Cultura

Mercado de luxo, qual será o futuro?

Um segmento que parecia inabalável também passa por um momento profundo de reflexão
 Mercado de luxo
Mercado de luxo

“Qual será o futuro do mundo após a pandemia?” Essa é a pergunta que mais escutamos nas últimas semanas; talvez meses. E ela permanecerá forte por um período - que todos esperam que seja curto.

 

O questionamento tão pertinente casa com tudo: relacionamentos, confraternizações, trabalhos ou estudo.

 

Como as marcas, dos mais variados segmentos, vão sobreviver ao novo cenário que atravessamos? As empresas vão olhar com mais carinho para o home office e jornadas alternativas? Quando vou conseguir viajar, frequentar festivais, ter uma noite gostosa no cinema e depois dar aquela esticadinha em meu restaurante favorito? Será que é um bom momento para pensar em casamento e filhos? Como a economia e a política vão reagir a tal mudança?

 

Dentro do atual universo de incertezas está o até então "inabalável" mercado de luxo

Fernanda Ralston Semler
Fernanda Semler: idealizadora do movimento pós-luxo, sócia-proprietária do Botanique Hotel & Spa e e conselheira da Fundação Ralston-Semler.

Para tentar organizar um pouco os pensamentos sobre o cenário, Fernanda Semler, especialista em pós-luxo, bate um papo conosco sobre o que ela acredita ser o futuro próximo desse que é um nicho de excelência:

 

L’Officiel: O que é o pós-luxo? Como ele é importante para o momento?

Fernanda Semler: Pós-luxo é o ato de bypassar grifes, modismos e marketing direcionado à vaidade - e substituir tudo isso por experiências, produtos e serviços que sejam autênticos. Elas (as marcas) precisam ter o compromisso real com a veracidade, não fazendo uso de aparências e ostentações para emprestarem validação de riqueza. Assim, a riqueza verdadeira, no pós-luxo, consiste em absorver oportunidades de vida, sentir ao invés de mostrar, e fazer uma imersão em prazeres que não são artificiais, e nem são cobrados (no preço) por multiplicadores indefensáveis.

WEN+PAN+-+Londres
WEN PAN é uma marca feminina de Londres, lançada em 2018, que navega pelo universo do pós-luxo. Foto: Divulgação.

L’Officiel -  Você poderia nos dar um bom exemplo prático do conceito de pós-luxo?

Fernanda - Uma malha de lã feita por produtores de ovelha cuidadosos, usando gente com tradição na confecção e que passe por um processo produtivo sem enganações. O produto com a preocupação de ser original de fato, e a um preço condizente com o custo. 

 

L’Officiel - O luxo se descolará, cada dia mais, da ostentação e da futilidade?

Fernanda - Não há razão para o luxo se desconectar de seus vícios inerentes, uma vez que é dirigido a quem precisa do aval de uma grife para se sentir validado. Enquanto houver classes emergentes, elites com pouca preocupação de cultura e países inteiros passando pela fase de aquisição de identidade de luxo (Rússia, China, elites da África e do Brasil), haverá mercado suficiente para o luxo tradicional. São as elites esclarecidas e os jovens que percebem a futilidade do luxo da grife que farão um bypass para o pós-luxo, mas isto não diminuirá as hordas interessadas em superficialidade vaidosa.

Restaurante Aska
Outro exemplo do "novo luxo": Localizado em um antigo armazém restaurado de 1860, à beira da Ponte Williamsburg, o Aska é o restaurante de Brooklyn, com duas estrelas Michelin, dirigido pelo chef sueco Fredrik Berselius. Foto: Divulgação.

L’Officiel - Dá para fazer algumas previsões do que se transformará o mercado de luxo após a pandemia?

Fernanda - A pandemia pode ajudar a registrar - em mentes e corações - que muito do luxo a que estamos acostumados, a exemplo de materiais, ostentação, exageros e grifes, não são a essência do viver luxuosamente. A pandemia deve ter dado a dimensão de família, amor e trabalho essencial aos consumidores de luxo clássico. Assim, podem estar mais abertos ao pós-luxo, que prima por experiências autênticas, e ítens esquecidos como silêncio, natureza, materiais autênticos e mostrando que grifes e marcas não são sinônimos de luxo realmente útil.

 

L’Officiel - Grandes marcas de luxo já estavam se estruturando para flertar mais seriamente com a sustentabilidade, mesmo antes da covid-19. Você acha que esse pilar ficará ainda mais forte de agora em diante?

Fernanda - Os pilares que a sociedade dita, através de costumes e leis, chegam às empresas muito tarde - e de forma superficial. As empresas de porte global incorporam as falas, os clichês e a interpretação do que o consumidor já disse que quer. É de pouca utilidade, e ajuda a confundir preocupações legítimas com marketing.

 

L’Officiel - Você acredita que a pandemia apenas acelerou processos que o mercado de luxo já devia ter tomado anos atrás?

Fernanda - Todo susto coletivo acelera movimentos em curso - mas o luxo tradicional não deverá mudar de forma importante, e os países e elites econômicas ainda precisarão de validação externa, garantindo aos produtores de luxo clássico um mercado lucrativo de milhões de consumidores atrelados à instantânea vestimenta da grife que carimba riqueza em forma de uso de uma marca.

Les Catherinettes
Les Catherinettes - Barcelona: designer de chapéu que também caminha pela estrada do pós-luxo. Foto:Divulgação.

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