Antonio Tabet: editorial e entrevista para L’Officiel Brasil
De janeiro a janeiro! Antonio Tabet personifica o galã dos novos tempos, que traz para a cena um homem despido de masculinidade tóxica, chique, moderno e cheio de graça.
“Rir pra não chorar” é um verdadeiro antídoto para mudar os ânimos. E quem comprova que o ditado popular funciona é o publicitário convertido em humorista, Antonio Tabet. Foi na infância que ele teve que enfrentar o cara valentão da escola – e fez isso tirando proveito da inteligência. “Lembro-me que o primeiro contato que tive com o humor, na condição de emissário, foi através de um mecanismo de defesa. Um garoto grande e violento costumava intimidar a gente. Uma vez, ele partiu para cima de mim e eu o xinguei de algo completamente não convencional. As pessoas acharam graça, a risada foi geral, ele ficou sem jeito e foi embora. A partir daí, o humor virou, além de proteção, válvula de escape e, claro, um elemento que me tornaria menos impopular. Acabou ficando”, diz.
Com o passar do tempo, a veia cômica ganhou sofisticação. Tabet aprimorou os conhecimentos, amadureceu as sacadas e buscou inspiração em nomes como Millôr Fernandes, Luis Fernando Verissimo, David Letterman, Ricky Gervais e no grupo britânico Monty Python. “Na publicidade consegui fazer muitas conexões com o humor. São comuns as campanhas que apelam para linguagens divertidas. Mas queria ir além, e por isso resolvi criar um blog que comentava notícias e fazia montagens engraçadas: o ‘Kibe Loco’. Entre 2003 e 2006, ele foi um dos sites mais populares do País. Daí em diante, foi um caminho sem volta. Comecei a escrever roteiros para curtas e, mais tarde, a atuar.”
A vocação e a rapidez com que ele traduz para a sátira o que acontece em seu entorno acabou por incluí-lo no rol dos gigantes do segmento – e aí figuram Chico Anysio, Grande Otelo, Jô Soares, Costinha, Ronald Golias, Dercy Gonçalves, as trupes da TV Pirata e do Casseta e Planeta. Aos 48 anos, o sócio fundador do “Porta dos Fundos”, que conta com mais de 17,5 milhões de inscritos em seu canal do YouTube, sabe que o coletivo não apenas forma opinião, como se tornou um espaço para apresentar jovens talentos. O “Porta” ocupou as lacunas deixadas pelos programas humorísticos – e soube monetizar longe dos padrões tradicionais de mídia. “Somos uma produtora. Hoje, há cerca de cem funcionários em todas as áreas. De maquiadora a CEO. Mas a nossa ‘butique’, que são os esquetes semanais, segue a todo vapor. Temos reuniões de roteiro frequentes e gravamos em períodos específicos. Os vídeos sobre golpe de estado, por exemplo, são feitos mais rapidamente porque são conteúdos locais e datados, ao contrário de 90% do nosso portfólio. Tanto que exportamos esquetes para a Polônia e para o México.”
Criativo, inquieto e ambicioso, Antonio Tabet deixa escapar a timidez, mas nada que o faça corar. Por sinal, ele dribla facilmente a introspecção, descrevendo-se como se fosse uma estrofe do repertório meloso do cantor Wando: “Sou luz, raio, estrela e luar. Manhã de sol. Seu iaiá, seu ioiô”. Pai de dois adolescentes, Pedro e Leonardo, de 17 anos e 14 anos, respectivamente, o ator divide com os filhos a paixão pelo futebol, ou melhor, pelo Flamengo (e até sonha em ver o craque português Cristiano Ronaldo com a camisa do rubro-negro). A devoção pelo “Mengo” é tanta, que Tabet chegou a ser vice-presidente de comunicação do clube entre 2015 e 2017. De volta à condição de torcedor, ele lamenta a não convocação de Gabigol para a elenco canarinho e tieta Zico, Sócrates e Zidane.
No campo político, ele bem que tentou se manter firme numa terceira via. Evitou o quanto pôde declarar voto, e quando o fez, escreveu um desabafo – ciente do poder da sua voz e do tamanho da sua influência. “Se, há alguns anos, Gregório Duvivier me dissesse que eu apoiaria o Lula no futuro, diria que ele enlouqueceu. Por outro lado, se eu dissesse pro Gregório que o Lula seria novamente candidato, com o [Geraldo] Alckmin de vice e apoiado pela Marina [Silva], ele diria que eu enlouqueci.” A decisão do roteirista foi justificada pela eminente “polarização travestida de direita contra esquerda, o que, na verdade, trata-se de uma disputa da civilização contra a barbárie”. “Sempre fui liberal nos costumes, sou a favor das cotas, do casamento entre pessoas LGBTQia+, de ações mais inteligentes sobre as drogas, considero o aborto uma questão de saúde pública e não religiosa e, ainda assim, sempre fui rotulado como ‘o direitista do Porta’ só porque nunca fiz vista grossa para tudo o que houve de errado nos governos anteriores. Justamente por isso, pouca gente acreditava que revelaria o voto no Lula ainda no primeiro turno. Esperavam que eu insistisse numa terceira via condenada pelas pesquisas. Contudo, atuei com a razão para tentar eliminar o risco de reeleição de um presidente que passou quatro anos flertando com o fascismo, o machismo, a homofobia, o negacionismo ou impondo sigilos de cem anos ou trocas de comando na Polícia Federal para aliviar a barra dos filhos ou de bandidos. Bolsonaro é o pior que há. Se dominasse o Congresso, o Senado e o STF, o Brasil viraria uma Gilead de Damares e de [Silas] Malafaia.”
