Cristina Junqueira, co-founder do Nubank, em entrevista exclusiva
No comando! Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank, entrega seus segredos para conciliar vida profissional e pessoal, além da maternidade, e comemora o impacto positivo que gerou na vida financeira de mais de 80 milhões de clientes na América Latina.
Natural de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, e criada no Rio de Janeiro, Cristina Junqueira é engenheira de formação, cursou MBA em Administração na Kellogg School of Management e já mudou de carreira algumas vezes: foi consultora, trabalhou em bancos brasileiros...
Fato é que a área financeira sempre esteve nos seus objetivos. Mas quando chegou a um cargo de liderança em um dos maiores bancos do país, sabia que podia fazer diferente. Alguns anos depois, em 2013, decidiu mudar novamente: sem ainda saber direito qual seria o seu próximo passo, pediu demissão. Queria mesmo era algo que causasse impacto positivo e fizesse a diferença na vida das pessoas.
Poucos meses mais tarde, conheceu os sócios Edward Wible e David Vélez. “O David já estava no Brasil, viu uma oportunidade justamente no sistema financeiro a partir de uma experiência negativa que ele vivenciou por aqui. Ouvi dele que não dava para, em pleno século 21, as pessoas terem de enfrentar tanta burocracia e dificuldades para poder gerenciar o próprio dinheiro, que é algo que está no dia a dia nas mais diversas circunstâncias. Ali, ele plantou a semente de que a gente precisava fazer algo fundamentalmente diferente e desafiar o status quo do sistema financeiro brasileiro, o que estava completamente alinhado ao que eu queria fazer.
Aquela nossa conversa me levou a pensar: é isso!”. E dali começaram, com o dinheiro do bolso, em uma casa alugada no Brooklin – a casinha. Em menos de um ano, já emitiam os primeiros cartões. “No começo, como tínhamos uma equipe pequena, de cerca de dez pessoas, eu fazia de tudo, desde o RH e SAC até a reunião com os investidores. Olhando para trás, sinto que me preparei a vida toda para esse momento.”
Como é ser cofundadora de uma das maiores plataformas de serviços digitais financeiros do mundo?
Não só eu, mas meus sócios e todos os Nubankers que passaram ou estão com a gente devem ter muito orgulho do que fizemos até aqui. Mas a realidade é que é só o começo. É gratificante ver que o impacto positivo que tínhamos há dez anos já é sentido por mais de 80 milhões de clientes na América Latina. Nessa primeira década, incluímos mais de 21,6 milhões de brasileiros no sistema bancário, que historicamente é concentrado nos bancos tradicionais. Aliás, já vimos reduzir essa concentração: se há quase dez anos era de 70%, no fim do ano passado tinha caído para 58%, e a gente se orgulha de ter um protagonismo nessa mudança. No México e na Colômbia, nossas operações internacionais, o caminho é semelhante e, aliás, em uma velocidade até mais acelerada que aqui. Lançamos há pouco mais de um mês a Cuenta Nu no México e já superamos 1 milhão de clientes. Na Colômbia, já temos clientes em todos os departamentos do país e um crescimento de 200% em um ano. Mas é o que eu disse: é só o começo, o Nubank é uma empresa para décadas. Tem muita oportunidade de crescer em diversas categorias nas quais já estamos presentes, para a gente de fato colocar as pessoas no volante de sua vida financeira e sem a complexidade histórica do setor. A gente segue avançando pensando nesse horizonte, que é infinito.
Na sua opinião, qual o futuro dos bancos?
Esse processo de digitalização, que a pandemia apenas acelerou, é inevitável. Quando começamos a ganhar terreno dessa maneira, os bancos tradicionais passaram a se movimentar, outros bancos digitais surgiram. E isso é ótimo, mostra não somente a nossa capacidade de inspirar e ser referência em uma categoria, mas também um aumento da competição, que inclusive nos move a seguir inovando e oferecendo boas experiências. É um jogo infinito, que para a gente sempre vai estar no começo, com uma mentalidade de que temos muito a fazer, muito a conquistar e muito a impactar positivamente a vida das pessoas. Tudo o que fazemos e estudamos fazer é voltado para reduzir complexidades e deixar as pessoas no controle de sua vida financeira. Existe muito espaço para inovarmos nesse sentido e sempre com o uso de tecnologia.
