Stephane Rolland em entrevista à L’Officiel Brasil
Designer de moda francês fala de suas inspirações, a paixão pelo Brasil, o desejo de ver Maria Bethânia com suas criações e no que acredita para o futuro da moda
Há algum tempo, o trabalho de criativos de moda se restringiam ao cotidiano de seus ateliês e suas próprias inspirações. Quebrando esse protocolo, Stephane Rolland parece estar atento não apenas aos seus bastidores, mas também aos estímulos que surgem a todo o momento.
Desenhando croquis desde a infância, o designer possui uma carreira meteórica no universo da moda. Depois de ter contato e seguido os conselhos de Pierre Bergé, figura lendária da moda parisiense, Stephane conseguiu uma entrevista na marca Balenciaga e se tornou, aos 21 anos, o mais jovem diretor criativo de Paris. Três anos depois, lançou sua própria linha e uma licença exclusiva de uniformes de luxo com a marca de Pierre Balmain. Com 30 anos, tornou-se costureiro oficial ao assinar coleções de alta-costura e ready to wear para a marca Jean Louis Scherrer, em Paris, por 10 anos. Stephane também foi parceiro oficial do Festival de Cinema de Cannes por 5 anos consecutivos. Há 16 anos, abriu sua marca apoiada pela Federação de Alta-costura e pelo Ministério da Indústria em Paris.
Em entrevista à L’Officiel Brasil, o designer francês contou alguns detalhes de seus bastidores criativos, suas principais influências, o encanto pela brasilidade e a vontade ver a cantora Maria Bethânia com uma de suas criações. Confira!
Em que momento da vida você descobriu o seu talento para a moda?
Fiz meu primeiro esboço quando tinha 4 anos de idade. Era um vestido. Acredito que estava destinado a esta profissão de forma inconsciente. Como minha família é formada por artistas, certamente isso me influenciou geneticamente! Eu quis entrar neste mundo de uma forma muito rápida. Eu me lembro da minha chegada a Paris, entrando na École de la Chambre Syndicale [instituição privada de Ensino Superior nas profissões criativas fundada em 1927]. Senti como se, pela primeira vez, estivesse respirando de verdade e me encontrei no meu universo com pessoas que entendiam o que eu sentia. Minha vida mudou naquele momento.
Você foi o diretor criativo mais jovem de Paris ao assumir a centenária Balenciaga. Na época, como foi para um designer de uma nova geração dirigir uma marca tão tradicional?
Eu estava obcecado com a ideia de ingressar em uma marca com um passado tão mítico, mas o meu objetivo era me juntar a Yves Saint Laurent. Pierre Bergé decidiu o contrário. Seguindo seu conselho, entrei na Balenciaga e descobrir todo o arquivo de Cristóbal Balenciaga foi mágico e extremamente educativo. Posso ter sido imprudente, mas não fiquei tão impressionado com a ideia de entrar em uma marca tão grande porque estava psicologicamente preparado para isso. Esse era o meu objetivo. Acima de tudo, tinha a obsessão de fazer o melhor trabalho, de aprender e de fazer com que as pessoas ficassem satisfeitas com o que eu fazia. Na época, queria assumir responsabilidades rapidamente. A chance que tive na Balenciaga foi ter uma gestão que me ouviu e me confiou responsabilidades. Como a casa estava em plena reestruturação na época, posso ter tido mais oportunidades do que um jovem que entra hoje em uma marca de grande porte.
Em se tratando de alta-costura, é possível haver inovação na tradição?
Eu diria que é fundamental inovar se respeitarmos as tradições. Se não houver inovação, não há progresso, e se não houver progresso, algo se torna desinteressante. Acho que o objetivo da vida é avançar, criar e respirar o espírito da época. Adivinhar como será o futuro faz com que a moda esteja quase um passo à frente do seu tempo. Acredito que a alta-costura também é isso: nunca esquecer o passado para construir o futuro.
Sua trajetória foi marcada pelo contato com Pierre Bergé, cofundador de uma das maiores maisons do mundo, a Yves Saint Laurent, hoje, Saint Laurent. Qual é o legado do empresário para o seu olhar criativo?
