Lissa Carmona abre seu apartamento em Milão para L'Officiel
Conhecida informalmente como “embaixadora do design brasileiro”, Lissa Carmona abre seu apartamento em Milão, e revela suas referências e lifestyle no Brasil e na Itália
“Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes.” O trecho de um dos poemas mais conhecidos de Fernando Pessoa se tornou um mantra para Lissa Carmona. “Sempre que vou encarar um desafio penso nesse poema, porque tenho que estar inteira em um projeto, entender realmente o que estou fazendo”, conta a CEO da Etel, galeria e editora de design. Estudiosa e comprometida com tudo que se propõe a fazer, ela se tornou uma espécie de embaixadora do design brasileiro. Conhece esse universo como poucos e, há vários anos, se incumbiu da missão de tornar as criações da movelaria moderna do nosso país conhecidas – e reconhecidas – mundo afora. “Preparei um material bem completo sobre o tema e fui procurar museus, trendsetters, curadores, não só para falar da Etel, mas também do design moderno brasileiro. Desde então, participo de muitas conversas e mesas-redondas sobre o tema. A última foi um talk superimportante que aconteceu em Basel, na Suíça, dentro da feira de design. Atuo muito também em instituições, como a Oscar Niemeyer. Criei a Casa Zalszupin. Esse lado de preservação da memória e promoção do legado faço com muito afinco, é parte do meu trabalho, mas digo que é quase uma missão. Hoje nosso design é conhecido no mundo todo.”
Filha da designer Etel Carmona, uma das mais conceituadas criadoras de móveis e peças de decoração do país, Lissa cresceu cercada de referências importantes que acabaram moldando o que ela é hoje: uma mulher forte, com olhar e gosto apurados, com repertório, amante das artes e dos livros, tudo com muita personalidade. “Desde a infância ficou muito claro para mim que minha mãe tinha uma estética diferente, particular, interessante… na casa, no jeito de se vestir, de nos vestir, na relação com a moda, com o belo, com o design. Ela era muito especial nisso. Minha casa, desde sempre, era superdiferente”, diz ela. Lissa relembra de momentos em que ficava evidente seu DNA: “Na moda, por exemplo, quando todas as meninas usavam vestido balonê, eu ia nas festinhas de saia comprida de seda. Fui de terno de veludo vinho no primeiro dia de aula no colégio. Hoje, com mais de 50 anos, sou fruto de uma infância permeada por esse olhar especial, que se estende para a arte, arquitetura, decoração”.
Lissa, que se formou em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas, acabou aliando sua expertise com números e business à criatividade da mãe, a designer Etel Carmona, para cuidar da internacionalização da marca, na época uma marcenaria superconceituada comandada por Etel e pela também designer Claudia Moreira Salles. “Adiei um projeto de MBA e me dediquei a entender esse mercado. Depois de um tempo minha mãe me convidou para ser sócia da marca. Somos muito diferentes. Ela é da arte, do criativo, e eu sou do pragmatismo, da organização.” As duas se uniram para transformar a empresa da família em uma editora de design de renome internacional, como classifica a Etel atualmente, que representa e reedita peças de grandes nomes modernistas e contemporâneos, como Joaquim Tenreiro, Percival Lafer, Oscar Niemeyer, Lina Bo Bardi, Jorge Zalszupin, Sergio Rodrigues, Zanine Caldas, Arthur Casas, Lia Siqueira, Claudia Moreira Salles. Liderada por duas gerações de mulheres visionárias, tornou-se internacionalmente conhecida por sua sofisticada construção em madeira, sensibilidade à sustentabilidade e cuidadosa curadoria de designers. “Fazer reedição de design moderno era algo que não existia nem aqui nem no resto do mundo. Criei essa metodologia de trabalhar com as histórias, não só fazer as peças. Isso ampliou nossa área de atuação.”
Em família
O dia a dia de Lissa se divide entre São Paulo, onde vive com a família – marido e duas filhas – em uma espaçosa casa no bairro do Morumbi, e em Milão. Na capital paulista, escolheu um refúgio para ter um respiro em meio ao caos da cidade. Tons de branco e bege predominam em todos os espaços da construção com vista para a Fundação Oscar Americano. Ao fundo, o som dos passarinhos. “Minhas casas, assim como eu, seguem o princípio do menos é mais. Gosto de silêncio, no sentido mais amplo da palavra. Lido com muita informação o tempo todo, então o que me emociona está um tom abaixo. Na decoração não há estampas ou cores fortes. São três residências, a de São Paulo, a da Serra da Mantiqueira e o apartamento de Milão. Todas seguem essa linha de menos materiais, poucos ornamentos, proporcionando ambientes que transmitem paz, que abrem espaço para pensamentos novos. Tenho peças muito boas da minha coleção privada, obras importantes e que me tocam muito, mas o que permeia meu estilo é esse silêncio apurado”, revela Lissa, que costuma mudar a configuração de seus lares de tempos em tempos: “Minhas casas têm uma transitoriedade. Como tenho muitas peças em acervo, entra uma coisa, sai outra”. Do outro lado do Atlântico, o segundo lar de Lissa segue o mesmo estilo limpo, sem grandes interferências. A curadora se sente em casa quando aterrissa em Milão, conhecida como a capital italiana do design, na maioria das vezes a trabalho. A Etel tem uma galeria na cidade, que funciona como uma espécie de hub para toda a Europa.
