Method Dressing: o que as roupas dizem no tapete vermelho?
Method Dressing se popularizou como uma estratégia de marketing em Hollywood por reconstruir figurinos de personagens em pré-estreias e noites especiais
Boa parte das celebridades que já passaram pelo tapete vermelho já encarnaram os personagens que viveram em seus trabalhos no cinema ou no streaming traduzidos em looks deslumbrantes. Como uma tendência de moda ou estratégia de marketing, o Method Dressing consegue trazer para o red carpet um pouco do que o público irá conferir em produções recém-lançadas em Hollywood.
Com o fim de mais uma temporada de premiações da indústria cinematográfica – tradicionalmente iniciada com o Globo de Ouro em janeiro e finalizando com o Oscar em março, além de outras premières e noites especiais –, investigamos como as roupas dos famosos refletem os desejos do mundo contemporâneo. Confira!
Moda e comunicação
Sob os olhares atentos do mundo, os tapetes vermelhos são capazes de projetar talentos, marcar carreiras e tornar nomes conhecidos. Em noites de luxo e glamour, a moda acompanha artistas e profissionais nesta atmosfera com sua infinidade de cores, texturas, formas e estilos que se multiplicam com o tempo.
A indústria do cinema – liderada pela agitação das festas e das premières em Hollywood - se vale desses momentos para traduzir o espírito do tempo. Neste contexto, o Method Dressing se tornou uma tendência e – astuciosamente – uma estratégia de marketing poderosa para aqueles que o adotam. O termo tem origem no método de atuação criado pelo diretor, ator e escritor russo Constantin Stanislavski nos anos década de 1930. A técnica propõe a encarnação do personagem, dentro e, principalmente, fora do contexto de atuação dramática. Nesta perspectiva, é possível viver na pele de uma personalidade fictícia a todo o momento. Um deles é o tapete vermelho.
Para a consultora de imagem e personal stylist Patrícia Sá, os red carpets são importantes na construção da imagem de um artista e a escolha de peças e acessórios entram nessa composição. “O tapete vermelho atrai grande atenção da mídia e do público, proporcionando enorme visibilidade aos atores e, consequentemente, aos looks que escolhem. Cada detalhe é importante: o estilista responsável, se a peça pertence a uma coleção recente ou antiga, se foi feita sob medida e nunca desfilada nas passarelas, além de como ela valoriza a silhueta do ator, sua modelagem e as cores escolhidas”, explicou a especialista sobre os elementos que compõem a imagem de moda.
Aplicando a técnica do Method Dressing, a atmosfera do personagem é trazida para o tapete vermelho. Mais uma vez, o cinema se vale da moda para criar universos que impactam o público. Investigando a fundo essa relação, Brunno Almeida Maia, pesquisador em Teoria da Moda pela Universidade de São Paulo (USP), acredita que o tapete vermelho possui duas funções que se relacionam à moda e ao cinema. Segundo ele, “para a produção de um filme, ele [o tapete vermelho] acaba como um suporte, um meio de comunicação daquela produção. Então, toda a construção imagética, que diz respeito à direção de arte, é uma narrativa visual que passa pelo tapete vermelho”, explicou o pesquisador.
Outra função do momento cobiçado por Hollywood se refere à construção de um imaginário. “O tapete vermelho passou por uma outra função que diz respeito, sobretudo, à moda. É um momento em que muitos criadores de moda, maisons, marcas de pret-a-porter de luxo, estilistas e também o trabalho dos personal stylists acabam se difundindo, fazendo esse trânsito entre ficção e realidade. [O red carpet] serve como veículo de comunicação para a narrativa visual do filme, mas, ao mesmo tempo, acaba por comunicar tendências, modos de vestir ou narrativas vinculadas à moda cada vez mais”, complementou o especialista sobre a relação entre moda e cinema no mundo contemporâneo.
Brilho Estratégico
Nesta última temporada, não foi difícil reconhecer os momentos que se destacaram quando artistas se dispuseram a incorporar o Method Dressing em suas passagens pelo tapete vermelho. Em se tratando de atmosfera lúdica, a atriz Ariana Grande investiu em produções que remetessem à personagem Glinda, de Wicked (2024). O filme, dirigido pelo cineasta, produtor e roteirista estadunidense Jon M. Chu que adaptou o musical de sucesso na Broadway, trouxe a narrativa da Terra de Oz pela perspectiva das bruxas Glinda, vivida pela atriz e cantora americana, e Elphaba, encarnada por Cynthia Erivo em performance musical memorável no longa-metragem.
