Cerrado: conheça o segundo maior bioma brasileiro
Um cenário que muda de cor a cada instante, o segundo maior bioma brasileiro encanta os sentidos
“O sertão é do tamanho do mundo, o sertão está em toda parte, o sertão é dentro da gente.” Foi assim que João Guimarães Rosa definiu uma das paisagens mais ricas do planeta: o cerrado. Em sua célebre obra Grande sertão: veredas, publicada em 1956, que não à toa revolucionou a literatura brasileira, é possível mergulhar um pouco nesse universo e, assim, ter uma ideia do que me esperava nesta viagem. Ao longo dos próximos cinco dias eu teria exatamente essa sensação, de que o sertão é realmente do tamanho do mundo.
Café fresquinho, leite quente, pães crocantes, salada de fruta, granola, iogurte, bolos e sucos. Cheiro do amanhecer e um cenário que muda de cor a cada instante. É assim que começa o dia na Lagoa das Araras, localizada nas imediações da Pousada Trijunção, que, desde sua abertura em 2018, tem como missão apoiar a redescoberta do bioma, estimular sua preservação, melhorar a qualidade de vida das comunidades vizinhas e fomentar o turismo no cerrado brasileiro. Saí às 5h30 da manhã para vivenciar o espetáculo do nascer do sol diretamente do deck da lagoa. E não demora muito para que uma explosão de cores no céu comece: laranja, vermelho, amarelo... tons que se refletem nas águas tal qual um espelho. É lindo! Sem saber para onde olhar, me deixo envolver pelos sons das araras que voam de um lado para o outro, entre as palmeiras buritis, em um verdadeiro desfile bem ali, na minha frente. As aves coloridas se esticam, mostram as asas, se secam como se estivessem se exibindo para a natureza.
Apenas por este amanhecer já dá para entender que estamos falando de um verdadeiro oásis em meio ao sertão. Estou no cerrado, o segundo maior bioma do Brasil, na Pousada Trijunção, que leva este nome justamente por estar localizada entre três estados brasileiros: Bahia, Goiás e Minas Gerais. Basta um passo para vivenciar a famosa experiência de estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Na pousada, o serviço é all inclusive(apenas as bebidas alcóolicas são à parte), o que garante um de leite de quitutes regionais para serem apreciados em um cardápio cuidadosamente criado pensando em utilizar as maravilhas da região, como o pequi e a taioba, tão em harmonia com a barriga de porco e o nhoque de ricota, por exemplo. A Pousada Trijunção é uma das únicas hospedagens de alto padrão da região e, apesar de estar em meio a uma fazenda de 33 mil hectares, tem ares de aconchego, com apenas sete suítes, superconfortáveis. Seguindo uma proposta de hospedagem intimista, o principal é que ela promove um intenso contato com o meio ambiente, e essa é a melhor parte.
Não à toa que, ao acordar, abro a janela e dou de cara com uma família de mico-leões acomodados nos galhos das árvores bem ao lado do meu quarto. Parecia que estavam me observando com seus olhinhos curiosos, só aguardando o meu despertar para desejar um bom dia. Ao ir para a piscina, que tem em seu entorno toda a paisagem do cerrado, eu sentia uma verdadeira paz e era meu local preferido para meditar logo cedo. Nas primeiras horas do dia, me sentava na rede e ao respirar fundo me conectava com a natureza esplendorosa ao meu redor, sentindo o cheiro do amanhecer. Num desses momentos preciosos, logo no primeiro dia, dei a sorte de receber a visita de Nhorinhá, a lobo-guará monitorada pela Pousada Trijunção em parceria com o projeto Onçafari. Habituada à presença dos humanos, ela passou curiosa bem pertinho de mim, elegante com suas pernas compridas, sua cor alaranjada com a pontinha do rabo branca. Passou bem perto, me olhou com calma, deu um profundo aulido (vocalização da espécie) e continuou. Eu fiquei completamente sem reação, queria cumprimentá-la também, mas não consegui nem me mexer.
