SPFW n53: Renata Buzzo traz referências intensas e pessoais para nova coleção
Intenso e pessoal! Confira todos os detalhes da coleção de Renata Buzzo apresentada no SPFW n53!
O processo criativo da estilista renatabuzzo sempre foi intenso e pessoal. E é isso que faz de sua marca, Renata Buzzo um laboratório autoral, sem medo de experimentações e de traduzir emoções em criação. Quer conhecer Renata Buzzo? Preste atenção em suas coleções e apresentações.
Neste SPFW N.53, a estilista mostra em um filme de 27 minutos um recorte de sua busca por autoconhecimento e autoestima, a partir do entendimento de sua ancestralidade e das heranças genética e de valores das mulheres de sua família. Daqui vem o nome da coleção, Latina, que também é o título do poema que ela mesma escreveu, durante a pandemia, e que acompanha o filme como um narrador. “Escolhi esse nome por entender que as vivências e incômodos que eu relatava ali, talvez sejam comuns, estereótipos inerentes atrelados a mulheres latinas”, explica ela, ilustrando sobre como a imagem feminina surge quase sempre como hiperssexualizada e pouco inteligente nas produções de TV e cinematográficas.
Costurando tudo, referências internas e externas, Renata trouxe novamente o denso trabalho com tranças de tecido que tanto funcionam como arremate – como nos calçados da parceria com a Urban Flowers – quanto fio condutor do diálogo sobre o ser feminino e conexões familiares. São elas que formam seios, corações e útero em alto-relevo. Outro recurso são as franjas, ora dramáticas ora divertidas que jorram de um bolso, por exemplo. Vestidos dão corpo à coleção. Seguindo os estereótipos latinos, vão da estética recatada à hipersexy, especialmente no vestido de lurex com cintura baixa, novidade no processo criativo da estilista, em uma cartela repleta de cores fortes e saturadas. Unindo poesia textual e vestível, Renata faz e refaz um universo ímpar.
LATINA - Renata Buzzo
Na clausura pandêmica,
me pego mobília.
Imóvel, taciturna.
Tentando ser menos sanguínea.
Pelas frestas quadradas,
enxergo vida.
Mas penso: não é minha.
Tento domar minha natureza hedonista.
Sigo minha procrastinação.
Mas não completamente sem ação.
Ando no hiper foco da minha miscigenação.
De entender essa genética voluntariosa,
que não aceita que mandem em mim,não!
Fiz um DNA, achei interessante,
Saberes antigos e novidades.
Estou regando esse jardim
caótico, selvagem,
que é a minha latinidade.
Misturam-se aqui:
aquáticas e rasteiras,
narcísicas e turfeiras,
plantas invernais e primaveris,
ornamentais fáceis de arrancar,
com as resistentes de dura cerviz.
No meu DNA brota:
Do meu pai,mil utilidades, canivete á Suíça.
Por dentro sou uma italiana em premissa.
Do seio do meu grito familiar:
O meu ID é carcamano.
Duplo Zz pra arranhar.
Do meu lado mais afastado,
o materno abonado
hispânico,lusíada.
Meu sangue é complicado.
As vezes corre gelado, azedo,agridoce.
Mas sempre ferve sem aviso.
As vezes basta um sorriso.
Tem gosto metálico
do cano de aço
que aponto ao olhar,
o seu desdenhar
de canto no lábio.
Faço isso afagando o gato.
Passivos agressivos me tiram do sério.
Acaba o mistério.
Eu mostro a carta,
revelo o jogo,
e o xadrez me entendia.
Passo a mão nos pinos
e aí não tem quem faça:
A minha Connie
quebra a casa.
Eu sou toda feita de retornos.
Ciclos planetários
de contemplação e desgosto
Vou do zen a vendeta.
No meu sangue corre a treta.
Da bonança superficial
a tormenta ebulitiva
Te sabatino no latim,
te esqueço num silêncio sepulcral.
No mesmo dia, alternando,
esse é o meu mal.
Existem ainda facetas escondidas:
Um élan nórdico.
Viking,ponta de lança!
Quem não me conhece,
Dança.
Três % de pulmão Bantu.
Luxo em tempos de ar escasso.
