Afeto, Transgressão e Rita Lee
"Depois da estrada, começa uma grande avenida. No fim da avenida. Existe uma chance, uma sorte, uma nova saída". Rita Lee
Existe uma grande parcela de afeto na rebeldia. Afinal, a força precursora do ato de mudança é impulsionada por uma explosão no peito de quem vê o que está do lado de lá. Quem vislumbra uma nova estrutura sócio-afetiva precisa de coragem para transgredir, verbo esse quem vem sendo conjugado pelo contrário ao amor e a inclusão. Naturalmente ser rebelde é questionar parâmetros morais, mesmo que em doses homeopáticas - movimento esse, exercido muitas vezes silenciosamente e exausto de si próprio, porque o esgotamento de si também é um bom sinal. Estar fora da máquina por um tempo é reencontrar-se.
Recentemente, perdemos o maior símbolo da rebeldia-afetiva no país. Rita Lee até o fim construiu seu legado ultrapassando gerações, sendo um personagem de fácil identificação estética e poética, que recebeu todas as homenagens em vida com louvor. E seguiremos daqui com o legado dos inconformados e às vezes cansados para a batalha mas, mesmo assim, entregues à transformação da linguagem. Rita, para além de ser à frente de seu tempo, era a própria personificação de tempo e do que, no final, é o que fica de eterno no mundo: o afeto.
O que há de mais mágico em Rita é o fato de ser avessa a si em alguns momentos, de se permitir cansar de si, reconfigurar a si e continuar, em busca de uma lapidação mais generosa consigo e com o mundo. Ela estava certa: tudo vira bosta. Queria que todo mundo encontrasse sua Rita Lee interna, aquela que consegue ser coerente e subversiva ao mesmo tempo.
O que há de mais mágico em Rita é o fato de ser avessa a si em alguns momentos, de se permitir cansar de si, reconfigurar a si e continuar, em busca de uma lapidação mais generosa consigo e com o mundo.
Inegavelmente, o meio em que vivemos dita como são postos na mesa os afetos. Estes, para além dos laços amorosos ou familiares, são tudo aquilo que meu corpo absorve através da identificação ou estranhamento. Muitas vezes pegamos uma via imposta pelo cenário externo e nos deixamos levar. Enquanto a era tecnológica muda nossa estrutura mental, automaticamente o DNA do corpo, esse canal para os afetos, também sofre mutação pelos novos estímulos.
De quais encontros somos capazes, mas também quais encontros são possíveis na sociedade em que vivemos? Ou seja, todos os afetos são também (bio)políticos.
Em terra de like, se fazer presente é um ato de amor.
Para se tornar parte ativa dos afetos, é importante que tiremos os binarismos da frente na intenção de dar fim às vítimas e algozes como limitações. Viver é afeto e afeto é fluxo. Que enxerguemos na esfera consciente nossa humanidade - o melhor, pior e os entremeios que são apresentados cotidianamente.
Em telas, o excesso de imagens gera diferentes sensações que chegam ao cerne dos sentimentos, estes às vezes tão difíceis de lidar a ponto de gerarem sublimação. E nessa estrutura, nos comunicamos através do que consumimos mas não nomeamos o que sentimos.
A valorização da persona pública e a capa de invencibilidade prescrita pelo algoritmo matam o que há de mais precioso na humanidade: a vulnerabilidade. Existe uma espécie de magia em se identificar com aquilo que todo mundo sente mas poucas pessoas conseguem expressar.
Para viver não há tutorial no YouTube, mesmo que a ferramenta soe como um grande gênio da lâmpada em momentos de ignorância. Não saber é divino, achar que as fontes se esgotaram é um limbo. Limbo é vácuo e vácuo é espaço para o novo.
O começo se configura aqui, não há o que conservar. Há o que transformar, ressignificar e reexistir. Há o que questionar, enfrentar e resolver - em mim, em nós. Para além de nós é uma invenção - e chegará. Chegaremos.
"Em terra de like, se fazer presente é um ato de amor."
Ator, Roteirista, Diretor e Produtor, Felipe Ribeiro começou sua carreira em 2015, na novela "Babilônia" (TV GLOBO). Em seguida dedicou-se ao Teatro, onde, entre oito espetáculos, passeou por múltiplas linguagens. Retornou ao audiovisual em 2019, no docudrama "Vitimas Digitais" (GNT) e fez parte do elenco de "Maldivas" (NETFLIX, 2022). Atualmente estuda Filosofia e abriu a Santa Bárbara, sua produtora focada em desenvolvimento de conteúdos e projetos para o audiovisual.