Hommes

Chile - A joia ímpar do continente sul-americano

Marcante de um extremo a outro, o Chile é uma das joias do continente sul-americano, com direito a desertos, glaciais, montanhas, flflorestas e constelações

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Foto: Bigo Berg

Chile ao extremo norte, no coração de San Pedro de Atacama, na região de Antofagasta, ergue-se a homônima Igreja no ano de 1557, e desde então tem passado por uma série de restaurações para preservar as estruturas originais prejudicadas por incêndios e terremotos. Declarado como Monumento Histórico em 1951, o conjunto arquitetônico também representa a relevância cultural e o sincretismo religioso marcados pela presença dos espanhóis no país. Com traços característicos do barroco andino, a construção composta pela nave de 41 metros de comprimento, duas capelas laterais, batistério, sacristia e a torre com o sino se destacam nesse lugar aparentemente inóspito, mas essencialmente mágico. Abastecido pelos rios San Pedro e Vilama, o povoado de San Pedro de Atacama, que serviu de casa para os atacameños e foi influenciado pelos tiwanaku e pelos incas, detém ainda paisagens lunares, emaranhados de ruas, lojas de presentes e feiras de artesanato que atraem milhares de turistas anualmente.

Para chegar ao local, com seus pouco mais de 5 mil habitantes, pegamos um voo de São Paulo com destino à capital Santiago, e de lá seguimos por um percurso de duas horas até a cidade de Calama, que serve como porta de entrada para o deserto. Nos hospedamos no Tierra Atacama Hotel Aventura & Spa e, dias depois, em outro endereço da rede na Patagônia. De pronto, foi possível notar como o complexo alinhou-se às paisagens do entorno das estruturas de ferro, de madeira e de pedra ao acabamento do barro que tingiu as paredes das fachadas e das áreas comuns de tons pastel e terrosos, passando pelas janelas das suítes com vista para o vulcão Licancabur e para a Cordilheira dos Andes e pelas peças em forma de lhamas esculpidas em rochas vulcânicas. Cada detalhe, somado à atenção do staff, ampliou a sensação de pertencimento a esse lugar de beleza árida e orgânica.

“PELAS JANELAS das SUÍTES se AVISTA o VULCÃO LICANCABUR E a CORDILHEIRA dos ANDES... CADA DETALHE em SAN PEDRO de ATACAMA AMPLIA a SENSAÇÃO de PERTENCIMENTO a a ESSE LUGAR de BELEZA ÁRIDA e OGÂNICA”

Tão logo nos instalamos, atravessamos por alamedas cercadas de plantas nativas e árvores frutíferas, das figueiras às romãzeiras, até o salão decorado com um mapa ampliado da região, onde nos reunimos com os guias do hotel. Enquanto alguns casais e famílias com crianças tomavam o café da manhã, grupos animados partiam para suas excursões. Vez ou outra, alguém se servia de uma xícara de chá de folha de coca para minimizar os muitos efeitos da altitude. Em nossa mesa, o chefe dos guias apresentava os serviços oferecidos no spa e falava sobre os passeios disponíveis para aqueles que sonhavam em desbravar o território. Sabendo que tipo de aventura cada um procurava, as turmas eram organizadas e a programação, agendada. Com o final do encontro exploramos cada canto do Tierra, a piscina externa, a interna ao lado do spa, a pequena loja e as plataformas delineadas para receber conversas animadas ao redor da fogueira.

No nosso caso, os roteiros pelos gêiseres de Tatio, pela lagoa Cejar e pelo Vale do Arco-Íris soaram irresistíveis. Para visitar um gêiser é necessário acordar cedo, às 5h da manhã, e acolher as orientações dos nossos anfitriões, trocando a mesa de pães, frutas e outros acompanhamentos por apenas um copo com café. É preciso ser rápido, por assim dizer. No trajeto de uma hora e quarenta minutos até a bacia geotérmica, apreciamos o breu da madrugada e o que o contorno das sombras revelaram no horizonte. E, então, tal como uma gigantesca panela de pressão, as águas que foram aquecidas pelos primeiros raios solares sob as terras vulcânicas de Tatio romperam enfurecidas do chão, acompanhadas de nuvens de vapor, num jato espesso de cerca de 10 metros de altura.

