Peru: conheça um destino alternativo e cheio de conhecimento
Aventura de autoconhecimento! Destino preferido do turismo xamânico no Peru, Pucallpa mantém-se como um reduto da ayahuasca e de saberes tradicionais do povo Shipibo-Conibo.
Expandir a consciência, mergulhar no desconhecido, desbravar limites, entender-se melhor e mudar a visão sobre o mundo e a vida. É mais ou menos essa a receita do turismo xamânico, um combo que tem atraído cada vez mais pessoas de diferentes países para a Amazônia peruana. Um dos destinos preferidos é Pucallpa, na região de Ucayali, local que segue sendo reduto de saberes tradicionais do povo Shipibo-Conibo. O principal atrativo para os viajantes que desembarcam por lá é a ayahuasca, uma poderosa beberagem psicodélica usada em rituais de cura há milhares de anos por indígenas da região.
Em fevereiro deste ano, quase mil estrangeiros visitaram Pucallpa, segundo dados mais recentes do serviço de turismo da cidade. Acredita-se que mais da metade tenha ido por causa da ayahuasca. Uma das razões para tanto entusiasmo é o avanço de pesquisas científicas. Pacientes com depressão e dependência química, por exemplo, apresentaram melhoras em pesquisas clínicas com o chá. Outro motivo é que, diferentemente de alguns países da Europa, o uso da ayahuasca no Peru é legalizado. No Brasil, o uso ritual também é permitido por uma resolução do Conad (Conselho Nacional de Políticas de Drogas), de 2010.
Preparada com duas plantas amazônicas, a ayahuasca é conhecida por proporcionar uma viagem profunda para dentro de si. Não é à toa que uma tradução comum para o nome quéchua “ayahuasca” é “vinho da alma”. Portanto, caso o seu próximo destino de via- gem seja a selva peruana, com o objetivo de bebericar a ayahuasca pela primeira vez, saiba que essa pode realmente ser uma vivência transformadora. Mas, atenção: vá com cuidado.
O psicólogo norte-americano Timothy Leary, um dos mais notórios psiconautas (nome dado aos navegantes do campo psicodélico), na década de 1960, após experiências com cogumelos alucinógenos escreveu um manual com dicas que até hoje seguem valendo. No livro “A Experiência Psicodélica”, o pesquisador apresenta o conceito de “set” (estado mental) e “setting” (ambiente), termos usados atualmente por cientistas do circuito lisérgico. Em outras palavras, isso quer dizer que o simples ato de tomar ayahuasca ou outro alucinógeno não garante uma vivência de transformação e transcendência.
A qualidade e a segurança da viagem dependem especialmente de suas condições emocionais e do local onde você está. Ou seja, é preciso se preparar para uma cerimônia com ayahuasca e somente fazer isso guiado por pessoas experientes. Também há contraindicações, como o uso de alguns medicamentos antidepressivos, e transtornos psiquiátricos agudos, como psicose e esquizofrenia.
Hora do chá
A selva amazônica há décadas é um dos principais destinos para quem deseja provar a ayahuasca. Na década de 1950, durante os primórdios da psicodelia norte-americana, os escritores da “beat generation”, e símbolos da contracultura, William Burroughs e Allen Ginsberg lançaram-se numa expedição para lá de incomum, principalmente para a época.
Enfrentando todos os tipos de agruras, os autores (primeiro Burroughs, depois Ginsberg) viajaram para a Amazônia em busca de xamãs em comunidades indígenas de difícil acesso. O objetivo era conhecer o puro barato psicodélico da ayahuasca. A principal parada da dupla foi Pucallpa. A história foi contada no livro “Cartas do Yagé”.
Pucallpa, palavra quéchua que em português é terra vermelha, é a segunda maior cidade da Amazônia peruana. Está localizada na região de Ucayali, fronteira com o Brasil. A maneira mais rápida e confortável de viajar até lá é por Lima. Da capital peruana são cinquenta e cinco minutos de voo. Na urbe, uma das melhores opções para uma experiência com ayahuasca é a comunidade nativa Shipibo-Conibo San Francisco. Pode-se ir por barco ou pela estrada. De carro chega-se em menos de uma hora ao bairro chamado Yarinacocha, um dos principais pontos turísticos da região, a cerca de sete quilômetros do centro de Pucallpa.
Na comunidade é possível comprar cerâmicas, tecidos e artesanatos. Mas, na categoria “xamanismo”, um dos locais mais conhecidos é o Centro de Medicina Ancestral Oni Nete, do xamã Mateo Arévalo Maynas. Além de curandeiro respeitado, Mateo, de 69 anos, é uma importante liderança política do povo shipibo. Ele conduz dietas com plantas amazônicas medicinais, cerimônias de ayahuasca, retiros e tratamentos de diferentes doenças. “Meus avôs, pais, tios e primos são todos curandeiros”, diz. Ele conta ser a continuação de uma família de xamãs. “Bebi ayahuasca pela primeira vez aos 12 anos e, aos 25 anos, comecei a dirigir cerimônias com o chá. Há mais de quatro décadas, o curandeiro dedica-se a esse caminho. “A ayahuasca me mostrou quem eu era e o que deveria fazer.”
Mas, para encarar uma trip por lá, é importante estar munido de espírito de aventura e boas doses de desprendimento, coragem e paciência. No centro do xamã não tem energia elétrica, internet só de vez em quando, e as acomodações são em cabanas bastante rústicas.
Arte psicodélica
Uma atração imperdível em Pucallpa é visitar a casa do artista peruano Pablo Amaringo, pioneiro da arte psicodélica, que faleceu em 2009. O local também foi seu estúdio e uma escola de pintura, a Usko Ayar, criada em 1988, hoje administrada por seu filho, Juan Vásquez Amaringo.
Após um tempo trabalhando como curandeiro, Pablo Amaringo consagrou-se internacionalmente na década de 1980 com pinturas inspiradas nas visões da ayahuasca, apoiado pelo antropólogo colombiano Luis Eduardo Luna e pelo pesquisador norte-americano Dennis Mckenna.
Em obras vibrantes e complexas, Amaringo retratou a expansão da própria consciência. “Expressam a biodiversidade do universo, planetas, seres extraterrestres, plantas amazônicas, lugares mágicos e casas de ensinamentos em reinos celestiais que somente os verdadeiros xamãs conseguem acessar”, descreve Juan Amaringo, que também se dedica à pintura visionária (como o estilo é conhecido na Amazônia peruana).
Algumas de suas obras foram expostas recentemente na mostra “Visões Xamânicas – As Artes da Ayahuasca na Amazônia Peruana”, que esteve em cartaz de novembro de 2023 a maio deste ano, no museu Quai Branly, de Paris.
Muito antes da Amazônia e da ayahuasca tornarem-se pautas globais, como são hoje, Pablo Amaringo, através de suas pinturas, mostrou para o mundo a riqueza entrelaçada do uso das plantas de poder e dos saberes xamânicos amazônicos. E ao mesmo tempo, deixou uma mensagem ecológica de respeito e reverência à natureza.
*Esta reportagem foi produzida com o apoio do Internews/Earth Journalism Network