Cláudia Raia vive Tarsila do Amaral no teatro
Em entrevista exclusiva à L’Officiel Brasil, a atriz falou sobre a preparação para o personagem e a importância da moda e da cultura brasileira
Cláudia Raia está vivendo uma personagem significativa na história da cultura brasileira. Com produção 100% nacional, a atriz interpreta Tarsila do Amaral em Tarsila, a brasileira, musical que retrata a vida da artista com sua paleta de cores e muita inovação para mostrar a verdadeira face do Brasil, traduzindo a complexidade e a riqueza cultural nacional para o mundo.
Envolvendo outros nomes importantes do Modernismo do país, como Anita Malfatti, Mário de Andrade e Menotti del Picchia, a peça percorre o início e o amadurecimento da estética modernista aliada a momentos importantes da vida de Tarsila e o romance com o escritor Oswald de Andrade, vivido pelo ator Jarbas Homem de Mello.
A montagem conta com texto e letras de Anna Toledo e José Possi Neto, também diretor geral, e direção musical de Guilherme Terra. O espetáculo fica em cartaz até 26 de maio no Teatro Santander, localizado no Complexo JK Iguatemi, em São Paulo.
Em entrevista à L’Officiel Brasil, Cláudia Raia falou sobre a preparação para viver a artista brasileira no teatro musical, o contato com sua obra e sua relação com a essência do estilo brasileiro. “Ela usava a moda para dizer a que veio”, disse a atriz. Confira!
Como é viver uma personagem considerada um ícone da cultura brasileira no teatro?
É uma responsabilidade muito grande. Recebi essa missão da própria família durante a pandemia. Quando atendi a ligação de Tarsilinha, sobrinha-neta de Tarsila do Amaral, ouvi do outro lado da linha um pedido irrecusável: ela gostaria que eu atuasse e produzisse um espetáculo sobre a tia-avó dela e ela fazia questão que fosse eu porque ela via a mesma força criativa em nós duas. Eu quase caí para trás, e aceitei. Óbvio! Tivemos uma parceria muito grande inclusive da família, que se sentia pronta, pela primeira vez, para mostrar o lado B dessa mulher que está no inconsciente coletivo, mas sobre quem sabíamos muito pouco. Para mim, a grande sacada do espetáculo está justamente em contar histórias que ainda não tinham sido contadas.
Como foi retornar à rotina de ensaios em menos de um ano após a gravidez?
Não foi fácil porque eu tinha uma rotina de ficar o dia inteiro com o Luca [filho da atriz com o ator Jarbas Homem de Mello com quem atua na peça]. Mas, mesmo assim, foi um momento muito bom e muito importante para mim como profissional. Apesar da saudade, eu queria estar ali realizando aquele projeto, trabalhando. O trabalho também é uma parte importante de quem eu sou.
O que foi mais desafiador no processo de preparação para atuar como Tarsila no teatro musical?
Encontrar esse corpo que é completamente diferente do meu foi um grande desafio. Tudo é diferente: ela é muito introspectiva, soturna, e isso tudo estava visível na aparência dela. Tarsila tinha os ombros mais curvados, o olhar mais baixo, a voz mais baixa, ela era mais para dentro. Chegar nessa partitura corporal e mantê-la foi um grande desafio [risos]. Eu estava toda Tarsila. Descuidava um pouco e já vinha a Claudia. Brinco que eu tinha que me amarrar para deixar meu corpo ser o corpo dela. Mas, às vezes, eu acabava escapando [risos]. Trazer essa personalidade dela também foi difícil para mim. Tarsila era uma mulher muito contida e isso também representava a força dela, com um vulcão dentro de si.
Quando ocorreu o primeiro contato com a obra de Tarsila do Amaral e em que momento houve o interesse de levar sua história ao teatro?
Eu conheço a obra dela de uma vida inteira. Sempre admirei tanto ela quanto os modernistas porque, se a gente for pensar, eles lançaram as bases para muito do que veio depois na cultura brasileira. Essa ideia de construir algo nacional é muito forte ainda hoje. Acredito que sempre estamos às voltas com a antropofagia proposta por Oswald de Andrade. Produzir um espetáculo como esse 100% nacional, que subverte a cartilha da Broadway por completo, é um exemplo disso. A gente só conseguiu criar esse espetáculo assim porque já fizemos muitas outras coisas. E muitas delas vindas da Broadway. Por isso mesmo, quando recebi o convite da família, não pensei duas vezes. A história de Tarsila se mistura muito profundamente com a história do Brasil, da arte brasileira. Era também uma chance, para mim, de homenagear a nossa arte, a nossa cultura e mostrar que ela segue viva, pulsante e potente.
Em se tratando da personalidade de Tarsila, o que você tem em comum com a personagem e o que destacaria?
Acho que única coisa que a gente tem em comum é a vontade de construir e não desistir disso. No mais, nossas personalidades são completamente opostas.
Na peça, existe a questão do relacionamento aberto entre Tarsila e Oswald de Andrade. Como foi trazer um assunto do passado e, ao mesmo tempo, tão contemporâneo?
Foi muito natural seguirmos por esse caminho. O que acho interessante é mostrar que essas configurações de relacionamento já existiam há 100 anos. E, com certeza, antes disso também.
Tarsila foi próxima do circuito da moda parisiense nos primeiros anos da década de 1920. Na contramão das tendências da alta-costura preconizadas pela libertação da silhueta feminina por Coco Chanel e outros costureiros, a artista se aproximou de Jean Patou e Paul Poiret com modelos retos, descolados e excêntricos. Para você, o que a moda deixou para Tarsila e o que Tarsila deixou para a moda?
Acho que uma coisa que nós temos em comum, para retomar a pergunta que você me fez antes, é essa paixão pela moda. Tarsila é uma mulher da alta sociedade, de uma família cafeeira muito tradicional. Essa tradição estava nas roupas delas. A isso, mesclava também essa tendência pelo descolado e excêntrico que víamos em suas obras. Ela usava a moda para dizer a que veio e construiu um código muito particular, uma assinatura de moda mesmo. Como pintora, ela influencia a moda até hoje com o uso de cores vivas, de cores que nos remetem imediatamente ao Brasil, como verde, amarelo e azul. Acho que essa proposta também de encontrar o que é brasileiro dentro de tantas referências é um legado que ela deixou.
Dos figurinos que você utiliza no palco, qual deles poderia representar a essência brasileira de Tarsila?
A essência de Tarsila é brasileira. Ela sempre quis ser conhecida como a pintora do seu país. Não acho que a identidade brasileira dela esteja necessariamente nas roupas que eu uso em cena. A identidade brasileira dela está posta ali quando ela mostra sua intenção em fazer parte daquele momento histórico para o país, quando ela se propõe a pensar e retratar o Brasil, a cultura brasileira, as histórias brasileiras. A essência de Tarsila é completamente brasileira.
Considerando os assuntos abordados em sua obra, o que Tarsila do Amaral falaria para o Brasil de hoje?
Ela falaria para valorizarmos o que é nosso, para criarmos algo e continuarmos buscando e criando algo que seja a nossa cara!