Foto: Bigo Berg

Logo após o espetáculo rumamos a um vale onde um verdadeiro piquenique foi servido, com a vista para uma planície em que éramos constantemente surpreendidos por revoadas de flamingos cor-de-rosa e vicunhas que se aproximavam curiosas. Estivemos nos dias seguintes na lagoa Cejar, onde todos flutuaram como crianças nas piscinas naturais de tom esmeralda, uma brincadeira possível em razão do alto índice de lítio e de salinidade da água, que não deixa os banhistas afundarem, e no Vale do Arco-Íris, distante 90 quilômetros de San Pe- dro de Atacama, coberto por uma infinidade de minerais, de argila e de ferro que, uma vez oxidados, tingem de vermelho, laranja, amarelo, branco e verde as formações rochosas. Outro espetáculo desse ambiente único está no alto, entre as estrelas. Chamado de “Astroturismo” ou “Tour Astronômico”, o encontro noturno lembra as rodas que os antigos costumavam fazer nas cidades, hoje mais comum no campo. Endereço dos principais observatórios do planeta, a exemplo do ALMA (Atacama Large Millimeter Array), o deserto convida a olhar para o céu utilizando o telescópio dividido pelos presentes, enquanto os monitores nos contam sobre as constelações e a faixa nebulosa da Via Láctea.

Antes de sair do Atacama rumo à Patagônia, notamos que existiam amplos trechos protegidos por arames farpados. Nosso guia explicou que isso se devia à decisão do general Augusto Pinochet, ditador que comandou o país de 1973 a 1990, de instalar mais de 180 mil minas terrestres nas fronteiras com o Peru, a Bolívia e a Argentina, nas regiões de Magallanes, Tarapacá e Valparaíso, entre outras. Antofagasta, onde estávamos, também figura nesta lista. Mesmo com os esforços dos militares do plano de Desminagem Humanitária para a remoção dos artefatos antipessoais e antitanques feito nas últimas décadas, quase 200 pessoas foram mutiladas ou mortas pelas explosões.

Foto: Bigo Berg

Beleza Rara

A troca de horizonte pediu que voltássemos a Santiago, onde passamos a noite. Distante cinco horas do ponto em que partimos na manhã seguinte, o Tierra Patagonia Hotel Aventura & Spa estende-se grandiosamente em frente ao lago Sarmiento e sua praia de pedras, tendo a entrada do Parque Nacional Torres del Paine como pano de fundo. O projeto assinado pela arquiteta chilena Cazú Zegers trouxe a leveza da madeira lavada, matéria prima escolhida para propor um diálogo entre a estrutura sinuosa de 4,9 mil metros quadrados com o exterior de potência delicada. “A silhueta do prédio aparece como se houvesse sido desenhada pelo próprio vento; uma força da natureza que é característica da Patagônia”, como descreve o prospecto da empresa.

Semelhante ao que aconteceu no Tierra Atacama fomos levados aos nossos dormitórios, organizamos a agenda para os quatro dias de estadia, saboreamos algumas receitas do cardápio e descansamos antes de a diversão começar. Durante o amanhecer, cabe aqui um spoiler, a primeira coisa que assistimos foi o céu estampado com a cor laranja. Em meio ao outono, com as folhas das árvores igualmente desbotadas por tonalidades de vermelhos-alaranjados, o cenário pareceu retirado de uma série de ficção científica. Empolgados pela adrenalina, avançamos ao longo das nove horas de trekking na rota do mirador base de Las Torres em que se contemplam os picos que serviram de inspiração para dar nome ao parque, as torres Norte, Central e Sul, e percebemos porquê o guia havia perguntado sobre o nosso nível de condicionamento físico. A caminhada que se deu tranquila em boa parte do tempo, cercada de uma vegetação lindíssima, árvores centenárias cobertas por folhas vermelhas, e pelo barulho da água gelada dos rios e de uma sucessão de pontes, atingiu um ritmo considerado difícil nos últimos noventa minutos, com a subida íngreme puxando todo o ar dos pulmões.

Foto: Bigo Berg

No piquenique servido para o grupo antes da descida, logo após contemplarmos o espetáculo, compartilhamos as impressões do lugar e trocamos experiências. O lago Grey, outra das muitas maravilhas chilenas, declarado Reserva da Biosfera Mundial, aproxima o visitante das atividades com caiaques ou canoas por águas de 500 metros de profundidade. No passeio que fizemos, chegamos ao local marcado com o carro do hotel, cruzamos uma praia de pedras pretas e subimos em um barco vermelho para navegarmos entre os glaciais do lago e nos depararmos com pinguins e icebergs. Diferentemente de tudo que vivenciamos até ali, acompanhamos a tripulação recolher um pequeno pedaço solto desse gelo, que poderia ter milhares de centenas de anos, quebrá-lo em fragmentos minúsculos e servi-lo com uísque. Um drinque memorável. Por fim, cavalgamos em belos animais da raça crioulo, atravessando florestas e correntes de águas caudalosas, conversamos com os nossos amigos na cocheira e nos sentamos na varanda aberta do Tierra para curtir o entardecer, escoltados pela mascote do hotel, uma pequena raposa simpática que observa o movimento de uma distância confortável. Falando nisso, do lado oposto, perto da piscina coberta e da jacuzzi, era comum vermos lhamas, alpacas e vicunhas, todas muito à vontade, mostrando que o respeito é a mãe de toda a convivência. Eis um dos segredos que toda a natureza preserva. 

Foto: Bigo Berg

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