Cultura

Livia Chanes, CEO da Nubank no Brasil, em entrevista exclusiva

Identidade real! Livia Chanes é a CEO do Nubank no Brasil. A seguir, conta como entende a importância de ser uma executiva nessa área financeiro-tecnológica, tão tradicional, na hora de gerar identificação e inspirar outras mulheres.

blonde person adult female woman sitting pants face head smile
Fotos: Divulgação

Engenheira mecânica de formação, Livia Chanes conta que, curiosa, sempre gostou de exatas, da área de ciências. “Quando escolhi minha carreira, não existia tecnologia. Entrei na faculdade em 2000. Aplicativos vieram dez anos depois. Não havia carreira de tech, como a gente enxerga hoje”, conta ela, reconhecendo que sempre gostou de entender como as coisas funcionam e como podem ajudar a transformar a forma como vivemos. “Quando eu fui trabalhar, até passei um tempo no chão de fábrica de bens de consumo – e foi legal do ponto de vista de gestão de pessoas. Mas era muito repetitivo. Era processo, não tinha inovação. E aí me falaram: ‘Quem faz inovação aqui é o pessoal de marketing’”. Nesse momento, Livia recebeu um convite para trabalhar como consultora na McKinsey, onde ficou por dez anos, com indústrias de várias áreas: automotiva, setor financeiro, bens de consumo, beleza, varejo. “E aí, lá para 2009, 2010, começou a se formar de maneira mais forte essa questão de tech. Comecei a me encantar pelo digital (era assim que a gente chamava na época), e aí recebi um convite para me tornar executiva e construir as áreas digitais de um grande banco, e foi lá que comecei a operar tecnologia de fato. Eu me apaixonei por esse universo e vim para o Nubank, que é nativo nesse universo de tecnologia.”

Fotos: Divulgação

L’OFFICIEL: Você comanda uma das maiores plataformas de serviços digitais financeiros do mundo. Diria que essa é uma área amistosa com as mulheres?
LIVIA CHANES: Quando a gente olha os números da indústria, tanto financeira quanto de tecnologia, percebe um gap importante de representatividade feminina nos cargos seniores. Sem dúvida, eu estar à frente dessa posição é uma condição muito especial. Aqui, temos quatro mulheres dos dez membros da diretoria-executiva. Então, é uma representatividade muito boa. Acho que o Nubank tem capacidade de absorver e de respeitar pessoas que pensam diferente, que são diferentes.

L’O: Na sua opinião, como as soft skills femininas são capazes de transformar esse setor?
LC: Eu acho que tem um ponto de empatia com clientes diferentes que é superimportante. Em teoria, 50% da população é feminina. E a gente não conseguir considerar essa perspectiva na forma que estrutura os produtos, as soluções, é uma perda enorme na capacidade de entender o cliente, de inovar, de fazer as coisas de uma maneira diferente. Então, sem dúvida, trazer esse olhar é superimportante. O Nubank é diferente, mas eu acho que a indústria financeira é muito endurecida, mais formal, sisuda, tradicional, muito mais utilitária e racional. Acho que ser mulher traz serenidade em ser mais vulnerável, em trazer pontos emocionais para as conversas, poder ter uma dosagem de humanidade, de espontaneidade, que talvez os homens não consigam, ou porque não tiveram o treinamento social para isso ou porque sejam muito mais julgados quando o fazem. Eu tenho muita empatia com a posição dos homens hoje que são cobrados para serem parceiros de mulheres fortes, mas que ainda não têm o benefício social de poderem exercer esse papel plenamente. É natural que em uma empresa mais tradicional, por exemplo, se uma executiva fala que vai levar o filho ao médico, é ok. Se o pai fala isso, perguntam: “Por que a mulher não leva?”. Ele é muito mais julgado nesse lugar. Acho que a gente, como mulher, sai de um ponto de vantagem nesse sentido, em que não é esperado que a gente seja 100% dura.

L’O: E as mulheres, como clientes, gostam de soluções diferentes?
LC: As pessoas perguntam: o que é diferente aí? Bem, é como comparar, sei lá, um vestido de alta-costura com um look desconstruído de um brechó. Primeiro, a cultura é construída em pilares muito diferentes. A tecnologia não é vista como uma área de suporte, mas como o core da companhia. A gente pensa muito em longo prazo – somos uma empresa jovem que ainda tem muito para construir e está crescendo muito rápido. A capacidade de correr riscos também, e cometer erros. Temos uma atitude muito mais positiva em relação à incerteza. Tem um pouco essa fluidez maior, e com isso você tem espaço para vozes diferentes. O conflito de ideias é uma força criativa. Essa flexibilidade permite tentar coisas muito desafiadoras e cria esse ambiente mais leve, propício para a gente poder dar soluções diferentes e testar produtos. A gente sempre faz, ouve o que o cliente quer, ajusta, vai, volta... É uma construção, colaboração e aprendizagem constantes. A gente tem várias nacionalidades, o que, para uma empresa fundada no Brasil, é uma coisa muito única, eu diria. Tem gente no México, tem gente no Vale do Silício, tem gente na Europa, tem gente na Argentina. E aqui no Brasil, no país inteiro. Então é uma coisa muito mais diversa mesmo, rica, no sentido mais essencial da palavra.