Hoje você tem um papel de liderança global nos temas de marketing e comunicações e é responsável pelas operações e estratégias de crescimento no Brasil, México e Colômbia. Como a linguagem muda em cada um desses mercados? Quais as semelhanças e quais as diferenças?
As semelhanças estão principalmente na oportunidade de reinventar um mercado concentrado e historicamente complexo. Há particularidades, claro: a cultura de cada país, regulação, e tudo isso faz com que você tenha de se adaptar. Por exemplo, no Brasil já avançamos muito na inclusão de pessoas no sistema financeiro, enquanto no México chegamos a um dado de que 54% da população local ainda usa métodos informais de guardar dinheiro, como embaixo do colchão. Para lançar a Cuenta Nu, a versão da conta digital do Nubank para os mexicanos, fizemos uma campanha em uma praça enorme da Cidade do México em que expusemos por vários dias um colchão gigante para mostrar os benefícios de guardar dinheiro de modo eficiente. Aqui no Brasil, lá em 2018, para destacar a evolução da conta do Nubank com a opção do débito, fizemos uma ação em que uma porta giratória das agências bancárias físicas virou peça de museu na Pinacoteca. O mais interessante disso tudo é que os desafios de comunicação em cada país que a gente atua tendem a se tornar cada vez mais frequentes, porque hoje o Nubank tem uma estrutura tecnológica que permite escalar a operação rapidamente. Isso significa desenvolver uma plataforma multiproduto bebendo na fonte do que já fizemos no Brasil com maior agilidade, tendo em cada mercado equipes especializadas em adaptar nossos produtos à regulação e ao público local. É um desafio bom e que mostra como o nosso modelo de negócios é eficiente.
A principal dúvida a respeito do Nubank diz respeito à segurança. Como lida com essa questão?
Lidamos como prioridade, como sempre foi no Nubank. Temos várias camadas de segurança, muitas delas invisíveis para o cliente, que unem o uso de bancos de dados do sistema financeiro, inteligência artificial e análises de comportamento. A gente procura educar também as pessoas e atualizá-las sobre o tema com o SOS Nu, um hub que concentra informações e procedimentos em diferentes cenários e golpes que os criminosos aplicam. Inclusive, quando se vê por aí qualquer coisa suspeita sobre o Nubank que é compartilhada no WhatsApp, por exemplo, qualquer pessoa pode usar um Canal de Denúncias exclusivo para a gente mapear e agir sobre possíveis golpes. E no caso de o cliente ser vítima de furto ou roubo do celular ou do cartão, agora ele tem o web app Me Roubaram, que pode ser acessado por clientes do Nubank para realizar os bloqueios necessários de forma rápida e segura. E tem inovação também, como é o caso do Modo Rua. O cliente consegue limitar transferências quando estiver fora de uma rede de wi-fi apontada por ele como segura, o que não existia num app de finanças por aqui. Complementamos isso tudo com outras funcionalidades, como o alerta de golpes, uma função que avisa ao cliente quando ele está prestes a fazer uma transação para uma conta potencialmente suspeita. Posso garantir que o Nubank colabora ativamente com as autoridades e mesmo em conversas com entidades reguladoras sobre essas atividades criminosas que ocorrem. Nosso maior interesse é que as pessoas se sintam seguras ao utilizar os nossos serviços. Infelizmente, todo o setor está sujeito a elas, ainda que os holofotes acabem de alguma forma se virando para o Nubank devido ao nosso crescimento exponencial e proposta 100% digital.
Você foi a primeira mulher a aparecer grávida na capa de uma revista brasileira de negócios. Ser mulher e mãe nessa área ainda tão masculina continua sendo um desafio constante?
