Paladar Latino: Ingredientes e texturas que vão ganhar seu coração
Por muito tempo a gastronomia tida como exemplar aos olhos do mundo era aquela com técnicas e ingredientes vindos de países europeus, com grande tradição em haute cuisine. Da entrada até o cafezinho, que costuma fechar a experiência do sabor em grande parte das culturas, um pé na Itália ou na França era imprescindível. Há alguns anos, contudo, isso vem mudando em todo o planeta, tendo na América Latina um ponto expressivo para redescobrir ingredientes, texturas e processos.
A hora do frescor
Andando por grandes mercados internacionais, como o Chelsea Market, em Nova York, o St. Lawrence Market, em Toronto, ou pelas redondezas do tradicional Borough Market, de Londres, você começa a ver os locais que vendem arepas venezuelanas, ceviches peruanos e comida chilena florescer entre turistas e locais.
“Ultimamente, houve uma grande mudança nos hábitos alimentares, com as pessoas cada vez mais valorizando produtos frescos”, diz Débora Shornik, chef no comando do Caxiri, restaurante que exalta a riqueza de sabores da Amazônia. Frescor é algo que a cozinha latino-americana tem de sobra. Mesmo longe de suas origens, nesses pon- tos de venda que são patrimônios da humanidade, é possível pegar carne ou vegetais e transformá-los em pratos reconfortantes, feitos com técnicas de países de culturas nativas ímpares.
Com tal interesse internacional pela rica culinária feita abaixo da linha do Equador, em um ato que ainda flerta com a herança colonialista, muitos consumidores latinos começaram a valorizar a sua gastronomia. No Brasil, por exemplo, frutos e temperos regionais ganham espaço em restaurantes “com assinatura”, cujos chefs, há tempos, praticamente catequizam seus clientes para enveredar por pratos ricos em nossa ancestralidade. Ingredientes que antes eram renegados agora encontram palco para brilhar, como o melaço de cana, o queijo coalho, peixes de rio doce e o cumaru, considerado a baunilha do cerrado. Dentro desse tabuleiro que hipnotiza os sentidos, basta encarar o inusitado para se apaixonar.
Amazônia, sabor e essência
Para quem está em busca das raízes amazônicas, a chef Débora Shornik indica valorizar o produto local: “A gastronomia brasileira é enorme e está, cada vez mais, se conectando com o produto e com o produtor. Para mim, a essência da comida nacional é indígena. Vejo um movimento de resgate importante nessa direção”, comenta.
Para ela, precisamos conhecer mais ingredientes como a mandioca em suas diversas formas, como a farinha de crueira, o arubé, os molhos de pimenta a partir da mandioca puba e toda a versatilidade do tucupi. “A comida é a maior manifestação cultural de um lugar. A amazônica, por si só, é cultura pura”, exalta Débora, que intitula sua cozinha como “mestiça” e slow food.
(Pratos para provar: Matrinxã assado na brasa e a deliciosa costela de tambaqui com mil folhas de banana pacovã. “Recomendo muito o restaurante La Huella, em José Ignacio, no Uruguai”, Débora Shornik)
Peru - do mar ao mato
Para quem gosta da acidez e da picância da culinária peruana, outra estrela atual da gastronomia no mundo, Marisabel Woodman, chef do La Peruana, em São Paulo, convida a ir além do ceviche: “A culinária peruana é o resultado de uma maravilhosa fusão das gastronomias de diferentes culturas que imigraram ao Peru ao longo do tempo. Além da cultura nativa, temos influências de países europeus, asiáticos e africanos, que, com o passar dos anos, foram deixando um legado. A isso também se soma a diversidade do solo e microrregiões dentro do Peru: costa, serra e selva. Cada uma com ingredientes e técnicas diferentes, que deixam ainda mais rica a nossa gastronomia”, explica. “O Peru tem uma quantidade imensa de pratos típicos que vão muito além do ceviche. Temos causas e tiraditos, que são uma delícia. Também gostamos muito da comida criolla, como o cabrito num molho de coentro e chicha de jora (tipo uma aguardente de milho) servido com feijão, arroz e tamalitos verdes (que é como se fosse uma pamonha salgada, com coentro). Se hoje eu tivesse que escolher o meu último prato antes de morrer, seria esse cabrito que a minha avó faz”, completa Marisabel.
Pratos para provar: Olluquito (tubérculo andino) cozido com carne e temperado com aji panca, páprica, orégano e outros temperos. Ele é servido com arroz.
(“Indico o Juan Luis Martinez. Ele é um chef venezuelano. Já era muito bom quando o conheci, na escola de gastronomia. Hoje, depois de trabalhar anos em restaurantes renomadíssimos pelo mundo e no Peru, decidiu abrir em Lima o seu primeiro restaurante, chamado Mérito. Na minha opinião, só isso já vale a viagem a Lima”, Marisabel Woodman)
Riquezas do Atacama
A gastronomia chilena também é muito particular, ganhando cada dia mais notoriedade internacional. Ela combina elementos provenientes de distintas culturas e tradições. “No Chile, temos o privilégio de contar com diversas paisagens e climas, que nos entrega uma variedade de alimentos incrível. A tendência dos últimos anos é a recuperação de ingredientes locais”, diz Francisco Valencia, chef chileno que comanda a cozinha do Tierra Atacama, hotel e spa na região de Antofagasta. O Atacama, aliás, é um ponto de muita riqueza de sabores. É um patrimônio cultural chileno. “O deserto é especial. Sua gastronomia recorre, de maneira criativa, aos produtos que a região oferece. A cozinha atacamenha nasce das tradições culturais de distintos povos originários, como os diaguitas, incas e aymaras. Todas essas culturas aproveitaram os ingredientes que se encontram no altiplano, como o chañar, a quinoa e a alfarroba”, diz Francisco. O chañar, pequeno fruto amarelado, é uma das estrelas do deserto. Suave, lembra muito o doce de leite e serve para fazer um dos mais típicos sorvetes que você poderá provar entre um passeio e outro por essa região árida e de paisagens exuberantes. Pratos para provar: Frango de grano a la parrilla com chimichurri, acompanhado de choclo a la crema e tomate assado ou empanada de quinoa com vegetais e queijo de cabra.
(“Gosto muito do trabalho do chef Rodolfo Guzmán, uma grande referência chilena que revolucionou a nossa gastronomia exaltando os produtos nativos do país”, Francisco Valencia)