Por causa desse,infelizmente,
sempre senti de longe o rechaço.
Não em mim, na minha avó,
que era vista como menor.
Pé na terra do sol poente.
Obstinação é meu tempero.
Mar a nado sem medo,
segurando a vontade no dente.
Uma pitada de Frida
e nisso nenhuma surpresa.
Faço a fama e deito na cama.
Da obsessão Riveriana aos Animais.
Sou dada a comunicação,
seja da arte,seja da fala.
Eu não me Kahlo jamais.
No meu sangue não tem
“Desculpa por existir!”
“Posso por favor entrar aqui?”
Não tem subserviência,
nem sintoma de vira-lata.
Cadelas misturadas tem skill,
malícia e tem graça.
Voltando a minha clausura:
Essa ainda sem cura, sem vacina
Estava dizendo...
Esse ano
desatei diversos laços,
desisti de alguns,
outros,eu banco e os carrego
fingindo descaso.
Hoje vivo sem embaraço.
Pego qualquer infortúnio pelo braço
e brado “Sai daqui!”
“Sem perturbação!”
Não bagunce o meu
“Age of Aquarius” não!
Eu tô ótima, não se meta!
Lembra que meu sangue é de Veneta.
Eu estou fingindo bem.
Ando no trilho.
Me emulo zen.
Rituais de auto amor, mãos dadas
com a minha ancestralidade,
do meu útero criativo do qual
pari sim:
A minha identidade.
Essa pele azeitonada que me sustenta.
Esse cabelo acastanhado
que tranço ao dormir,
hoje minha memória contempla.
Direto dos meus recordos maternos.
Pentear os cabelos
pra muita criança é flagelo.
Pra mim sempre foi elo.
Minha mãe de pouco toque, trançava meus cabelos pra medir em gomos de trança
o crescimento,
isso me era alento.
Comprei um perfume doce dessa vez.
Talvez disfarce minha acidez.
Abrande meu destempero.
Esse descomedimento do sentir.
As vezes choro querendo rir.
Continuo usando meias, um truque.
Esconder o pé um disfarce.
Desde pequena
escondo as fraquezas.
O calcanhar de Aquiles, ninguém sabe.
Assim talvez me deem passe.
Até agora cheguei aonde quis.
Fui de meias, toda impostora.
De Milão a Paris.
Finjo olhar pra fora.
Sento na janela.
Eu sou Renascentista.
Tem sempre segredo
escondido na tela.
Tem gente que chama de prepotência.
Mas eu já disse que escondo as carências
dentro das meias com tamanca.
Alguns sentimentos a gente não banca,
não poda, arranca!
Porque senão cresce
na fenda do peito rasgado.
Me desculpe a sinceridade.
Eu não gosto de bom mocismo
de texto tachado.
Eu poderia me pintar feito mártir,
Roteiro pronto, bem clichê mexicano
Filha de bebê achado
mas que não foi abandonado,
que era filha de uma Maria,
como tantas outras, vítima do patriarcado.
Cresceu sem eira nem beira,
sem perspectiva,
foi mãe sem ter sido filha.
Pariu outra menina.
Criança com baixa autoestima.
A latina feita latrina.
Agora é “A Mina!”
Uma segunda opção:
Um enredo aos moldes Malena.
Um cidade de recalcados.
Ditando regra.
Tacando pedra.
Mas me incomoda essa ideia.
Nunca gostei de mocinha de novela.
Texto decorado me enfada.
Sou do tablado,
mas gosto do improviso,
sem personagem, sem figurino.
Acho corajoso quem banca
tirar a máscara,
limpar o rosto na frente da plateia.
Mas isso é pra poucos.
É pra quem nas veias corre sangue,
não geleia.
Então acolho essa minha essência
com notas de entrada dramalhão.
Púrpuras de melancolia.
Especialista em dramaturgia.
Mas recuso o papel de vítima da situação.
Sou tachada de vilã, não me deram opção.
Perda e preterimento faz parte do que sou.
Ganhar é que foi parte do meu show.
Um plotwist de responsa,
que não teve macho domando onça.
Então é isso.
Cérebro e anca é a
melhor carta nessa tranca.
Mas se sabe o jogo, sabe disso:
Não se resgata a carta do lixo.