Em outras horas do dia, este cenário da piscina – que fica ao lado do pequeno spa que dispõe de um lindíssimo ofurô e uma sala de massagem supercharmosa – era parada obrigatória para uma confraternização. Enquanto me refrescava após os passeios, experimentei drinques feitos com frutas típicas da região, como o mojito de cajá e a caipirinha de cagaita e me deliciei com iguarias também regionais, como o tartare de banana da terra, pimenta biquinho e torradinhas, aipim frito ou o arroz de carne-seca com abóbora assada, queijo coalho e couve frita. Com um novo menu desenvolvido pela consultora gastronômica Fernanda Zanetti, a cozinha da pousada traz a valorização do território com os ingredientes locais e disponíveis da gastronomia típica dos três estados. Em destaque no novo menu estão o carpaccio de abobrinha, pesto de manjericão, tomates assados e espaguete de arroz, pesto de taioba, couve e baru.
Passeios exóticos
E como a intenção principal da pousada é promover a imersão no cerrado, entre campos, veredas, florestas e savanas, opções de passeios não faltam, sempre respeitando o horário da rotina dos animais e da natureza. Aos mais aventureiros, a pedida é se jogar no safari de fat bike, uma bicicleta de pneus mais grossos. Com certeza uma excelente maneira de explorar a região. A aventura começa bem cedinho, antes que o sol fique forte. Durante o caminho é possível se deparar com tatus, emas e veados campeiros que atravessam calmamente pela estrada bem na minha frente. Camuflados no cerrado, era muito divertido observar todos eles ali, em seu hábitat. O encontro com estes animais é cuidadoso e com muito respeito, por isso eles circulam ao nosso redor sem medo. Ao chegar ao ponto de encontro, na beira da lagoa, um cooler com água e cerveja me esperava, embarquei então em uma canoa e tive a oportunidade de remar por toda sua extensão, e assim fechei mais uma manhã, exauta mas realizada.
Todos os dias, um safári em veículos 4x4 promove o avistamento de animais selvagens com o acompanhamento atento dos guias, todos biólogos, que mostram as surpresas pelo caminho. É claro que o passeio é imprevisível, mas há grandes chances de ver os lobos-guará, espécie ameaçada de extinção. Territorialistas, eles podem vagar por até 50 quilômetros durante o dia e hoje infelizmente têm uma população de menos de 17 mil animais no mundo. Por isso, são protegidos pelo projeto de conservação da biodiversidade do Onçafari, que também engloba as onças pintadas do Pantanal há 11 anos – e com muita sorte onças pardas. Munida de binóculo, tive a chance de avistar dezenas de pequenos pássaros, neste bioma que abriga mais de 850 espécies de aves. Em meu passeio tive o privilégio de encontrar muitas, escondidas entre os galhos retorcidos. Eram pequenos pontos coloridos que pareciam flores, destacadas entre os tons de marrom do Cerrado, que, para minha surpresa, também é conhecido como berço das águas, pois apesar de sua aparência árida, abriga inúmeras nascentes e áreas de recarga hídrica.
APENAS POR ESTE AMANHECER JÁ DÁ PARA entender QUE ESTAMOS
FALANDO DE UM verdadeiro oásis EM MEIO AO SERTÃO. ESTOU NO CERRADO,
O segundo maior bioma DO BRASIL.
Já para quem gosta de passeios noturnos, ao cair da noite, quando as temperaturas também baixam, a pedida é sair para o avistamento do jacaré-anão, também conhecido como jacaré-paguá, considerado um dos menores do mundo. Em um pequeno barco e prestando atenção às orientações do guia, fui contornando a lagoa até encontrar inúmeros jacarés que ficam imóveis se refrescando nas beiras. Cheguei muito perto deles e é uma experiência linda de viver, inúmeros pequenos pontos de luz, pois seus olhos brilham quando encontram a luz da lanterna. Antes de ir embora, não pude voltar para meu quarto sem antes olhar para o céu impressionantemente iluminado de estrelas e agradecer, com minha energia renovada, por essa incrível oportunidade de imersão no cerrado.
Fotos: Divulgação e Pimpa Brauen