L’O: Você tem dois filhos. Como é ser mãe nessa área de negócios?
LC: Ser mãe me tornou, sem dúvida, uma profissional muito melhor. Eu aprendi com a maternidade a ser mais empática e a entender melhor o funcionamento do ser humano. Amo ser mãe por vários motivos, mas, pensando do ponto de vista profissional, acho que foi um amadurecimento importante. Acho que os principais desafios que eu tive ao ser mãe foram durante os períodos em que eu estive grávida e tive as licenças, essa fase sensível e um pouco traumática em muitas organizações. Com mais líderes femininas e mais líderes também homens que sejam mais participativos nas suas famílias, isso tem diminuído. Mas dez anos atrás, oito anos, seis anos atrás, eu sentia muito isso, um pouco esse estigma: vai sair de licença, vai descansar seis meses. Ninguém merece. Isso foi muito doloroso para mim, porque, no início da minha carreira, eu sempre transitei em ambientes muito masculinos, mas eu nunca tinha sentido um peso grande por ser mulher, as piadinhas. Quando me tornei mãe, brinco que a realidade foi esfregada na minha cara – do tipo de desafio de julgamento que a gente sofre. E, desde então, eu tenho sido muito mais intencional nessa agenda de representatividade, na responsabilidade. Sei quanto isso importa para as pessoas que estão se questionando, para as pessoas que enxergam que elas precisam escolher entre ser mãe ou ter uma carreira.

L’O: Como é que você equilibra a vida pessoal e a vida profissional?
LC: Eu sempre fui uma pessoa extremamente regrada com o uso do meu tempo. Ponho limites para as coisas. Eu trabalho, mas preciso jantar com meus filhos. Aprendi a proteger os momentos que são extremamente caros para mim, em família. Então, o café da manhã e o jantar com os meus filhos são os momentos em que eu estou com eles, conversando sobre o dia. Construo a minha agenda ao redor disso para garantir que eu tenha esses momentos, porque assim eu me sinto equilibrada, não sinto que eu estou pagando um preço alto demais em um lado da minha vida para construir o outro. Tenho uma gestão do meu tempo quase microscópica: cada minuto conta. Não tenho problema em falar não e priorizar as coisas. Outra coisa muito, muito, muito importante é que meu marido é um parceiro incrível, é um paizão e me apoia muito. A decisão mais importante da vida é quem você escolhe para ser seu companheiro ou companheira.

L’O: O sucesso feminino ainda abala um relacionamento a dois?
LC: Sou casada há 15 anos com o mesmo homem. Mas eu vejo muitos casos de outras amigas executivas que têm essa dificuldade. De equilibrar, de conseguir preservar a sua individualidade e ter um parceiro que as apoie, não um parceiro que fique competindo ou puxando para trás. Então, sim, acontece. E eu acho que ainda existe muito preconceito social também de olhar casais em que a mulher possa ter uma posição de mais destaque do que o homem. Existe muito julgamento. Lembro quando eu comecei a namorar com meu marido, eu era consultora, supernovinha, tinha acabado de me formar, e eu falei: “Eu trabalho, eu viajo, eu adoro trabalhar, é parte do pacote. Você quer ficar comigo? Porque isso é quem eu sou”. E ele topou. As pessoas não falam muito sobre construção de vida, de carreira, falam mais da parte romântica, se você quer ter filhos. Ok, mas quando a gente tiver filho, como é que a gente vai decidir quem é que cuida da criança? Outra coisa: quando eu entro em casa, eu volto a ser a Livia. Não sou a CEO do meu marido. Porque também se você entra em casa e começa a querer mandar em um cara que supostamen- te é seu par, seu parceiro, dificilmente pode dar certo.

L’O: Moda: como você se relaciona com ela?
LC: Eu brinco muito com moda, eu gosto de montar meus looks, de ter um estilo próprio, de estudar a história da moda, gosto de comprar roupa, gosto de experimentar coisas. Para mim, a moda é uma forma de expressão da minha personalidade, uma extensão dela. É uma maneira de você mandar mensagens muito fortes.

Tags

Posts recomendados