Yayoi Kusama: o poder de cura pela arte
Reprimida, desvalorizada e sababotada! Yayoi Kusama trilhou um caminho doloroso e angustiante até ser definitivamente reconhecida como uma das mais emblemáticas e prestigiadas artistas do mundo.
Yayoy Kusama é a artista mulher cuja produção é a mais vendida e popular do mundo. Antes de ocupar essa posição, a artista passou por traumas e teve ideias roubadas por colegas homens — fatos que a levaram à depressão e à tentativa de suicídio, e são relatados no documentário Kusama: Infinity.
Kusama nasceu em 1929, em Matsumoto, no Japão. Desde muito cedo mostrou o interesse em ser pintora. Já em seus primeiros trabalhos é possível identificar o interesse dela por por bolinhas, que teriam aparecido em uma visão, e pelas formas naturais. No entanto, não teve o suporte da família. A mãe recolhia seus desenhos antes de eles serem finalizados — talvez seja essa a justificativa para que a artista manifeste seus impulsos criativos com rapidez. Além disso, Kusama foi obrigada pela mãe a ser testemunha da infidelidade do pai. Essa experiência traumática determinou a aversão da artista ao sexo.
As mulheres de sua época não costumavam ter uma carreira, recaindo sobre elas a expectativa de que se casassem e tivessem filhos. Assim como muitos outros, o casamento de Kusama foi arranjado. Como forma de escape do ambiente doméstico castrador, passou a corresponder-se com a pintora americana Georgia O’Keeffe, cuja obra admirava. Kusama queria conselhos sobre como se tornar uma pintora, e O’Keeffe lhe sugeriu que levasse sua obra às fronteiras americanas e a mostrasse para quem se interessasse pelo trabalho.
Mesmo sem saber muito bem o inglês, Kusama partiu para os Estados Unidos em busca de estabelecer sua carreira em Nova York e de ser mundialmente reconhecida. Conquistar espaço no mundo artístico, até então sob domínio masculino, não foi fácil. Apesar de ser elogiada por Donald Judd — crítico e artista reconhecido — e pelo pintor Frank Stella, o sucesso ainda lhe escapava. Enquanto isso, colegas de profissão colhiam os louros por ideias que eram dela. Andy Warhol, por exemplo, em Papel de Parede de Vacas copiou a ideia da artista de repetir imagens em uma obra, como ela fez na instalação Mil Barcos.
Em 1965, tudo se agravou. Kusama, inspirada pela preparação de homem para ir à Lua, notou o interesse do público pelo infinito e criou o primeiro ambiente de sala espelhada do mundo, um precursor do Quarto de Espelho Infinito, na Galeria Castellane, em Nova York. O ambiente aparentava ser interminável. Pouco tempo depois, Lucas Samaras reproduziu essa ideia, tendo sua instalação espelhada na Galeria Pace, a mais bem prestigiada. Foi nessa época que Kusama tentou suicidar-se, jogando-se da janela de seu apartamento.
Beatrice Webb, dona de galeria, e outros amigos a ajudaram em sua recuperação. Como sinal de sua força recuperada, Kusama compareceu à Bienal de Veneza, em 1966, mesmo sem ter sido convidada, e expôs seu Jardim Narciso — obra com 1.500 bolas espelhadas, vendida por poucos dólares na época, antes que as autoridades a impedissem de prosseguir. Desse momento em diante, Kusama resolveu dar um fim à submissão ao mercado de galerias, passando a determinar quando e onde exibiria seu trabalho.
De volta aos EUA, Kusama tomou conta do espaço público, encenando atos no Central Park e nos jardins do MoMa, por exemplo, como crítica ao sistema de arte. A nudez, em alguns desses eventos, escandalizou os japoneses, inclusive sua família, bastante conservadora. Parte da imprensa americana também desaprovou tais projetos, entendidos como desejo por publicidade.
Deprimida, retornou ao Japão, mas sem o apoio da família e sentindo-se incapaz de pintar, mais uma vez tentou o suicídio. Teve tratamento em um hospital no qual os médicos se interessavam por arteterapia e cuidaram bem dela. Isso a motivou a retomar seu fazer artístico. Seu primeiro trabalho desta fase foi uma série obscura de colagens com imagens sobre os ciclos naturais da vida. Pouco a pouco, conseguiu ver seu trabalho ser novamente reconhecido.
Em 1989, o Centro de Arte Contemporânea Internacional em Nova York expôs uma retrospectiva de sua obra, e em 1993, o historiador de arte japonês Akira Tatehata convenceu o governo a nomear a artista como representante do Japão na Bienal de Veneza. O sucesso da exposição mudou a forma como ela era tratada e reconhecida em seu país de origem.
Kusama continuou a lidar com seus traumas por meio da arte. Seu sucesso foi alavancado, em grande parte, pelas redes sociais. Seja contemplando abóboras, bolinhas ou a imersão em um quarto infinito, cabe ao público refletir sobre o trabalho de Kusama para poder admirar o poder de cura pela arte.