Marcella Rica: “Viver se escondendo causa muito sofrimento”
Marcella Rica abre o coração para falar sobre o mês do orgulho LGBT+, sexualidade, relacionamento, novos projetos e muito mais
Marcella Rica começou a atuar com apenas 11 anos, e em meio à sua ascensão artística, a atriz e diretora também iniciou sua jornada rumo à autodescoberta. Aos 16, ela começou a entender os seus sentimentos e aos poucos, passou a entender que viver como o seu coração mandava era mais difícil do que imaginava: “Precisei sustentar uma vivência heterossexual publicamente por medo”, contou a atriz ao relembrar seus principais desafios como mulher homossexual. Em entrevista para a L’Officiel Brasil, Marcela celebra o mês do orgulho LGBT+, que aconteceu em junho, e aproveita para abrir o coração sobre seu processo de autodescoberta, carreira de atriz, projetos como diretora, relacionamento com sua ex-noiva Vitoria Strada e muito mais:
Quando você começou a atuar, já havia se descoberto homossexual? Como foi para você, ocupar espaços na mídia, e ainda assim, precisar lidar com o preconceito enraizado no povo brasileiro, e às vezes, até no ambiente de trabalho?
Comecei a atuar com 11 anos e a primeira vez que me vi gostando de uma mulher tinha 16, foi algo que fui entendendo já vivenciando a carreira de atriz. Acho que em alguns momentos pra mim, pior do que lidar com o preconceito em ambientes, foram momentos que eu precisei sustentar uma vivência heterossexual publicamente por medo. Viver se escondendo causa muito sofrimento e é também vivenciar o preconceito.
O que te fez perceber que gostava de mulheres? Foi uma descoberta leve e natural, ou você não sabia lidar com esse sentimento? Sua família te apoiou na época?
Eu fui criada por mulheres muito à frente de seus tempos. A minha mãe sempre foi uma mulher corajosa, destemida, transgressora… Acho que isso me incentivou a ser uma criança, uma adolescente e uma jovem um tanto quanto questionadora, curiosa, que sempre buscou novas descobertas e experiências sem muitas amarras e sem se conformar muito com perguntas sem respostas ou permanecer dentro de caixas. Hoje, quando olho pra trás, vejo que nutri amores românticos por amigas na infância, mas que jamais entendia que poderia ser isso na época, eram apenas amizades muito intensas, até porque não havia um despertar de desejo sexual.
Acho que a partir dos 16 anos, só que fui começando a questionar isso mesmo, ter curiosidade, entender meus sentimentos, comparar com outras vivências que tinha tido com homens e ir me pesquisando.
Eu só dividi isso com a minha família com 19 anos. Foi uma fase difícil, meu pai lidou com muita naturalidade, a gente só não falava muito do assunto na época. Minha mãe tinha muito medo do que eu teria que enfrentar, medo pela minha profissão e pela minha vida. E quando estamos falando de amor, qualquer sensação de decepção, mesmo que por via da preocupação com a nossa vida, machuca e enfatiza uma sensação de estarmos sentindo algo errado, que o mundo já enfatiza por si só.
Mas ela nunca soltou a minha mão, sempre tive sorte de ter uma família que me acolhe, apoia e que sempre deu suporte e muito carinho - não só para os meus amores, como pra muitos amigos meus LGBTQIAPN+ que não tinham esse acolhimento ou liberdade pra falar sobre seus amores em casa. Minha mãe, de tão conselheira amorosa, acabou ganhando muitos filhos adotivos no meio do caminho rs. Ela milita, é minha maior incentivadora em todas as áreas de vida, mas ainda teme pela minha segurança, como quase todas as famílias.
Além de atriz, você também está brilhando como diretora! Como surgiu esse seu amor por estar atrás das câmeras?
Acho que desde criança no Teatro Tablado, quando a gente reunia os grupos de improviso, eu já tinha essa característica de organizar, unificar, puxar alguma liderança nesse sentido. Sempre tive uma visão mais ampla no set também, o que às vezes me ajudava e às vezes me atrapalhava um pouco como atriz. Depois da faculdade de cinema e de experiências como assistente de direção, fui me aprofundando mais, e iniciei essa trajetória pela qual eu me apaixono cada dia mais.
Você também dirigiu o documentário da Preta Gil, falando sobre sua jornada na luta contra o câncer! Conta pra gente como foi a experiência?
