a região por meio da preservação de seu patrimônio cultural, principalmente de arte têxtil.
Nos lenços multicoloridos da coleção está a homenagem às “Luminarie”, tradição que exalta linhas arquitetônicas, com a luz de praças e edifícios na Puglia. Elas foram reinterpretadas pela artista Marinella Senatore.
Para fechar em grande estilo, a técnica de bordado tombolo também se fez presente de forma majestosa. “Tombolo lembra-me de onde nasceram algumas das minhas paixões. Minha avó costumava fazer tombolo. Todas as senhoras que conhecia também o faziam, mas ele era considerado um trabalho doméstico. Esse espetáculo ajuda as pessoas a perceberem que se trata de um trabalho artístico. Na Itália, ainda não valorizamos suficientemente os nossos artesãos e eles são uma grande parte da nossa cultura”, diz Maria Grazia.
O passado se fez presente e assim, mesmo que por alguns minutos, a Dior encantou o mundo com técnicas que precisam de almas para saírem do papel. Em um momento tão delicado do planeta, um pouco de arte faz muito bem.
"Matéria publicada originalmente na Revista L'Officiel Brasil #78"