Tudo sobre "Hard", série brasileira da HBO
Não sei você, mas eu sempre quis saber como é estar dentro de uma sala de roteiristas. E essa semana, tive a oportunidade de viver uma experiência próxima disso na nossa série de entrevistas exclusivas, Parle L’Officiel, com as roteiristas de "Hard", Juliana Rosenthal, Patricia Leme, Mariana Zatz e Laura Villar.
Hard é a minissérie brasileira da HBO que todos deveriam estar assistindo. Ela conta a história de Sofia, interpretada por Natália Lage, que após a repentina morte de seu marido é forçada a se reinventar em absolutamente todos os sentidos ao descobrir que a empresa familiar era na verdade a SofiX, uma produtora de vídeos pôrno. Lá ela conhece diversos personagens peculiares que se tornam seus amigos, confidentes, alguns novos animais de estimação e até mesmo seu novo amor. Parece maluco, mas a premissa da série é exatamente essa.
As quatro roteiristas que já estavam rindo apenas com a apresentação do enredo, mas o que brilhou os olhos foram as possibilidades que ele trazia. Há um pouco de tudo: reviravoltas, empoderamento feminino, uma pitada de drama e suspense, romance, boas lições de vida e, claro, muito bom humor. Era a garantia de um trabalho interessante. Laura percebeu logo de cara que havia “muito espaço para comédia. E eu achei incrível ser um universo feminino, o olhar de uma mulher sobre a pornografia. Tinham muitas coisas legais para a gente explorar, em um momento que já era possível fazer isso. Se a série tivesse sido feita 10 anos antes, a gente teria enfrentado grandes desafios, piores do que os que a gente enfrentou”, explica.
Hard é inspirada em uma série francesa com o mesmo nome, que entrou no ar em 2008. A versão brasileira foi adaptada em três partes e inicialmente contava apenas com Danilo Gullane, Juliana e Patrícia no time de roteiristas. O primeiro passo deles foi aproximar a narrativa não só para os dias de hoje, mas também para o universo brasileiro. “É engraçado essa coisa de ficar datada, né? Porque mudou tanta coisa de lá pra cá. Além da tecnologia, hoje em dia não existe uma série que não tenha não tenha whatsapp e celular. Mas também mudou muito o papel da mulher, a personalidade feminina. Apesar de não ser tanto tempo atrás, teve uma mudança bem grande”, explica Juliana.
Mariana e Laura se juntaram ao grupo no início da segunda parte para ajudar na grande demanda de criação. “Quando eu entrei, já tinha história nessa sala de roteiro”, brinca Mariana. Mesmo com tema tabu, que poderia gerar algum desconforto, não demorou muito para que todos se sentissem à vontade “no começo a gente assistiu muito pornô junto. Isso também deu uma quebrada de gelo logo de cara”, brinca Patrícia, no entanto, “sala de roteiro é sala de terapia. Não demora três dias para você estar contando as coisas mais íntimas. Não porque estávamos naquela temática, é assim em todas as salas que eu participei”. E tendo em vista que o assunto era delicado e o ponto de vista feminino deveria prevalecer, Laura confessa, “Eu me senti segura de saber que tinham mais mulheres na sala, acho que eu nunca falei isso para as meninas”.
O segundo grande desafio da série foi acertar a evolução da personagem Sofia ao se desfazer de seus preconceitos e se adaptar a sua nova realidade. Na versão francesa, ela voltava sempre para os mesmos dilemas, ela era “muito hipócrita. Eu não gostava muito da Sofia. Depois eu aprendi a amar”, comenta Laura. Para Mariana a escolha de Natália Lage permitiu que a versão brasileira fosse mais verdadeira, “ela trouxe essa coisa de uma mulher que teria potencial de ter uma vida sexual diferente, mas que foi reprimida pela sociedade e por todo o trajeto da vida dela”, explica. “A personalidade da Sofia [francesa], era outra. A gente teve que construir um novo personagem. Apesar de ser a mesma história, era uma outra realidade”, conta Juliana.