Em Milão
De origem italiana, sua família é de Lucca, Lissa tem uma ligação especial com a Itália, sobretudo Milão. “É um país que fala com minha alma. Amo chegar em Milão, na minha casa, e o lifestyle da cidade. É tudo muito fácil, amigável. Vou para a galeria, volto para almoçar em casa, passo no supermercado, tudo a pé”, explica a empresária que mantém um “pied-à-terre” no badalado bairro de Brera. O apartamento fica em um palazzo de época, com arquitetura típica milanesa, escolhido cuidadosamente pela proprietária. “Queria muito isso. É uma construção da década de 1930/40. Quando você entra tem um cortille, pátio interno (jardim) comum nos palazzos. Queria algo bem tradicional.
A entrada, a luz, a escada geométrica, os vitrais. Claro que tem muito de Brasil dentro dessa casca italiana. A galeria é assim também. A luz e a arquitetura típicas me encantam. E o bairro é muito legal, um bairro jovem, muito italiano. Abro minha janela e vejo o Bosco Verticale, edifício ícone de Milão, a Piazza Gae Aulenti e o BAM – Biblioteca degli Alberi Milano (Biblioteca de Árvores de Milão), que é o parque mais charmoso da cidade, com jardim do Piet Oudolf, um dos meus paisagistas preferidos”, descreve, sem esconder o encantamento com a cidade. Como uma legítima milanesa, Lissa destaca que consegue ter uma rotina mais tranquila quando está por lá: “Essa liberdade de fazer tudo a pé, sem atrasos... o transporte público funciona, é tudo plano, as distâncias são pequenas, faço tudo rapidamente. Acordo muito cedo, lá pelas 6h, e saio para correr. Ou faço yoga em um estúdio perto de casa. Vou para a galeria, tenho várias reuniões fora, sempre a pé ou de metrô. Gosto de viver do jeito que eles vivem e procuro entrar nesse ritmo. Adoro caminhar nas ruas, a arquitetura me emociona, fala com meu jeito de ser. O lifestyle do italiano, a comida, que é maravilhosa. Sou fã do ‘aperitivo’, esse costume do país de, no fim do dia, sentar, tomar um aperol e relaxar”.
Missão
Voltando ao trabalho, que o tempo todo se mistura com sua vida pessoal, ela transformou em propósito a valorização da história do design no Brasil, tarefa nada fácil em um país que cultua o novo. “Aqui perdemos nossas referências a cada dez anos. Demolimos casas incríveis para construir prédios. Perdemos história, perdemos memória. Por isso, estou envolvida em projetos como a Casa Zalszupin (que guarda um acervo precioso do arquiteto polonês, naturalizado brasileiro, Jorge Zalszupin), como um manifesto, uma provocação. Em agosto vamos inaugurar uma exposição muito bacana na Casa do Artigas (com acervo do arquiteto Vilanova Artigas). É importante preservar essas casas, essas referências arquitetônicas. Brasília, Pelourinho, Complexo da Pampulha... não é uma questão de gosto, é uma questão de história. Eu advogo em prol disso. É minha missão. Mapeamos as casas históricas de São Paulo. Tento estar sempre perto dessas iniciativas”, diz Lissa. E continua: “No segundo semestre vai ter a Expo Osaka, no Japão, com um pavilhão incrível só para mostrar nosso design. O Brasil recuperou sua rota, que havia sido perdida nos últimos anos. Também estou focada em pensar cada vez mais em soluções sustentáveis. Isso me motiva intelectualmente. Pesquisas de matérias-primas mais naturais, troca com a turma da Itália. E temos bons projetos culturais para o futuro, para o Brasil e para o mundo”.
Férias? Descanso? Talvez… se a agenda permitir. “Quero tentar ficar mais tempo na montanha, cuidando das plantas, lendo, ou tranquila na Itália, mas não consigo. Procuro fazer uma ou duas viagens por ano com o objetivo de conhecer novas culturas e civilizações. Um dos próximos destinos será a Índia. Temos trabalhado muito com eles e ainda não conheço o país. E, sobretudo, a China. Estava planejando ir para lá em setembro, mas apareceu uma exposição maravilhosa da qual faremos parte no Lago de Como. Eu e minha mãe fomos convidadas pelo diretor do Lake Como Design Festival para participar. Vão abrir a belíssima Villa Olmo pela primeira vez para este fim e vai ser incrível.”