Pop culture

Duda Beat: as muitas camadas de uma só mulher

A cantora e compositora Duda Beat mergulha em novos ritmos – e novas percepções de si – para seu novo álbum, Tara e Tal, e, em uma entrevista exclusiva, fala sobre suas referências. Veja todos os detalhes!

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Duda Beat diz que não é do tipo que olha para trás frequentemente, mas, sim, prefere mirar seu olhar para a frente, de maneira decisiva e perspicaz, sempre. Desde que apareceu nos holofotes da indústria musical, a pernambucana não apenas conquistou milhões de fãs país afora como manteve-se firme como uma figura seguida pelos olhares de jovens meninas, meninos, menines e além. Da mesma forma que parece manter-se firme como uma figura unânime em seu carisma e profissionalismo, a cantora conversa com a L’OFFICIEL sobre seu novo disco – prestes a sair em turnê pelo Brasil adentro – e suas novas (e velhas!) camadas, sempre expostas ao público em tudo aquilo que compõe e canta.

L’OFFICIEL: Eu acho que concordamos que, para um verdadeiro artista, sua trajetória deve ser marcada por uma espécie de gradativa evolução na forma como ele é capaz de apresentar-se mais vulnerável, mais verdadeiro, mais cru mesmo, diante de seu público, conforme o tempo passa. Você sente isso valer para você, até aqui?
DUDA BEAT: Eu acho que a grande marca do meu trabalho, além da originalidade, é a vulnerabilidade. Eu senti isso muito nesse terceiro álbum. Pois apesar da roupagem das canções ser mais animada e elas penderem mais para o house e outros ritmos animados da noite, o fio condutor é a vulnerabilidade. Isso me aproxima do meu público, faz com que ele se identifique também. Somos todos seres humanos! Eu sinto que a vulnerabilidade é a minha força e a minha fraqueza. Cada trabalho meu é mais uma camada que os meus fãs conseguem perceber que eu tenho também. E isso se dá em uma conversa muito franca, muito horizontal.



L’O: O motivo pelo qual fiz esta primeira pergunta é porque realmente acredito que a sonoridade do novo álbum, Tara e Tal, deixa logo de início bem clara essa identidade sedimentada – camada sobre camada – que você veio construindo até aqui, tanto do ponto de vista da sonoridade quanto de sua performance. Como você enxerga este arco narrativo, performático, em sua carreira?
DB: Vejo esse arco narrativo como algo da maior importância. Cada álbum meu é uma camada minha, é como uma cebola (risos). Eu acho que os meus fãs, cada vez que tiram uma camada, descobrem outra coisa que tem ali dentro. E nós todos somos muitas coisas ao mesmo tempo, não é? Nós somos românticos, sensuais, sexuais, vulneráveis, tristes, felizes... Eu sinto que, de fato, esse é o legado que quero deixar no mundo, ver que minhas músicas envelheceram bem. Envelheceram bem no sentido de que as pessoas seguirão se identificando com aquilo que estou falando. Aquilo irá despertar nelas outras coisas. E a arte é sobre isso, é sobre comover, sobre mudar o dia de alguém, ser uma “melhor amiga” do outro, em determinada situação.


L’O: Cada vez mais torna-se senso comum de que uma mulher não é apenas uma, mas, evidentemente, muitas. Quantas Duda Beat você acha que já coabitam, existem, dentro de você?
DB: São muitas Duda Beat que coabitam dentro de mim, com certeza. A Duda Beat ingênua, sigo sendo uma pessoa muito ingênua... A Duda Beat “melhor amiga”, essa personagem sempre está dentro de mim muito latente. A Duda Beat irmã, filha, mulher, se descobrindo a cada dia que passa, cada vez mais. São mesmo muitas Duda Beat! (risos). A desiludida, a romântica, a sensual, a dramática, a sexual. São tantas... Por isso em cada trabalho tento mostrar um pouco de cada uma dessas que vivem dentro de mim.

Foto: Divulgação

L’O: Elas vivem de maneira mais conflituosa ou mais serena entre si? Ou os dois, claro..., mas pesa ainda mais para qual lado, nesse momento da sua vida?
DB: Na hora do fazer artístico eu diria que essas distintas personalidades convivem de maneira conflituosa. É algo meio geminiano... Algo como tentar se alegrar mesmo na tristeza, entende? Sou sempre essa pessoa que se esforça para as coisas melhorarem... Eu diria que elas vivem de maneira serena entre si, mas ao mesmo tempo conflituosa, as duas coisas. Nesse momento eu diria que as coisas estão mais serenas. Sou uma mulher, tenho 36 anos, estou conseguindo entender muito que eu sou tudo isso ao mesmo tempo. Hoje entendo que ser uma coisa não exclui a outra – é tudo eu! Mas acho que quando eu vou compor essas personalidades estão, majoritariamente, em conflito, de modo a refletir sobre as coisas, pensar, de estar sempre a fim de me empoderar, me colocar para cima. No fim das contas, sou alguém que ri muito de si mesma, acho muito importante não nos levarmos tão a sério, também...