Uma das soluções para diferenciar a brasileira da francesa é o inusitado romance com o ator pornô, Macello Mastroduro, interpretado por Julio Machado. “Isso foi um acerto porque a gente tem pouco romance na narrativa do seriado”, comenta Patrícia. A relação também traz uma importante mensagem “sobre você desidealizar um pouco o parceiro. Sobre cair um pouco certos preconceitos que a gente tem”, comenta Mariana. E Juliana complementa que uma das funções de Hard é exatamente fugir dos estereótipos. Cada personagem acaba sendo muito diferente do que o público poderia imaginar, “a série brinca um pouco com isso, subverte essas figuras”, explica.
O mais lembrado durante a entrevista foi Dudu, o jegue, presente desde o primeiro episódio da trama. Como não podemos descrever todos, abaixo deixamos alguns dos favoritos de cada uma das roteirista:
Laura: “Eu me divertia muito com o diretor, Pierre. Eu ria muito com aquilo, porque ele era machão. Um diretorzão".
Mariana: “Mastroduro. Eu não esperava que ele fosse retratado desse jeito, como um ator pornô muito sensível e que tinha outras ambições”.
Juliana: “Quando vem o diretor de fora para ensinar dramaturgia para os atores pornô”.
Patricia: “Eu me diverti muito com os animais, o Dudu, como ele aparece. Aquele almoço com a galinha”.
De cenas memoráveis, pelo menos dentro da sala delas, as coisas mais divertidas de inventar foram as fantasias sexuais das clientes da SofiX e os nomes dos filmes da produtora. “O que é legal também é a naturalidade dos atores pornôs que estão lidando ali como se fosse um assunto qualquer. É um The Office pornô, então isso era divertido também. Porque eles estavam ali tomando um café com o pinto de fora”, destaca Patrícia.
O roteiro completo de Hard foi feito antes mesmo da primeira parte entrar no ar em 2019. Este mês começam a entrar no ar os últimos seis episódios da série, e finalmente, as quatro roteiristas vão poder não só ver o resultado final de sua obra mas também a reação do público. Patricia se surpreendeu com a abrangência de “pessoas que você não imaginava, que você achava que tinham um perfil mais careta que não vão se engajar com aquele produto”. Entre os diversos fãs da série está o pai de Mariana, que assiste tudo que ela faz. Para evitar constrangimentos, ela falou “você não precisa assistir, se você não quiser. E ele disse ‘não, a gente vai assistir’. Aí eu e meu pai estávamos ali assistindo, Hard… aquilo tudo, aquelas cenas de sexo. E eu dava aquela olhada para ver o que ele estava achando”. Ele não só adorou, como depois ainda queria discutir o processo de criação.
O grande segredo do sucesso de Hard é “que apesar de ter essa premissa e abordar estes tabus. Ela fala de amor, de maternidade, de como se relacionar com os filhos adolescentes, como liderar um negócio e todas as coisas do dia a dia que a série fala através do sexo e do humor”, explica Laura. “A série reúne duas coisas muito legais”, destaca Juliana, tem a reinvenção de Sofia, “ela sofre uma grande tragédia e tem que se virar e lidar com um mundo completamente diferente do dela. Se apaixonar novamente e o amor não é aquilo que ela imaginou que fosse. Tem toda uma trama séria. Ao mesmo tempo, a gente tem um universo divertidíssimo, novo e diferente. Coisas que as pessoas não estão acostumadas a assistir e a falar sobre. A união dessas duas coisas fez com que a coisa fosse muito especial e com que todo mundo se encantasse por isso”.
O primeiro episódio da última parte dessa história, foi ao ar no dia 15 de Agosto na HBO Max. A cada domingo, sai um novo. E não se preocupe, caso ainda não tenha assistido a série pois ela fica disponível no streaming - e é imperdível. E claro, mais histórias da criação e dos bastidores da série estão disponíveis no vídeo desta entrevista na íntegra aqui abaixo.
Hard é uma co-produção da Gullane. Direção-geral de Rodrigo Meirelles e também conta no seu elenco com Julio Machado, Martha Nowill, Denise Del Vecchio, Fernando Alves Pinto, Brunna Martins, Carolina Ferraz, Marcelo Paganotti, Pedro Konop e Nathalia Falcão.