O mundo mudou muito desde que eu comecei a minha carreira. Eu sempre fui uma das poucas, senão a única mulher, em todos os times por onde passei até chegar ao Nubank. Nunca tive chefes mulheres. Para se ter uma ideia, na empresa de consultoria em que comecei, éramos eu e uma colega, estagiárias, as únicas mulheres. Já em um grande banco, tive a minha primeira experiência em uma posição de liderança – ainda jovem, em um ambiente igualmente masculino, e vivi situações que mostraram com clareza o que eu não queria para mim. Cheguei a receber um feedback de que tinha que me assemelhar ao máximo a meus pares ou superiores homens, inclusive na forma de me vestir. A história do Nubank e a disposição em encarar esse projeto com meus sócios também têm a ver com o que eu vivi nesse contexto de banco tradicional. Eram práticas e métodos nos quais eu já não acreditava, e o Nubank foi uma oportunidade para, de fato, fazer diferente. Eu costumo repetir bastante que a mulher grávida é o mamífero mais eficiente do planeta. E eu pude comprovar isso, especialmente no começo da história do Nubank, que é praticamente irmão gêmeo da minha primeira filha. Além de ter de lidar com todos os exames e situações típicas pelas quais toda grávida passa, eu gerenciava as atividades do trabalho, incluindo uma viagem aos EUA aos sete meses de gravidez para fazer o pitch aos nossos investidores. Óbvio que ainda temos muito chão para percorrer, mas também houve progressos. Por isso, é fundamental que as empresas possibilitem e facilitem a construção de pontes e caminhos. No Nubank, temos metas ambiciosas na gestão e compromissos públicos. Temos o objetivo de atingir 50% dos cargos de liderança ocupados por mulheres até 2025. Já alcançamos resultados importantes nessa direção, evoluindo de 37% de representatividade feminina em cargos de liderança em 2020 para 45% em 2022. Na empresa como um todo, passamos de 42% de funcionárias mulheres em 2020 para 45% em 2022. Acreditamos que a diversidade contribui com o crescimento do negócio, porque pontos de vista diferentes são essenciais na tomada de decisão. Por isso, traçamos metas ambiciosas nesse sentido e acompanhamos de perto nossos números de inclusão de pessoas autodeclaradas mulheres, pretas e pardas, LGBTQIAPN+ e pessoas com deficiência. Olhamos para essa representatividade não apenas na empresa em geral, mas também separadamente, em cargos de liderança.
Também é a única brasileira a ser reconhecida na edição 2020 das Mulheres Mais Poderosas Internacional da Fortune e na Fortune 40 under 40, que destaca jovens líderes que estão transformando o mundo dos negócios. O que isso representa para você?
Claro que reconhecimentos como esse são conquistas honrosas. Para mim, é uma satisfação enorme estar no meio de tantas pessoas inspiradoras. Acredito que momentos como esse podem inspirar ainda mais outras mulheres e mostrar que sim, podemos ter carreiras ambiciosas, bem-sucedidas e conciliá-las com a maternidade e a família. Mas vejo que o meu impacto e tudo o que desenvolvemos com o Nubank vai muito além disso. Só em 2022, os clientes do Nu deixaram de gastar mais de R$ 40 bilhões em tarifas bancárias. Além disso, economizaram 248 milhões de horas nos últimos cinco anos, evitando filas em agências e espera ao telefone. Em uma pesquisa que realizamos com 4 mil clientes nossos, 83% disseram que conseguiram manter suas contas em dia sem se endividar, e 74% afirmaram que o Nu os ajudou a guardar dinheiro e investir. Esses dados mostram que esse sim é o nosso maior legado, isso é o que me motiva de fato diariamente.
Você é casada há 17 anos. O sucesso feminino ainda abala um relacionamento a dois? Como é na sua casa? Como equilibrar vida profissional e pessoal? Como a maternidade entra nesse balanço?
Minha família é uma grande parceira nesta jornada, eu e meu marido dividimos os mesmos valores e objetivos de vida. E mais do que isso, criamos e estabelecemos prioridades juntos. Costumo dizer que na minha vida priorizo duas caixinhas: a do Nubank e a da minha família. No relacionamento a dois, gostamos muito de ter uma rotina estabelecida, esse é o segredo, ter uma rotina que você ame, uma que funcione para o casal. Tenho a sorte também de contar com o suporte da minha sogra em momentos específicos. E sobre a maternidade, ela com certeza vem com muitos desafios e dificuldades, mas, para mim, também é uma força. Eu me cobro muito na maternidade, tenho rituais que são sagrados com as meninas, como levar para a escola, estar junto na hora de colocar para dormir e outros momentos, como a nossa tradição de fazer panquecas aos domingos. Inclusive falo bastante sobre esses temas nas minhas redes sociais – para mim, o segredo para conciliar a rotina profissional com a maternidade é flexibilizar a agenda. Eu encontrei um bom equilíbrio entre as duas coisas e encorajo todo mundo do Nubank a fazer o mesmo. Depois da maternidade, me esforcei para ser uma pessoa muito melhor, mais eficiente, que me faz querer dar o melhor exemplo para as minhas três filhas [Alice (8), Bella (3) e Anna (1)]!