Tendências de comportamento rompem paradigmas
As tendências de comportamento mostram transformações nos relacionamentos, ao mesmo tempo rompendo com os paradigmas da monogamia e trazendo um burnout sexual.
Em 2005, o TGV, trem de alta velocidade francês, batia o recorde sobre trilhos ao alcançar mais de 570 km/h; dois anos depois, em 2007 chegava ao nosso dia a dia a revolucionária e rápida (à época) internet 3G; enquanto isso, a vida da geração Z (nascida a partir de 1995) se desenvolvia em um mundo veloz, no qual agilidade se confundia com performance, e as informações passaram a circular ao alcance de um clique. “Essa hiperconectividade trouxe bônus e ônus, criando jovens mais informados e, consequentemente, mais abertos a diversas formas de ser e se relacionar. Entretanto, nem todos se adaptaram a essas mudanças; alguns ainda se apegam a dogmas religiosos, políticos ou regionais. Esse cenário explica parte do que chamamos de burnout sexual, um reflexo do esgotamento em manter e explo- rar relações num mundo que não para. É uma janela para entendermos a complexidade das relações afetivas atuais”, afirma o sexólogo Renan de Paula. Tudo sugere que as mudanças na forma em que as relações são vistas acontecerão logo. Segundo um relatório do Ashley Madison, um site de relacionamentos extraconjugais, nada mais será como antes. Com base em dados e pesquisas, a plataforma calcula que o próximo ano será marcado por muitas transformações, abrindo espaço para a exploração de novas formas de conexão. De acordo com o levantamento, o estigma em torno da não monogamia está rapidamente desaparecendo, e 2024 já testemunha essa mudança cultural – houve um aumento significativo na sua aceitação em comparação com 2022. Nos EUA, no Reino Unido, na Alemanha e na Espanha, por exemplo, o número de pessoas que preferem ou consideram um relacionamento não monogâmico aumentou em quase 10% (segundo estudos realizados pelo YouGov). Essa mudança é impulsionada por uma crescente compreensão de que as pessoas têm diferentes necessidades e desejos em momentos diferentes, desafiando o dogma de viver com um único alguém a vida toda. E são as mulheres que vêm quebrando esses tabus, emergindo como líderes na exploração de novas experiências, tendendo a ser mais sexualmente aventureiras do que os homens. Uma pesquisa recente realizada pelo Ashley Madison revelou que as mulheres são três vezes mais propensas do que os homens a sempre terem sido não monogâmicas (18%, contra 5%). “Na maioria dos casos, um relacionamento aberto acontece [em relacionamentos heterossexuais] quando a parceira feminina está pronta para experimentar. Chegamos a um momento em nossa cultura em que as mulheres não estão apenas seguindo as demandas de seus maridos, mas estão exigindo a própria satisfação”, diz a terapeuta sexual Tammy Nelson, autora de A Nova Monogamia. Além disso, 26% das mulheres afirmaram estar em um relacionamento aberto, em comparação a 13% dos homens. Outro estudo da plataforma ainda mostra que os homens são mais propensos a querer manter seu caso em sigilo (72%), em comparação com 57% das mulheres, revelando que elas estão expressando suas preferências sexuais mais abertamente. Será?
Amor online
Já existem IAs que estão sendo treinadas para ser conselheiro amoroso e ajudar com dúvidas e questões importantes que envolvem inteligência emocional. “Um caso interessante de IA que já está sendo testada em aplicativos de encontro é criar um avatar com as preferências do usuário que vai ter encontros virtuais com outros avatares. Dessa forma, você só teria encontro com as melhores pessoas, tudo baseado em IA”, fala Raul. Alguém aí já viu o episódio “Hang the DJ”, de Black Mirror?
Estudos recentes realizados pelo Instituto Karolinka em parceria com a Universidade de Washington demonstram um fenômeno entre os jovens da geração Z, batizado de “apagão sexual”. O dado mais impactante revela que uma parcela expressiva dessa geração relatou não ter tido relações sexuais no último ano, o que sinaliza uma mudança significativa nos padrões comportamentais. Aqui no Brasil, uma pesquisa Mo- saico 2.0 seguiu esse caminho e afirmou que os jovens entre 18 e 25 anos são os que mais consideram o sexo de pouca ou nenhuma importância em sua vida.
“A diminuição do interesse sexual entre os jovens pode ser atribuída a uma série de fatores, refletindo as transformações sociais e tecnológicas. Em uma época em que temas como não monogamia, dating burnout e bem-estar sexual estão mais pre- sentes do que nunca, as relações sexuais assumem uma diversidade até então inédita”, observa o sexólogo Renan de Paula. Para ele, o sexo não é mais limitado ao modelo heteronormativo entre duas pessoas; apresenta-se de maneira plural, podendo ser experimentado de forma individual, com parceiros variados, com o auxílio de brinquedos ou até mesmo de maneira virtual, por meio de plataformas de encontros online, chats em tempo real e venda de conteúdo. “A hiperconectividade proporcionada pela tecnologia tornou mais fácil a busca pelo prazer, com a disponibilidade constante de conteúdo erótico e a facilidade de conexão com outras pessoas. Contudo, esse cenário também levanta questões sobre o conceito de intimidade, que está gradativamente deixando o ambiente privado e se tornando mais público.”
A geração Z está vivendo um paradoxo. Apesar de estarmos em uma era incrivelmente permissiva em relação ao sexo, com aplicativos de relacionamento e maior abertura para diferentes práticas sexuais, os jovens dessa geração estão, surpreendentemente, fazendo menos sexo do que as gerações anteriores. Isso pode parecer contraditório, mas é o que alguns estudos internacionais estão mostrando, sendo o mais famoso deles o da pesquisadora americana Jean Twenge. Por que isso está acontecendo? “Os jovens estão amadurecendo mais lentamente, tanto emocional quanto fisicamente. Isso pode ser resultado de um fenômeno chamado overparenting, no qual os pais superprotegem seus filhos. Isso acaba gerando adolescentes que, apesar de desejarem mudar o mundo, muitas vezes carecem de maturidade para lidar com responsabilidades básicas, incluindo relacionamentos afetivos”, ressalta Renan. Ele afirma ainda que o acesso à pornografia nunca foi tão fácil. “Desde pessoas completamente desconhecidas até a sua amiga que decidiu abrir um OnlyFans.
O cérebro, que antes funcionava para criar uma fantasia e explorar fetiches, é cada vez menos utilizado, sendo trocado por uma biblioteca audiovisual quase que infinita de tudo o que se pode desejar.” Para finalizar, estamos falando de uma geração viciada em dopamina. “A forma com que temos acesso aos hormônios do prazer é imensamente superior do que a das gerações anteriores: nos games, nas redes sociais, no aplicativo de relacionamento – todos contêm gatilhos que fazem com que você deseje ficar por mais tempo e se sinta recompensado com isso, como o like. Isso nos torna dependentes e faz com que muitos tenham dificuldades na rejeição ou em situações que exigem inteligência emocional, como dentro de um relacionamento afetivo.”
Renan faz uma reflexão sobre a mudança nas dinâmicas de relacionamento, citando as ideias de Zygmunt Bauman sobre as “relações líquidas”. Nos próximos cinco a dez anos, ele prevê uma transformação significativa nas dinâmicas de relacionamento, impulsionada pela tecnologia e por uma crescente aceitação da diversidade nas formas de amar e se conectar. “A tendência é que as pessoas continuem a explorar e aceitar arranjos não tradicionais, como relações não monogâmicas e poliamorosas, refletindo uma abertura maior para a experimentação e a individualidade nos relacionamentos.”