Acredito que não há nenhum legado na minha criatividade em relação a Yves Saint Laurent. Acho que todos nós temos influências. Os meus são de Oscar Niemeyer, trabalhando com pintores como Palazuelo e muitos outros; eles vêm da música e do cinema. Cada artista é como uma esponja, e a criatividade é um músculo que devemos sempre trabalhar para mantê-lo fértil. É verdade que Pierre Bergé, ao me encaminhar para a Balenciaga, inevitavelmente orientou minha vida e influenciou minha carreira. Talvez eu não tivesse ingressado na marca se não o tivesse conhecido naquela época.
Sua assinatura é conhecida pelas estruturas e o trabalho meticuloso com volumes e recortes de suas criações. Qual a relação entre a moda e a arquitetura no seu trabalho?
A arquitetura dá base, força e uma certa dinâmica que traz um aspecto talvez mais artístico e ousado à moda que é algo geral e genérico. Arquitetura e arte trazem audácia. Para dar força a uma peça é preciso sempre buscar volume e movimento. A arte cinética ajuda muito no movimento. A arquitetura dará a estrutura e o encanto necessários.
Neste ano, você concebeu uma coleção em homenagem à brasilidade, especialmente por se inspirar na simbologia do país, como na arquitetura de Oscar Niemeyer e o manto de Nossa Senhora. Em se tratando de moda, o que mais representa o Brasil?
Espontaneamente, quero dizer que é o seu povo quem representa o Brasil. São as diferentes misturas que fazem a força e a identidade deste país. As igrejas da Bahia, a arquitetura de Niemeyer são importantes. A cultura das florestas amazônicas também. O passado e o presente, o religioso e o pagão se misturam. A arte está presente em todos os lugares. Especialmente no Brasil, o que adoro é que a população é naturalmente mais sensível à arte (como vemos, por exemplo, nas calçadas do Rio de Janeiro) do que em outros países. A arte expressada no Brasil me chama a atenção porque sempre esteve à frente de seu tempo. Quando vemos arte nas calçadas do Rio, parece que estamos nos anos 70, quando já é bem mais antigo! E, no entanto, parece tão moderno ao mesmo tempo.
Das famosas que você já vestiu, qual brasileira você ainda deseja ver com uma criação sua?
Obviamente, a primeira que me vem à cabeça - por ser uma artista extraordinária - é Maria Bethânia. Ela tem o que chamamos de “rosto marcante”, um semblante extremamente interessante. Eu amo seus cabelos brancos caindo em cascata sobre os ombros. Adoro a forma como ela se move e como se expressa no palco. Esse lado quase tribal, sexy e generoso. Ela tem uma elegância natural e um fervor que enche de energia. Essa mulher é uma verdadeira inspiração por si só.
Como você vê a moda brasileira hoje?
A moda brasileira não é conhecida internacionalmente. Também é escolha do brasileiro se expressar em outro lugar ou não! O que eu amo é que, quando chego no Brasil, sinto que estou em um mundo novo porque todas as lojas que vejo ao meu redor não encontro em nenhum outro lugar! É isso que dá essa identidade e força. Certamente existem muitos talentos brasileiros, mas são pouco conhecidos. Pode ser interessante que um dia uma ou duas marcas brasileiras sejam convidadas para a Paris Fashion Week! A São Paulo Fashion Week está cada vez mais conhecida, e a imprensa internacional está cada vez mais interessada. Acho isso maravilhoso para os artistas!
No que você acredita para o futuro da moda?
A moda corresponde ao espírito do tempo, à atualidade e à economia global. Não consigo visualizar o futuro porque ele continua a nos surpreender. O que aconteceu com a pandemia é um exemplo: ninguém poderia esperar isso, exceto nos filmes de ficção científica... e aconteceu mesmo assim! É muito difícil dar uma resposta confiável quando não sabemos do que é feito o amanhã. Infelizmente, sempre haverá guerras. Tudo está ligado a uma situação social e econômica. É o único aspecto que dará o tom da moda de amanhã. Estamos voltados para uma evolução. Só caminharemos para uma boa evolução se os estilistas e ateliês de amanhã tiverem formação suficiente para produzir com qualidade. Hoje, talvez precisemos pensar num modo diferente de consumo. Não é tanto a moda em si, mas a maneira como vivemos. Talvez seja aí que o futuro da moda irá evoluir. Precisamos consumir menos, mas de melhor qualidade e, assim, preservaremos muitas coisas.