Produções em tons de rosa claro e joias minimalistas conseguiram reconstruir a delicadeza e a afabilidade da personagem Glinda no enredo. Em vários momentos, os looks de Ariana Grande foram ovacionados nas redes sociais. O público reconheceu a personagem que, no tapete vermelho, estava vestida de marcas consagradas das semanas de moda mais badaladas do mundo, como Schiaparelli, Vivienne Westwood, Louis Vuitton, Thom Brown e outras.
Na mesma produção, a atriz Cynthia Erivo encarnou Elphaba a partir da dualidade das cores – preto, verde e suas variações imperaram no tapete vermelho. Não faltaram produções dramáticas, volumosas e cheias de personalidade que exaltaram o protagonismo da personagem que fez inúmeras referências aos tons esverdeados que aparecem na versão clássica da história.
Os acessórios também fizeram parte dos looks e foram destaque, incluindo unhas estilizadas – dignas do trabalho de uma nail artist - que rapidamente viralizaram nas redes sociais. A atriz brilhou nos tapetes vermelhos de Wicked (2024) vestida com marcas tradicionais do circuito fashion, como Louis Vuitton e Givenchy.
O cinema se alia à moda na expansão de seu universo ficcional e ideologicamente concebido. Neste conceito, Brunno Almeida Maia também esclarece que essa relação não ocorre apenas nos dias de hoje. “A relação entre moda e cinema - por mais que tenha iniciado nos anos 20 com a primeira fase do cinema clássico, se intensificou, sobretudo, a partir dos anos 40 para os 50. Foi quando Hollywood se torna a vanguarda na indústria cultural cinematográfica. Nesse tempo, há figurinistas importantes que trabalharam com diretores que se destacaram pela presença da moda em seus filmes, como Billy Wilder, que talvez seja uma das figuras mais proeminentes nesse sentido”, explicou o pesquisador.
A relação também é marcada por nomes conhecidos da cena fashion. “Podemos destacar estilistas e costureiros que começaram a assinar figurinos desde os anos 40 até os 90, passando por Coco Chanel, Elsa Schiaparelli e, mais recentemente, Jean Paul Gaultier. Eles levam a estética de moda, que é uma linguagem contemporânea, para o cinema”, completou o especialista. Não por acaso, a categoria Melhor Figurino é uma das estatuetas mais cobiçadas no Oscar. Neste ano, o stylist e figurinista Paul Tazewell foi o vencedor na categoria por Wicked (2024). Ele se tornou o primeiro homem negro a levar o prêmio na história do cinema.
Astros acessíveis
Um dos motivos pelos quais o Method Dressing é usado se dá pela forma de conexão e proximidade com o público. Segundo a consultora de imagem e estilo Patrícia Sá, isso acontece pela intenção com a qual a roupa é utilizada. “Essa continuidade ajuda a expandir o universo do filme, despertando a curiosidade de quem ainda não assistiu e oferecendo aos espectadores uma experiência mais imersiva que vai além do que foi apresentado na produção cinematográfica”, explicou ela. Em se tratando de aproximação, os homens também levam a sério ao incorporarem a estratégia no tapete vermelho.
Na pré-estreia de Um completo Desconhecido (A Complete Unknow, 2025), cinebiografia do músico Bob Dylan, Timothée Chalamet, que interpreta o ícone da música na produção, fez uma homenagem ao cantor por meio de uma produção inusitada que repercutiu entre os fãs.
Para a noite especial em Nova York, os acessórios do jovem ator foram os protagonistas. Chalamet apareceu com cabelo loiro, franja, touca e luva pretas. Na ocasião, logo que surgiu no tapete vermelho, fãs e seguidores o associaram ao look que Bob Dylan usou em sua aparição no Sundance Film Festival em 2003. Com uma paleta de cores escuras, aliada ao xadrez da camisa, Chalamet não deixou de usar o cachecol para reverenciar o ídolo que viveu no cinema.
