Inês Bogéa fala sobre a temporada de São Paulo Companhia de Dança
Para Inês Bogéa, na dança, vivenciamos um diálogo sem palavras, em que cada gesto é uma frase carregada de significado. Confira sua entrevista a L’Officiel
A nova temporada da São Paulo Companhia de Dança, no Teatro Sergio Cardoso, ocorrerá com três programas. “Tornar visível o invisível” foi inspirada na frase de Orhan Pamuk, escritor e professor, prêmio Nobel de literatura: “O amor é a capacidade de tornar visível o invisível e o eterno desejo de sentir o invisível em nós próprios”. Para Inês Bogéa, na dança, vivenciamos um diálogo sem palavras, em que cada gesto, cada salto, cada pirueta é uma frase carregada de significado. “Ao assistir a um espetáculo, somos transportados para um espaço no qual o tempo externo parece suspender-se. Nós nos conectamos com várias emoções vivenciadas pelos artistas em diálogo com a plateia”, inicia sua conversa com a L’OFFICIEL.
L’OFFICIEL Poderia explicar cada um dos programas?
INÊS BOGÉA Na primeira semana, as três obras – Le Chant du Rossignol, de Marco Goecke, Odisseia, de Joëlle Bouvier, e a estreia de Jomar Mesquita – falam da natureza, da vida e da morte; dos desafios dos migrantes que, com esperança, atravessam grandes distâncias em busca de melhores condições de vida; ou das emoções e sensações dos relacionamentos amorosos. Nas trilhas sonoras, Igor Stravinsky (1882-1971), fragmentos das Bachianas Brasileiras com a Paixão Segundo São Mateus, de Bach (1685-1750), a Melodia Sentimental, o poema Pátria Minha e diversas músicas populares brasileiras. Na segunda semana, duas peças sensíveis – Memória em Conta-Gotas, de Lili de Grammont, e Petrushka, de Goyo Monteiro – que abordam a crueza da violência cotidiana, buscando encontrar beleza e poesia mesmo nos sentimentos mais intensos e sombrios. A noite conta também com Gnawa, de Nacho Duato, uma peça que celebra a relação do ser humano com o universo por meio dos quatro elementos fundamentais. Gnawa é dançada pela SPCD desde 2009 e tem muito sucesso nos diversos países em que apresentamos essa coreografia. E, para finalizar o ano, teremos o impactante O Quebra-Nozes no Mundo dos Sonhos, uma releitura de Márcia Haydée que incorpora elementos da cultura brasileira, convidando a todos para uma jornada divertida pelo balé clássico, pelas danças urbanas e pela capoeira. Os programas são para todos os públicos que apreciam a dança e seus movimentos.
L’O A dança está cada vez mais próxima das pessoas, inclusive para promover a saúde mental por meio de uma atividade de lazer. Qual é a sua opinião sobre isso?
IB A dança é movimento, é vida. Portanto, quando você se reconhece como um ser dançante, é quando você se descobre nas suas particularidades de movimento. Darei um exemplo simples. Quando temos um amigo que é barulhento, quando ele chega, antes de a gente ver, a gente sabe que ele está se aproximando. Os silenciosos, a gente se surpreende quando eles chegam ao nosso lado. Esse movimento é o nosso jeito de permear a nossa identidade. Quando você se abre para a dança, você toma mais conhecimento próprio e entende melhor quais são suas potencialidades de movimento. E, quanto mais o seu corpo tiver liberdade de movimento – ou seja, quanto mais mobilidade você tiver e consciência desse corpo –, mais potência de vida você tem.
L’O Você acha que essa evolução engloba também o pensar, além do movimentar?
IB Além de a dança ser uma arte que permeia a nossa vida, ela é uma maneira de entender o mundo pelo corpo. A dança promove a memória cognitiva, que nos leva a outros entendimentos da nossa potência humana. Ela faz com que você perceba que temos muitas qualidades, que nem sempre a gente está acostumado a observar. Então, dançar é também compreender quanto o corpo humano é uma potência em si e quanto cada um de nós pode desenvolver habilidades impensadas.
L’O Você tem alguma experiência pessoal, de algum momento em que a dança deu a você certo bem-estar, para evitar entrar em uma dinâmica de estresse ou ansiedade?
IB Comecei minha história de movimento na ginástica olímpica, mas depois passei pela capoeira e aí fui para o balé. Quando fiz a minha primeira aula, senti uma conexão comigo mesma, um silêncio interno. Ao mesmo tempo, percebia tudo à minha volta, eu me percebia intensamente. E isso acontece comigo desde sempre, a cada vez que danço no espetáculo, ou a cada vez que danço para mim. Então, eu acho que a dança tem essa particularidade na minha vida. Vivo pela dança, para a dança e com a dança.
“A dança promove A MEMÓRIA COGNITIVA, QUE NOS LEVA A OUTROS entendimentos DA NOSSA potência humana. ELA FAZ COM QUE VOCÊ PERCEBA QUE TEMOS MUITAS qualidades QUE nem sempre A GENTE ESTÁ acostumado A OBSERVAR. ”
L’O Como você enxerga o cenário da dança brasileira atualmente, em termos de estilo, originalidade e perspectivas?
IB A dança no Brasil é muito poderosa e diversificada. Existem vários grupos ativos com modos de produção distintos. Há alguns mecanismos de subsídios e apoio governamental para grupos e companhias de dança nos níveis estadual, municipal ou federal. Desde a pandemia, todos tivemos momentos únicos para continuar ativos. Hoje, a arte retoma sua dinâmica de presença ao vivo com públicos diversos. Com resiliência e muita arte, seguimos os vários ritmos da vida.
L’O Hoje em dia, temos como um dos aplicativos mais populares o TikTok. E ele cresceu em popularidade, inicialmente, devido à dança. Qual é a sua opinião a respeito disso?
IB A dança no TikTok tem alguns pontos interessantes: é um espaço no qual várias pessoas compartilham suas paixões pela dança; alguns conteúdos se tornam virais; há muita criatividade nas postagens e um senso de comunidade quando há boas energias e colaborações. Algumas vezes promove talentos. Por outro lado, pode haver pontos menos positivos, como uma busca constante de aprovações e curtidas, o que pode afetar a autoestima de algumas pessoas e a pressão para conformar-se às tendências. Vale ressaltar que é um espaço para a dança que não substitui os espetáculos dessa arte e suas múltiplas potencialidades.
L’O Como uma pessoa que ainda não tem contato com a dança pode inseri-la no dia a dia? E quais benefícios a dança pode proporcionar até mesmo para uma pessoa que não é bailarina profissional?
IB Comece com pequenos passos, divertindo-se com sua música favorita em casa. Experimente aulas de dança, no estilo que mais interessar. Todos podemos dançar. Venha dançar na São Paulo Escola de Dança. Temos uma grande variedade de cursos gratuitos para quem deseja aprofundar seus conhecimentos ou vivenciar a dança apenas duas vezes por semana, ou ainda para quem busca cursos específicos na área. Quem dança tem mais resistência e bom condicionamento físico; boa coordenação motora e equilíbrio; boa memória, expressão criativa e conexões sociais. E, com o tempo, se quiser, pode se aprofundar mais nos diversos estilos de dança. Ser profissional na área exige muito estudo e dedicação. Mas não é necessário ser um profissional para colher os benefícios e a alegria que a dança pode trazer para nossa vida.