O novo sempre vem!
Focado em projetos inéditos, Tabet pontua que quer investir em formatos mais inclusivos. “No ‘Porta’ temos planejado séries, documentários, filmes... E não só de humor. Já para a minha carreira solo, pretendo usar a experiência do programa que apresentava no canal MyNews, onde entrevistei do general Mourão ao Guilherme Boulos, para fazer um talk show diferente. Acho que há espaço para conversas menos superficiais – e é aí que quero chegar, nas perguntas que ninguém pode fazer. Se tivesse a chance, indagaria ao presidente eleito sobre quando ele revogaria os sigilos do governo Bolsonaro. Também tenho planos de rodar um documentário com o Rafael Portugal e o segundo filme do Peçanha.” Por falar no “sargento-tenente-major”, ele é um dos maiores sucessos interpretados por Antonio, que, em suas palavras, “é o melhor e o pior sujeito do mundo”. Ele é um paradoxo estendido numa delegacia de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. É a hipocrisia personificada. Aquele corrupto que detesta corrupção, o machista que não admite violência contra a mulher, o miliciano que prende bandido e o especialista mais ignorante do assunto da semana. Ele tenta acertar errando e conta com uma boa dose de sorte para sobreviver. Um brasileiro típico”.
O estilo despojado, zero afetado ou ostensivo, faz dele um homem comum. Não comum do tipo sem graça. Ele é doce, mas tem um quê cáustico que o tira da seara dos chatos; é agradável sem ser falastrão. Talvez o predicado certo seja “magnético”. Antonio Tabet é o cara no centro das rodinhas, que pauta as conversas e puxa as gargalhadas. Tem elegância genuína e versatilidade camaleônica. O mesmo homem que desfila de bermuda, camisa de futebol, boné e chinelos tem a liberdade de vestir um terno de grife metida ou um paletó surrado. Esse ajustamento confere a ele a possibilidade de protagonizar papéis dos mais variados – do milico ao juiz, do político ao riponga lisérgico. “Prefiro interpretar e satirizar figuras de poder. Há a questão física que me impõe isso, evidentemente, mas cai naquilo que gosto. Sempre fui fã de atores que conseguem manter uma seriedade absoluta em situações cômicas, que vão além do constrangimento. Leslie Nielsen, Peter Sellers, Sacha Baron Cohen, Steve Carrell e Tony Ramos.”
Mas experimentar a fama não é um mar de rosas. Na medida em que a audiência sobe, o número de haters segue o fluxo. E a web ainda é terreno fértil para muita gente sentir-se acima do bem e do mal. O escritório do “Porta” foi alvo de um atentado terrorista – o primeiro ocorrido na era pós-ditadura. Nada foi feito – e os cinco acusados seguem soltos. “Produzo conteúdo para a internet desde 2002. São vinte anos de haters. Sabe o que eu faço com eles? Como no café da manhã. Descobri que hater bom é o bloqueado. Quase todos que te ‘odeiam’ nas redes pedem uma selfie quando te encontram na rua. Agora, se o cara passa do limite, a Justiça está aí pra isso. É pedido de desculpas, indenização e pronto. Vida que segue. Já ganhei um bom dinheiro de alguns paspalhos” – e ele estende o assunto à independência (e aos inconvenientes) de fazer comédia numa plataforma digital: “Quando o humor é engraçado, estes ‘inconvenientes’ só ocorrem se o ‘ofendido’ é burro, pilantra ou mau caráter. E aí acaba virando troféu. Se o ‘Porta dos Fundos’ nunca tivesse insultado pastores vigaristas, deputados corruptos ou grupos nazistas, estaria decepcionado. Quanto ao ‘politicamente correto’, sou um entusiasta. O tal limite do humor é a lei. E as leis tendem a evoluir para ser mais inclusivas. Simples assim. Quando eu era criança, fazer piadas afrontosas era normal. Fui me corrigindo aos poucos. Mas há dez anos, praticamente ‘ontem’, ainda havia na tevê aberta este tipo de ‘humor’. Era parte de uma estrutura sob as bênçãos das convenções sociais. Agora, sinto-me uma pessoa melhor por combater isso, influenciar pessoas e ter educado os meus filhos de forma diferente. Mas ainda há muito a melhorar. Educação ajuda a coibir naturalmente esses hábitos. E, do outro lado, a patrulha progressista precisa também ser mais saudável. Educar é melhor que condenar sem julgamento. A cultura do cancelamento faz mais mal do que bem. Por exemplo: uma pessoa ignorante que faz uma piada infeliz não pode ser rotulada como nazista do dia para noite. Isso só beneficia quem é nazista de verdade. Eles deixam de se ver como marginais e ainda têm as cores atenuadas por quem é acusado injustificadamente”. @ANTONIOTABET
Créditos:
Fotos: BRUNA CASTANHEIRA
Edição de moda: ANA PARISI
Beleza: PATRICK PONTES
Texto: PATRÍCIA FAVALLE
Cenografia: RICARDO ISHIHAMA
Vídeo: DUS HAMANAKA MANDELL
Produção executiva: ALESSANDRA DELLA DROCCA
Assistentes de foto: BIA GARBIERI e STEFANY VILLAR
Assistente de moda: AMOS FONSECA
Camareira: IRIS DANTAS
Tratamento de imagem: VICTOR WAGNER
Locação: BAR DOS ARCOS
AGRADECIMENTOS HOTEL CANOPY SÃO PAULO JARDINS e FREIXENET