Em se tratando de conexão, o pesquisador Brunno Almeida Maia faz um retrospecto para explicar como é o processo de identificação do público com o artista e a personagem. Segundo ele, a partir dos anos 2000, com a massificação das redes sociais, as barreiras entre ídolos e fãs têm diminuído. “Com a proximidade que tenho com o cantor, a atriz ou o músico, eu tenho a possibilidade de que essas estrelas desceram à Terra”, afirmou ele. Bruno ainda foi mais a fundo quando explica como a roupa faz essa conexão. “Quando um filme – na verdade, é uma decisão que parte da direção, da produção, da estratégia de marketing – decide se comunicar não mais somente pelo ator, mas pela personagem vestida naquele filme, é uma forma de contar a historia. A narrativa continua no tapete vermelho como uma espécie de prolongamento da história. Então, há uma forma de contar a historia por meio das vestimentas. Há, também, uma forma de aproximação com o público, pois, uma vez que conhecemos e acessamos pelo filme todo o seu imaginário, emoções, sentimentos, ideologias e paixões”, explicou o especialista.
Neste contexto, a forma de comunicação – mediada por uma imagem e construída pela roupa – ganha destaque na promoção do filme nos tapetes vermelhos. “Quando vemos aquele ator ou atriz usando aquele figurino, é uma forma de acessarmos imediatamente aquela mensagem, ou melhor, aquele significado porque nós já passamos pela mediação do que o filme nos contou em termos de emoção, sentimentos e imaginário. Há uma via direta, uma forma de comunicação imediata pela via dos sentimentos, da emoção, da paixão daquela personagem”, explicou ele sobre o processo identificação com a personagem.
Nesta última temporada, o ator Jonathan Bailey também foi um dos artistas que incorporou o Method Dressing em suas aparições públicas. Ele viveu na pele de Fiero, jovem galã com quem as protagonistas de Wicked (2024) se relacionam no filme. Para o tapete vermelho, o ator fez várias referências não apenas ao seu personagem, mas também a outros elementos do universo de Oz.
Em uma das premières em Los Angeles, o ator usou peças que remetiam ao personagem Homem de Lata. Vestido pela stylist Emma Jade Morrison, o ator usou uma camisa prateada da marca Versace, calças brancas e sapato vermelho, em uma clara referência aos sapatos vermelhos de Dorothy, protagonista de O Mágico de Oz que deu origem ao filme recém-lançado.
Para pré-estreia em Sydney, na Austrália, Jonathan Bailey usou um traje exclusivo Dolce & Gabanna nas cores amarelo e branco. Ele fez uma homenagem ao personagem Espantalho da clássica história norte-americana em que o filme se baseou.
Figurino, fantasia e realidade
Nos últimos tempos, a première de Branca de Neve (2024), live-action dos estúdios Disney estrelado por Rachel Zegler e Gal Gadot, também trouxe produções interessantes que aplicam o Method Dreesing. De forma menos literal, as atrizes protagonistas se valeram de seus universos para basear suas produções na noite especial.
De acordo com Patícia Sá, consultora de imagem e estilo, o Method Dreesing também pode inspirar outras produções menos literais nesse universo lúdico. “Uma das formas mais simples de adaptação ocorre por meio das cores, mas também pode ser vista em determinados tipos de tecidos, decotes ou detalhes como flores, laços e babados utilizados nos looks dos atores”, disse a especialista. Isso é o que observamos nas produções de Rachel Zegler, que vive Branca de Neve, e Gal Gadot que dá vida à Rainha Má no live-action dos Estúdios Disney.
Na noite especial em Los Angeles, no Teatro El Capitan, Zegler usou um vestido rosa blush sem alças da marca francesa Christian Dior com apliques de borboletas e saia volumosa. Vestida pela stylist Sarah Slutsky Tooley, o look ainda foi arrematado por um par de brincos e colar Chopard de diamantes.
Gal Gadot também foi uma das estrelas da noite. A marca Chloé assinou o vestido de renda preta transparente que delineou o corpo longilíneo da atriz com alças finas. Com saia até os pés, o volume criado pelo tecido em babados acrescentou uma boa dose de drama à produção.
Entre tantas variações, os looks do tapete vermelho são – para além de um termômetro das tendências – uma ferramenta de comunicação capaz de impactar o público. Com exatidão, o pesquisador de moda Brunno Almeida Maia declara o que as roupas podem nos dizer inseridas na indústria cultural da sétima arte. “Conseguir construir uma narrativa visual imediata, acessível a todos e que proponha não apenas um modo de vestir – haja vista que a moda, há muito tempo, se tornou um modo de vida – e que faça essa não separação entre a ficção e a realidade, a arte e a vida, a narrativa e o cotidiano”, afirmou ele sobre os caminhos que articulam moda, cinema e comunicação no mundo contemporâneo.