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Álvaro Naddeo faz críticas ao consumismo através da arte

Aquarela do fim do mundo! Publicitário e artista autodidata, Álvaro Naddeo pinta cenários apocalípticos movidos pelo consumismo e pela ganância do status quo.

Álvaro Naddeo
Álvaro Naddeo

Após um hiato de 20 anos, Álvaro Naddeo voltou a desenhar. Largou os pincéis e os lápis ainda jovem, aos 17 anos, trocando a fluidez da arte por uma carreira mais quadrada, que parecia ter futuro: a de publicitário. Depois de um regime de duas décadas à base dos jargões do ofício — os briefings, brandings e merchandisings —, ele retornou à cena criativa despejando no papel logomarcas em decadência, de todo o tipo. Emissoras pop de tevê, latas de refrigerante com rótulos coloridos, capas de revista chamativas e... Um coquetel molotov, a bomba que simboliza o fim da “ganância” que ele sente no sistema econômico atual. Isso faz cerca de dez anos.

Nesse meio tempo, consolidou a carreira autodidata paralela à da publicidade, marcada por pinturas com viés caótico. São cenas de cidades sem pessoa alguma, que misturam tecnologia antiga com espaços urbanos em decadência, cheios de gambiarras e de símbolos do que restou de grandes marcas, gringas ou brasileiras. “A minha mensagem questiona o capitalismo e as grandes corporações, ao mesmo tempo em que sou uma pecinha deste jogo. Vejo a manipulação [do mercado], mas por enquanto não consigo sair.”

Álvaro Naddeo

Um dia normal de Naddeo é quase uma vida no estilo Clark Kent. No computador, ele idealiza artefatos de marketing para grandes empresas. Quando ocioso do emprego que paga as contas, arrasta a cadeira até a prancheta ao lado, a estação artística em que aquarela e pincéis finos o aguardam para pintar a sua distopia do consumismo. Essa proposta de pintura, chamada de instintiva, não foi lá muito planejada. Aos 37 anos, morando em Nova York, cidade que escorre publicidade pelas paredes, Álvaro sentou-se para desenhar e naturalmente saiu uma latinha de refrigerante, que desde então não abandona mais as suas obras.

Álvaro Naddeo

No mundo em que ele pinta, símbolos tipicamente brasileiros coexistem com ícones da cultura estadunidense: nossa caixa de fósforo mais reconhecível contracena com fragmentos de um anúncio da cerveja Itaipava, revistas Mad e comerciais de televisão do ex-presidente Ronald Reagan. E lá vêm as perguntas que ele mais recebe: “Mas isso é no futuro?” “É no nosso planeta ou numa realidade paralela?” “Como tem tanta coisa dos Estados Unidos e do Brasil juntas?” “Como isso foi acontecer?” A resposta é mais simples do que parece: “Não penso muito, faço apenas porque me diverte”.

Pensado ou não, o mix ganhou gosto por todo o continente. É paulistano de nascença e criação, filho de imigrantes uruguaios, tendo morado em Lima (Peru) e outras três cidades norte- americanas que se traduzem em elogios em inglês, português e espanhol nos comentários da sua rede social no Instagram. De alguma forma, captou todos esses públicos, algo que ele cita como familiaridade.

Álvaro Naddeo

Depois de residir em cinco metrópoles diferentes, caminhando por boa parte delas, o artista acredita ter encontrado o “lado universal das metrópoles”, que atrai a identificação de todos esses públicos. “Muitas pessoas vêm me dizer que os tênis pendurados no fio de energia elétrica são a cara de Los Angeles Downtown, mas eu vi essa cena primeiro em São Paulo.”

Naddeo cresceu na classe média que assistia de perto tanto a burguesia quanto os moradores das favelas orbitarem a inquietação com a desigualdade. Teria pintado essa realidade antes, mas precisou assegurar a lacuna de duas décadas para ter a maturidade necessária diante das telas. Aos 17 anos ele se comparava ao pai, o ilustrador Alberto Naddeo, que fez seu nome trabalhando em grandes revistas brasileiras – de Veja a Superinteressante. “Falei que não era artista”, diz, admitindo que os dedos sempre coçaram pelo segmento. Era desejo sufocado.

Porém, ao se enxergar artista, ele se vê num bom lugar. Com exposição fixa em Los Angeles, e mais galerias do que pode atender no portfólio, Álvaro foi destaque nas páginas do badalado magazine Hi-Fructose. A perspectiva é continuar vivendo de arte e só depois de ter os filhos criados, migrar para novas plataformas, como a escultura. A técnica ele não domina, mas já que um dia não dominava a pintura, não vê este detalhe como empecilho. Num trabalho que reflete sobre o exagero do lixo e o consumo desenfreado, Naddeo percebe a relação com o desequilíbrio climático e os desastres naturais, incluindo os alagamentos catastróficos no Rio Grande do Sul. No tema que ele critica, não existe cenário de melhora, enfatizando uma situação insustentável. “A minha vontade é que esse sistema estoure para que se refaça melhor. Basta contar a quantidade de vezes que eu pintei o coquetel molotov para entender o tom apocalíptico do presente.”

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