Tempestade de indignação ou a Estética do Caos

Vivemos em um período de excessos - de si, dos outros e de informações. Estar visível e disponível o tempo todo pode se tornar um grande risco - a regra serve para a hipervisibilidade alheia e para o fluxo de informações e imagens consumidas em excesso. A fragmentação causada pelo mau uso das redes sociais gera gatilhos de ansiedade que, quando acumulados, diminui nosso nível de tolerância e quando vemos estamos nos importando com coisas ínfimas, reagindo ao menor sinal de discordância.

O "Shitstorm" ou uma "chuva de agressões” nas redes sociais é um fenômeno que se destaca na paisagem digital, refletindo uma conexão paradoxal entre as pessoas: Por que, muitas vezes, nos unimos mais facilmente pelo ódio do que pelo amor?

Na base do "shitstorm" reside o famoso "nós contra eles”, um mecanismo psicológico profundamente enraizado na história da humanidade. Desde os primórdios nas sociedades tribais até as nações modernas, o conflito serviu como um poderoso catalisador social, delimitando fronteiras e fortalecendo identidades coletivas através da oposição ao outro.

Em essência, o conflito é capaz de gerar mudanças significativas mas quando praticado sem um exercício mínimo de reflexão torna-se apenas uma disputa bélica sobre quem é o detentor da razão e, consequentemente, do poder em questão.

As redes sociais amplificam o "shitstorm" ao oferecerem plataformas que priorizam o conteúdo que evoca respostas emocionais intensas (gatilhos, termo apropriado também pelo marketing) principalmente negativas, conectando o usuário à suas faltas e/ou gerando uma reação de raiva. Algoritmos projetados para maximizar o engajamento incentivam a proliferação de conteúdos polarizadores, capturando a atenção dos usuários através do conflito e da indignação cegos.

Essa dinâmica digital favorece a expressão do ódio sobre o amor, pois o primeiro é frequentemente mais direto e explosivo, com força suficiente para atravessar o ruído incessante de informações online; e o amor… ah,  o amor como prática social é quase uma vergonha. Ele é posto a mesa diariamente enquanto conceito, ideia, justificando maus atos. Mas como verbo, ação, filtro… não vemos com tanta frequência.

Filosoficamente, o "shitstorm" reflete uma busca distorcida por reconhecimento. Hegel discutiu a ideia de que o reconhecimento mútuo é essencial para a autoconsciência, a liberdade e consequentemente nossas noções de identidade. No entanto, nas redes sociais, esse reconhecimento muitas vezes toma a forma de uma validação rápida e superficial, alcançada mais facilmente através da agressão do que pelo entendimento. O conflito se torna uma forma de autoafirmação na ausência de interações mais profundas e significativas.

Em um mundo onde a validação social muitas vezes vem em forma de likes e compartilhamentos, expressar indignação pode ser uma forma rápida de obter reconhecimento. Em muitos casos, o volume e a intensidade das reações podem ser impulsionados pelo desejo de visibilidade e por reforçar ideias alinhadas ideologicamente.

A Estética do Caos vem tomando cada vez mais forma enquanto o anonimato e a falta de consequências imediatas em ambientes online podem levar a uma maior expressão de raiva e hostilidade. O "efeito desinibidor online” através de perfis fakes e a escolha de manchetes “caça-cliques” na mídia gera os tais gatilhos e permitem que as pessoas se sintam mais livres para expressar sentimentos e opiniões que normalmente reprimiriam em interações reais e que muitas vezes escondem as dores em questão e tratam a si próprias com a mesma dureza que tratam os outros - Viver é um grande espelho.

 O "Shitstorm" é tanto um reflexo quanto um produto da nossa cultura, que muitas vezes valoriza a velocidade sobre a profundidade, a reação sobre a reflexão. Para transcender essa engrenagem, é necessário cultivar o diálogo genuíno e a conexão empática. Isso envolve repensar como interagimos nas redes e o quanto deixamos de interagir na vida, promovendo espaços que incentivem a compreensão mútua e o respeito, que valorizem o tempo sem vivê-lo no 2x. Todos nós temos algo de diferente e algo em comum - este é o desafio da contradição. Vivemos um período que para além de desejável, uma nova maneira de se relacionar com o outro e com o mundo online e offline é essencial para criar uma sociedade onde o amor e a compreensão possam florescer em meio ao caos digital.