Hommes

Hiperexposição: A exaustão da vida

 A condição humana está sendo instagramada.

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Antes de inaugurar uma nova possibilidade, esse que vos fala agora decodificado em palavras vagou por dias e horas a fio sobre o que na verdade seria o certo a se dizer. A falta de ação surge porque em uma sociedade “hiperexpositiva” tudo é passível de compartilhamento. Nesse caso, estaria eu contribuindo mais em compartilhar ou em manter o silêncio? 

Os mais ou menos cento e vinte anos de audiovisual que começam no cinema mudo e chegam nas narrativas realistas foram orquestrados por um desenvolvimento tecnocientífico voraz e veloz. O arquétipo do Herói em jornadas épicas nos ajudava a enxergar as representações de um conflito, levando o espectador a habitar um novo estado através do espelhamento e desvelando a camada inconsciente. Os filmes passaram a ter também o intuito de levantar discussões, expor situações de vulnerabilidade e muitas vezes foram retratados e usados como instrumento de perpetuação do patriarcado.

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Foto: Pexels

O Brasil, como um dos países que mais acessa a internet, foi se tornando um expert na vida alheia - processo iniciado em passos excludentes desde o início dos reality shows e hoje, habitando um lugar com mais representatividade do que representações.

Para sobreviver à revolução tecnológica é necessário recorrer a um avatar. Criar um avatar é como traduzir seu Herói interno, fazendo alusão ao que há de melhor e mais poderoso na vida e acreditar nisso de modo que os outros também comprem essa "persona". Acontece que apostar todas as fichas na ilusão criada por você mesmo pode te fazer dar voltas em círculos, existindo a partir de um ponto que não abarca a totalidade mas opera em caráter polarizado, segregativo. 

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Foto: Pexels

Caber em um sistema algorítmico pode se tornar um precipício se não houver um processo de desenvolvimento individual que vá além do consumo voraz de informações, gerando assim uma massificação. 

Para Jung, esse processo é chamado de "individuação", que consiste no caminho em busca de um senso de identidade, uma estruturação do Eu: onde ele começa, termina, quais suas linhas, contornos e como eu me identifico e me expresso nas relações. 

 Coisas boas levam tempo para existir consistentemente e necessitam de prática de escuta, reflexão e aprimoramento. O imediatismo auxilia e ao mesmo tempo retarda a expansão da linguagem a partir do momento em que o senso crítico e a elaboração ficam em segundo plano, dando espaço à necessidade de concordar e pertencer em primeira instância.

Compartilho, logo existo: engajamos sintomaticamente enquanto o mistério pulsante da dúvida some e cede espaço à falácias nas redes, que entregam os cinco passos para todos os nossos problemas. Tudo indica o caminho ideal para a realização plena, mas algo nos escapa. Sempre escapou. Não existe linearidade. O que escorre é o que de fato nos coloca em movimento, em um processo de lapidação artesanal e precisa. A hiperexposição nos coloca no limiar da falsa escolha, trazendo ideias frágeis de um eu fictício coagido pela informação - a memória se subutiliza e é soterrada por dados, arrobas e efeitos que modificam as camadas da realidade e imprimem um novo SELFIE.

 

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Foto: Pexels

"A informação não é uma conclusão. Por isso, ela tende à proliferação e à massificação. Nisso, ela distingue tanto do saber quanto do conhecimento e da verdade." 

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Foto: Pexels

Em "Se eu fechar os olhos agora - em busca de um outro tempo", BYUNG-CHUL HAN enfatiza o ato de fechar os olhos como uma conclusão e consequentemente o encerramento de algo. Dessa forma, a memória volta a se tornar camada, condição essencial para a construção de novos pilares na humanidade. Do contrário, ao invés de  ser usada para uma estruturação autônoma em busca de um processo digno de individuação, a memória se torna "algoritmizada" por um padrão e nicho específicos. A perda da experiência se dá em muitos níveis e no cerne de tudo perdemos subjetividades e poesias orquestradas pelo tempo que ninguém vê passar ao passo que nos tornamos massa de uma positividade tóxica por trás de avatares sobre-humanos indefectíveis apesar de, meramente, ordinários.

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Foto: Pexels

Ator, Roteirista, Diretor e Produtor, Felipe Ribeiro começou sua carreira em 2015, na novela "Babilônia" (TV GLOBO). Em seguida dedicou-se ao Teatro, onde, entre oito espetáculos, passeou por múltiplas linguagens. Retornou ao audiovisual em 2019, no docudrama "Vitimas Digitais" (GNT) e fez parte do elenco de "Maldivas" (NETFLIX, 2022). Atualmente estuda Filosofia e abriu a Santa Bárbara, sua produtora focada em desenvolvimento de conteúdos e projetos para o audiovisual. 

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