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Manoel Soares bate um papo com a L'Officiel Hommes Brasil

"Eu sou a oportunidade!" O escritor e apresentador Manoel Soares relembra a sua jornada profissional e celebra o momento especial que vive.

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Fotos: Divulgação

Nascido na periferia baiana, ele é o segundo filho de seis irmãos. Com pretensões nada compatíveis ao contexto social em que vivia, Manoel Soares se sentia deslocado por não possuir as habilidades manuais comuns em sua família. “Todos os meus irmãos tinham talentos para trabalhar na construção civil. Um era carpinteiro, outro serralheiro. Eu até tentei trabalhar como servente de pedreiro, mas o que acontecia é que os outros colegas deixavam os afazeres de lado para ouvir as minhas histórias. Foi a ausência de talentos que me trouxe onde estou hoje”, relata.

O exercício permanente da fala sempre foi um problema para ele. “Fui afastado de três colégios porque era comunicativo demais. Segundo ele, que foi gago até os 11 anos, a mãe, que trabalhava perto de uma das escolas, conta que sempre ouvia a frase: “Cala a boca, Manoel!”. Com o tempo, ele se deu conta de que a sua principal dificuldade era a única forma capaz de o libertar. “Falar sempre foi muito fácil para mim. Dos 11 aos 17 anos eu fui evangélico e tinha que bater nas casas das pessoas pela manhã. Era incrível como amavam me receber e eu fazia tudo de forma intuitiva.” Em 1988, com a mãe e os irmãos, mudou-se para Laranjal Paulista, interior de São Paulo, fugindo de um contexto de violência doméstica. Em 1997, Manoel seguiu para o Rio Grande do Sul para tentar a vida, e acabou vivendo em situação de rua. “Nesse período, uma emissora de tevê passou por mim e fez uma enquete. Viram que falei bem e me chamaram para uma entrevista no estúdio, num programa de hip-hop. Depois disso, me ofereceram um trabalho de faxineiro. Era lá que dormia clandestinamente”, conta. Durante esse tempo, ele aprendeu a fazer edição, fez um curso de rádio e em determinado momento a empresa precisou de alguém para fazer reportagem externa. “A minha intenção era trabalhar lá e juntar dinheiro para vender cachorro-quente no viaduto. Nunca imaginei que o jornalismo me traria onde estou hoje. Não acho que as oportunidades surgiram na minha vida como num passe de mágica; na verdade, eu sou a minha melhor oportunidade. As necessidades foram aparecendo e eu atendia essas necessidades.” Nos últimos meses, Manoel tornou-se o primeiro apresentador negro de um programa matinal brasileiro, e celebra o momento especial na carreira. “É muito emblemático para mim. Falo com mais de 15 milhões de pessoas diariamente e fico encantado em como podemos ajudar tanta gente. Estou feliz demais com esse projeto e acho que temos muito a entregar”, diz.

“Todos os meus irmãos tinham talentos para trabalhar na construção civil. Um era carpinteiro, outro serralheiro. Eu até tentei trabalhar como servente de pedreiro, mas o que acontecia é que os outros colegas deixavam os afazeres de lado para ouvir as minhas histórias. Foi a ausência de talentos que me trouxe onde estou hoje."

Apaixonado por seus seis filhos, foi um deles que motivou a escrita de seu terceiro livro “Para meu amigo branco”, onde questiona o racismo estruturado e muitos hábitos incorretos que temos enraizados. “O meu penúltimo filho, apesar de a mãe também ser negra, tem uma pele muito clara. E educar uma criança de pele clara no Brasil é muito difícil porque o sistema social é muito racista. Nós convivemos com um cenário de que a existência negra é naturalizada. O mundo ensina a todos que os brancos são seres superiores. Pode até existir uma consciência dentro da lógica de que é necessário ver a todos como pessoas iguais, mas é evidente que existe um viés de superioridade. E foi para que o meu filho entendesse o que se passa ao redor, que resolvi escrever um manual, que acabou virando livro e, para minha surpresa, uma peça de teatro.”

Recentemente, Manoel recebeu na Tanzânia o título de Embai- xador Cultural da União Africana, conferido pelo conselho econômico e cultural da The African Pride, organização que promove a integração entre os países do continente africano, desde 2002. “O meu principal objetivo é criar uma conexão entre o Brasil e a África que não gere apenas igualdade ou pertencimento, mas que fomente o desenvolvimento econômico de fato. Falamos de temas existenciais, científicos e educacionais aos quais o Brasil não teve acesso, e a minha função é criar cenários para promover essa in- teração de forma prática e não só filosófica”, finaliza.

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