Zuzu Angel faria 100 anos
A importância de Zuleika de Souza Netto ou, simplesmente, Zuzu Angel é inegável na história da moda brasileira. É dela o mérito de transformar temas locais em inspiração para suas coleções e, mais ainda, entender o poder político da roupa, da roupa como veículo para transmitir mensagens. Mãe desesperada pelo desaparecimento do filho Stuart, militante da organização de luta armada Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), ela acrescentou à coleção mais famosa, Holiday & Resort, os icônicos bordados de fuzis, tanques, pássaros engaiolados e anjos, armada de agulha e linha.
O desfile aconteceu em setembro de 1971, em Nova York, sob o olhar atento do Centro de Informações do Exército (CIE). Se, no Brasil, a repercussão foi o do sucesso de seus babados, no cenário internacional, jornais entenderam o recado e repercutiram seu protesto. Ela faria 100 anos no dia 5 deste mês. Sua história já virou livro, Eu, Zuzu Angel, Procuro Meu Filho, e filme com Patricia Pilar no papel principal. A jornalista Virginia Siqueira Starling prepara, agora, uma nova biografia, Quem É Essa Mulher?, pela editora Todavia.
Nascida em Curvelo, Minas Gerais, em 1921, ela começou costurando para a família. Foi no final dos anos 1940, quando se mudou para para o Rio de Janeiro, que abriu o primeiro ateliê, em casa. A então primeira-dama Sarah Kubitschek, amiga de uma tia, abriu as portas para a sociedade carioca e, em pouco tempo, suas criações ganharam destaque. Referências à natureza, Lampião e Maria Bonita e muitos outros aspectos da cultura nacional criaram os contornos de uma marca com identidade, em uma época em que bom gosto significava somente looks originais ou reproduções de lançamentos europeus.
Além da modelagem urbana, a preocupação com a funcionalidade a levou ao tecido Polybel, uma mistura de algodão e poliéster que garantia leveza e conforto. Pioneira, também foi a primeira estilista daqui a exportar para os Estados Unidos. Em 1970, a coleção Fashion and Freedom ocupou todas as vitrines da Bergdorf Goodman, na 5ª Avenida, em Nova York, e chegou a vender suas lingeries na loja Henri Bendel.
Ela gostava de dizer que estava sempre iniciando, literalmente; adorava vestir mulheres independentes, acreditava que o indivíduo deve escolher o que vestir e acompanhava com interesse os avanços do movimento feminista e os contornos políticos do país. Divorciada depois de 17 anos de casamento, criou sem pensão os três filhos. Com o desaparecimento de Stuart e a constatação de que ele teria sido torturado e morto, iniciou uma cruzada pelo direito de enterrá-lo. De pressionar personalidades a tentativas para acionar generais e o presidente Ernesto Geisel, tentou de tudo.
Em artigo para o jornal Folha de São Paulo, Virginia Siqueira Starling conta que semanas antes de sua morte, a estilista encontrou o ex-presidente Juscelino Kubitschek na boate carioca Regine’s e o acusou de pamonha, covarde e acomodado por fechar os olhos para as violências da ditadura. Suas ações geraram ameaças e ela sabia que era vigiada. Em homenagem, Chico Buarque e Miltinho compuseram Angélica, em 1977. Hildegard Angel, filha de Zuzu, criou em 1993 o Instituto Zuzu Angel (IZA), entidade sem fins lucrativos que promove eventos e ações voltados para a formação em moda – o site reúne um rico material.
Há 45 anos, Zuzu sofreu um acidente fatal na Estrada da Gávea, no Rio de Janeiro. Informações apontam que o carro teria derrapado e se chocado contra uma mureta. Uma semana antes, ela deixou uma carta para Chico Buarque com a seguinte mensagem: "Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho." Em 1998 após uma nova perícia, solicitada pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, o acidente intencional foi confirmado. Zuzu se foi, a garra e o talento ficaram.