Na verdade, foi o documentário sobre os 15 anos do Bloco da Preta. Trabalhar com a Preta é sempre um presente. Ela é muito especial na minha vida, não só pelas portas que abriu, pelas discussões que iniciou, por tudo que ela representa, mas também porque comecei a dirigir audiovisual com ela, no Preta Vai Casar, há 10 anos, saindo da faculdade de cinema. 10 anos depois, estar à frente de um projeto com ela novamente, reencontrando tantas pessoas queridas da sua equipe, que fizeram parte da minha formação, reviver o bloco e registrar seu depoimento tão potente de vitória, após um ano tão difícil, foi muito especial.
Hoje, aos 32 anos, como você percebe que ajudou uma geração de mulheres a se entenderem lésbicas e se assumirem para a sociedade? Sente que estar em uma posição de visibilidade te deu mais força para falar sobre e apoiar a causa?
Recebo muitas mensagens bonitas sobre isso. A representatividade é muito importante, sempre. A coragem de outras mulheres impulsionou a minha coragem. Mas não deveria ser sobre coragem. A nossa existência por si é um ato político. Estamos em todos os lugares, consultórios, escolas, empresas. E quanto mais ocupamos lugares de liderança, revistas, premiações, veículos de mídia, mais meninas crescem se reconhecendo, se vendo em todos esses lugares.
Você foi noiva da também atriz, Vitoria Strada! Em entrevista, você chegou a comentar que as duas “continuam se amando”. Como é a relação de vocês hoje? Conta o segredo para essa maturidade pós-término! rsrs
Amizade. Vitória foi minha família, confidente e também minha melhor amiga durante quase 5 anos. Não existe motivo pra que a nossa amizade se perca. Respeitamos nossos espaços, tempos e momentos. Ela sabe que pode contar comigo e vice-versa.
Não entendo porque isso gera tanta perplexidade. Claro que nada é da noite pro dia e nem sempre é um processo fácil - nenhuma separação é - , mas eu sou amiga da maioria das pessoas com as quais me relacionei, algumas mais próximas outras menos, por momentos da vida mesmo, mas estranho pra mim é não ser.
Seu cabelo já passou por muitas fases. Agora, super curtinho e descolorido, ele passa uma mensagem de força e versatilidade. Esta era a sua intenção? Você gosta de se expressar através de seu visual?
Honestamente raspar cabelo pra mim foi uma libertação. Quando fiz, fiz mais por mim do que pensando na mensagem que teria, mas fico feliz que passe isso. E que hoje, através dessa descoberta das cores e dos desenhos, eu possa expandir e escolher passar outras mensagens como a que escolhi pra esse mês. Gosto muito de escolher o que visto e acho que como a gente se apresenta pro mundo diz muito sobre a gente, até quando não diz.
E sua rotina de cuidados, como é? O cabelo, mesmo que curto, recebe uma atenção redobrada por estar descolorido? E sua pele, também recebe um cuidado especial no dia a dia?
Hidrato o cabelo e retoco com frequência, mas não me preocupo muito, até porque meu cabelo cresce muito rápido e raspo com muita frequência. Então antes dele começar a aparentar mais ressecado pela descoloração, eu já raspei novamente. Passei a ser mais cuidadosa e disciplinada com os cuidados com a pele depois dos 27... antes não fazia nada. Hoje tenho uma rotina de cuidados básicos mesmo, tirar bem a maquiagem, limpar bem a pele, usar sabonetes mais apropriados, hidratar sempre e usar protetor solar.
Se a rotina de uma atriz é corrida, a de uma diretora deve ser mais ainda! Como tem cuidado do seu corpo e de sua saúde na agitação dos trabalhos?
Tento ter uma rotina de exercícios e treinos pra cuidar da saúde mesmo, quando viajo muito ou os horários das diárias atrapalham a rotina, eu tento me adaptar ou compensar em outro momento, quando dá. Parei de ser tão exigente também quanto a isso, entendo meus limites, sei da importância que tem pra mim e tento focar mais na saúde do que na estética.
E para relaxar a mente, qual o seu hobby favorito?
Filmes, séries, reunir amigos, ler e tocar violão.
Ping Pong
E o coração está…
Fazendo o trabalho dele rs.
Uma “mania” que você tem e poucos sabem:
Ouvir meus próprios áudios e perder lentes de contato pela casa.
O livro mais importante que já leu:
Bíblia
A maior realização que já teve:
A Rica Conteúdo.
O pior conselho que já ouviu:
Se esconda.
Aquele momento em que você “deu a volta por cima”:
Tive alguns traumas com a minha relação com a música e esse ano cantei em um festival pra 25 mil pessoas, foi especial.
Uma meta para alcançar até o fim de 2024:
Dirigir um projeto sáfico.