L’O: Você faz parte de uma geração que cresceu sendo bombardeada por ideias de beleza unívocos, vindas dos filmes hollywoodianos e de tantas outras fontes irreais de uma ideia asséptica e de mão única daquilo que é belo que, por sorte, hoje já caiu por terra. Você lembra momentos em que você foi se sentindo mais bonita ou mesmo se entendendo fora daquele padrão desprezível para enxergar sua verdadeira beleza?
DB: Eu acho que fui me sentindo mais bonita nos momentos em que tomei o protagonismo da minha vida para mim. Quando decidi parar de viver para o outro e comecei a viver para mim, eu passei a me sentir mais bonita, cada dia mais. Eu acho que a beleza é realmente de dentro para fora, ela é muito mental, nesse sentido. Uma afirmação, uma segurança, daquilo que a gente é. Eu realmente cresci vendo uma “beleza padrão”, mas graças a Deus e a todos os movimentos feministas, inclusive, isso caiu por terra. Cada vez mais a pessoa tem que se aceitar do jeito que é, se amar, aceitar cada pedacinho da nossa casa, que é o nosso corpo. A terapia ajuda muito também, diga-se.



L’O: No entanto, há uma inegável – e deliciosa, acredito – vaidade sua que resvala em suas criações no campo da moda. Você já se aventurou lançando alguns produtos nessa esfera. Você acha que isso ajuda a alimentar a persona que o seu público consome – e idolatra, adora – ou, quem sabe, uma vez exagerado o investimento que você põe nesse lado da sua carreira.
DB: Eu acho que a moda é uma outra forma de expressão – assim como é a música. A moda para mim é muito importante pois ela é mais uma camada para que o meu público entenda o que eu estou dizendo nas canções. Eu costumo dizer que a canção é o grande sol que alimenta a todos nós, mas a forma como eu vou me vestir, a forma como o balé vai dançar, tudo isso complementa a canção. Tudo isso junto mostra às pessoas quem eu sou de fato, ajuda a alimentar a minha persona.


L’O: Em uma entrevista recente vi você afirmar que a aparição de certos ritmos no novo álbum, como o reaggeaton, o house, o drum n’ bass, podem parecer de certo modo novos em sua sonoridade atual, mas, na verdade, pertencem a memórias já um tanto antigas suas, da sua adolescência, certo?
DB: Eu me lembro de uma época muito gostosa que vivi no Recife, em Pernambuco, em que havia tendas eletrônicas nas praias, eu ia com as minhas amigas no fim de tarde, e estava tocando drum n’ bass, DJ Patiffe, DJ Marky, tudo isso... Foi uma época muito feliz da minha vida, estava me descobrindo mulher no início dos anos 2000. Estava crescendo, me entendendo ali. Então eu quis trazer esses ritmos todos para essa etapa do meu trabalho, pois fizeram parte da minha vida. Inclusive o rock, que tem no meio do disco. Eu ia para as tendas de música eletrônica e chegava em casa e meu pai estava ouvindo rock (risos). Acabou que eu quis retratar esse momento feliz, um momento próximo do mar, ouvindo música boa com as minhas amigas... Eu quis trazer mais essa camada da Duda Beat para que as pessoas me conheçam e me entendam melhor.

L’O: Você trocaria alguma Duda Beat das últimas décadas (a da década de 1990, a dos 2000, 2010...) pela atual? Eu não diria que haja algo de melancólico na sua música, mas, talvez, exista uma nostalgia doce, uma lembrança boa daquilo que já foi. Você é do tipo que olha para trás para seguir para a frente ou mira adiante without looking back?
DB: Eu sou uma pessoa que olho para trás e prossigo em frente. Essa nostalgia doce que é tão gostosa de sentir. Tem também algo de melancólico por conta das questões mal resolvidas que ficam ao longo do caminho. Mas é tudo tão verdadeiro, tão honesto, o que estou falando... São lembranças boas. Sinceramente, eu não trocaria nenhuma Duda Beat das últimas décadas pela Duda Beat que eu sou hoje. Sou o resultado de quem eu fui em todas essas últimas décadas. É muito importante eu ter vivido tudo isso. Eu olho para trás e muitas vezes preciso revisitar meus traumas, minhas delícias, tudo o que eu vivi e que me permite escrever. E faço isso para dividir com as pessoas, é muito importante.


L’O: Nesse sentido, como você se relaciona com esse legado das cantoras brasileiras que é, definitivamente, algo tão forte em nossa cultura? A morte de figuras como Elza Soares, Rita Lee e Gal Costa mexeram bastante com você? Há alguma figura histórica com a qual você se identifique mais?
DB: Isso mexe bastante comigo. Eu tento muito entender como essas cantoras maravilhosas que você citou compuseram e cantaram sobre seus dilemas – sempre me identificando com elas, é claro. É algo muito forte em nossa cultura mesmo, o legado que essas cantoras deixaram. Elas são muito importantes para mim. Eu era muito fã dessas três que você cita e de tantas outras que já se foram. São mulheres que abriram caminho para mim e para outras cantoras de outras gerações. Eu me identifico com todas essas, mas diria que, especialmente, a Rita Lee não teve medo de ser totalmente ela. Ela foi ela mesma do início ao fim, se impondo, feminista, incrível, empoderada... Eu me identifico demais com ela. A Rita Lee tinha uma rebeldia contra o sistema e uma avidez pela vida que sempre me encantou muito.

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