Machado de Assis viraliza nas redes sociais e reacende debate
Autor é tema de vídeo de influenciadora americana que alavancou as vendas de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881)
Machado de Assis é considerado uma das maiores vozes da Literatura Brasileira. Integrando a lista dos clássicos, o autor brasileiro viralizou nas últimas semanas quando a obra Memórias Póstuma de Brás Cubas (1881) foi tema de um vídeo nas redes sociais. O fenômeno reacendeu o debate sobre a valorização da leitura e da cultura brasileira, além da recepção literária do escritor brasileiro fora do país.
“Preciso ter uma conversa com o pessoal do Brasil. Por que não me avisaram antes que este é o melhor livro já escrito? O que vou fazer do resto da minha vida depois que terminá-lo?”, disse a influenciadora e podcaster americana Courtney Henning Novak, 45, em seu perfil oficial no Tik Tok no qual tece elogios ao livro de Machado de Assis. Como parte de um desafio, ela se propôs ler uma obra literária de cada parte do mundo seguindo uma lista de países organizada por ordem alfabética. Machado de Assis estava representando o Brasil.
No vídeo que ultrapassa 700 mil visualizações, Courtney destacou o bom humor e a irreverência do texto de Memórias Póstumas de Brás Cubas. A obra, publicada em formato de folhetim em 1880 e reunida como romance em 1881, trata da biografia de Brás Cubas contada pelo narrador-personagem que se denomina um “defunto-autor”, ou seja, sua vida será contada direto do túmulo. Na dedicatória do livro, é possível perceber um texto que se vale de uma mistura de ironia, humor e horror. “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”, diz dedicatória em forma de lápide aos leitores.
No universo digital, a informação de que o narrador está morto poderia ser um spoiler do enredo. Depois de morrer de pneumonia, Brás Cubas resolve escrever suas lembranças em formato de livro. Em 160 capítulos curtos, ele expõe a elite carioca no que tem de mais hipócrita e extravagante no século 19. Por esse motivo, a obra é considerada o marco inaugural do Realismo no Brasil.
Para o professor Edson Flávio, doutor em Estudos Literários pela Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat/PPGEL), Machado de Assis fez um crônica social em que revelou ações e pensamentos de uma época. “Com seus personagens, podemos ler a sociedade, o destino humano no espaço e no tempo, onde a observação se submete à reflexão e à ironia ou quase humor. Em suas obras, há uma reflexão da condição existencial do homem que vive buscando equilíbrio entre o amor e o poder em que para cada ação existe uma reação”, explicou o pesquisador.
Após o boom de visualizações do vídeo de Courtney, a edição americana de Memórias Póstumas de Brás Cubas liderou a lista de mais vendidos na categoria Literatura Latino-Americana e Caribenha na Amazon dos Estados Unidos. A obra brasileira ultrapassou clássicos consagrados de outros países, como O amor nos tempos do cólera (1985), do colombiano Gabriel García Marquez, e Os detetives selvagens (1998), do chileno Roberto Bolaño.
Depois de elogiar a obra machadiana, a influenciadora americana não escondeu o seu desejo de aprender Língua Portuguesa. “Estou lendo uma tradução de Flora Thomson-Devaux. É incrível, mas não consigo nem imaginar o quão bom esse livro deve ser em Português. Então, agora, no meio de um projeto de leitura ao redor do mundo, tenho a missão paralela de aprender a língua”, afirmou ela entusiasmada.
O fato de Machado de Assis ter viralizado nas redes sociais também pode reacender o debate sobre a valorização da leitura e, sobretudo, da cultura brasileira. O professor Edson Flávio acredita que o universo digital pode incentivar a prática da leitura. “O mercado editorial, mas sobretudo os leitores devem explorar as redes e compartilhar conteúdos como esse. O incentivo à leitura não pode mais ser visto como algo a ser feito apenas na sala de aula, que é muito importante, ou limitado ao círculo familiar. A era digital precisa ser, também, a era da literatura”, explicou o professor.
Machado de Assis pode ter viralizado nas redes sociais por se tratar de um clássico que explorou temas universais ao longo de gerações. “As formas com que o autor sonda a psicologia humana foram tão importantes para dizer sobre o Rio de Janeiro do século 19, como são hoje para dizer de nós mesmos”, disse o professor Edson Flávio sobre o legado da obra machadiana.
Em se tratando de clássicos, o escritor e jornalista italiano Ítalo Calvino consegue definir o alcance da obra ao longo do tempo. Para ele, "um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer".