Cartier celebra 100 anos de sua linha Trinity com novo design
Simples assim! Minimalista, democrático e, pode-se dizer, terapêutico, o anel Trinity é a estrela da linha da Cartier que comemora um século. Para celebrar, a joia surge em um surpreendente formato quadrado.
O que faz uma joia se tornar atemporal e sem gênero? O design e a simplicidade, certamente, mas também o fato de estar conectada ao estilo de vida das pessoas. Para Pierre Rainero, diretor de Imagem, Estilo e Patrimônio da Cartier, essa junção de valores ajuda a explicar o sucesso de Trinity, que chega à marca de 100 anos. Para comemorar o centenário, o emblemático anel formado por três aros traz como novidade o formato quadrado. Sem perder a divertida (e terapêutica) dinâmica de se entrelaçar e ser confortável, o modelo já nasce prometendo seguir a mesma carreira de sucesso da versão original, a redonda, que não foi deixada de lado. Também foi gerada toda uma linha para acompanhar esse momento festivo, incluindo pulseiras e colares, espessuras diferentes e a presença ou não de diamantes, que já estão nas lojas da joalheria francesa. A versão mais intrincada do anel, que lembra um quebra-cabeça, chegou em abril. Com aplicações pontuais de diamantes, ele pode ser usado de várias maneiras, incluindo uma versão mais luxuosa, alinhando as pedras, ou mais dia a dia, escondendo-as totalmente. “E a mágica acontece”, festeja Rainero no bate-papo com L’OFFICIEL em Paris.
O anel Trinity foi criado em 1924 por Louis Cartier e pode ser considerado o primeiro ícone de design da Maison. No mesmo ano foi lançada a pulseira. A linha simboliza valores como a diversidade e democracia por meio dos três anéis em ouro amarelo, rosa e branco – é uma joia pensada para ser usada por famosos ou não, sem limite de idade ou gênero. Também traduz a alma da Cartier – a dos três irmãos, Louis, Pierre e Jacques – e as três butiques históricas: Paris, Londres e Nova York. Na década de 1930, o anel ganhou amplitude, usado por nomes como o poeta Jean Cocteau e o ator Gary Cooper, mesmo sem nenhuma publicidade da Cartier de que se tratava de uma joia genderless. Entre os anos 1950 e 60, era a preferida de celebridades como Alain Delon, Romy Schneider e Grace Kelly.
Rainero está na Cartier desde 1984, passando por vários departamentos até assumir o atual cargo em 2003. Estão sob sua responsabilidade os arquivos e a coleção Cartier, totalizando mais de 3 mil peças históricas. E é com toda essa bagagem que ele conta que, apesar do novo formato quadrado ter sido alcançado por acaso – resultado de exercícios criativos da equipe de design –, está em sintonia com o DNA estético da joalheria, presente já nos primeiros relógios, como o Santos, lançado em 1904 e que privilegia a forma e o minimalismo.
L'Officiel: Qual foi o seu papel e o do seu departamento no processo criativo do novo Trinity?
Pierre Rainero: Desde o início, porque participei, digamos, da ideia de ter novas propostas em termos de design. Mas o estúdio criativo de joalheria teve toda a liberdade de propor o que eles queriam. Meu papel no Comitê Criativo é expressar meu ponto de vista em termos de estilo Cartier, e se isso pode funcionar ou não na visão contemporânea de Cartier. Esse é o critério de seleção que todos compartilhamos quando temos um novo projeto diante de nós.
L'O: Trinity celebra 100 anos com dois designs. Um deles é o novo formato quadrado, mais geométrico. Podemos dizer que se aproxima da estética art déco da década de 1920?
PR: Eu não diria isso, mas é uma pergunta interessante porque se relaciona com uma forma tradicional de Cartier que existe muito antes do período art déco, porque o quadrado, é um shape de Cartier. É uma das formas principais. É o formato do relógio Santos, por exemplo, que é quadrado com contornos suaves. Não podemos ter ângulos ríspidos ou algo assim na Cartier, por isso o quadrado é sempre como está aqui [mais suave]. É engraçado que Trinity veio com esse elemento específico do nosso próprio vocabulário. Mas é um vocabulário que foi estabelecido 20 anos antes do período art déco.
L'O: E é muito moderno...
PR: Sim, é verdade. Quando eu vi a ideia e, de fato, quando os designers vieram com o protótipo, a primeira coisa que tinha em mente era isso, porque meu trabalho é muito envolvido na estética. Minha dúvida era sobre a essência de Trinity, como essa forma poderia se encaixar em sua filosofia, que é a facilidade de vestir e brincar com ele em seus dedos, e também a mágica de ter os três aros se tornando um único shape. Mas tudo estava lá, até o conforto.
L'O: Pensando na trajetória da linha Trinity, você considera que o design quadrado já nasceu como um ícone?
PR: Nós nunca sabemos. Ícone não é um vocabulário conectado à origem em Cartier. É mais uma palavra externa atribuída a Cartier. Não é algo que nós mesmos usamos. Nós fazemos tudo o que podemos para oferecer ou criar objetos que são originais, diferentes, que se encaixam com o estilo de vida das pessoas. E nós valorizamos muito o design bonito e, como consequência, esses designs podem dialogar com homens e mulheres. E essas são, provavelmente, condições necessárias para o sucesso. Mas você nunca sabe se vai ser um sucesso ou não. É necessário ser muito cuidadoso e modesto. No caso desse tipo de produto, eu colocaria a pulseira Juste un Clou ou mesmo algumas formas muito importantes do nosso acervo. Se há algo específico para a joia é a capacidade desses objetos de acolher as projeções de valores simbólicos. E o bracelete Love, com certeza, porque é um símbolo de conexão entre as pessoas. Aqui [Trinity] é menos óbvio, porque não há uma simbologia precisa por trás disso, mas o mistério e a mágica ligados ao design são muito a favor das projeções. E eu acho que a capacidade de uma joia acolher as projeções simbólicas é parte do sucesso. É parte de uma construção de um tipo específico de fama. E Trinity é um desses objetos com capacidade de projeções, de símbolos, de sentimentos.
L'O: Pensando em técnica, há diferença na engenhosidade da peça pelo shape ser quadrado em comparação com o formato redondo original?
PR: Não. Mas, na verdade, para mim ainda há um mistério em termos de capacidade física para esses três anéis se unirem por si mesmos. E eu acho que isso se deve ao fato de que cada anel está ligado aos outros dois. E, também, à curva. Então, é assim que, no final, funciona. A curva permite que cada anel se mova um em cima do outro, e há o fato de que cada um está ligado aos outros dois. Porque você poderia imaginar estar um ligado ao outro. Isso não funcionaria. Essa é a mágica.
L'O: O novo bracelete no formato redondo é reedição da versão bold de 2004. Qual o motivo da escolha deste modelo em vez do bracelete de 1924?
PR: Indo para a evolução da série Trinity, que são o bracelete e o anel, nós perguntamos, efetivamente: “Qual é o modelo que devemos usar hoje?”. E, na verdade, nós demos mais atenção a esse modelo [2004], porque pensamos que es- tava mais em sintonia com o que sentimos que era adequado para hoje. É a única razão. É uma questão de escolha subjetiva entre possibilidades diferentes. Mas nós fizemos essa escolha de uma forma muito fácil, porque, olhando para esta linha desde 1924, vimos que evoluiu em uma base permanente. Sempre houve interpretações diferentes em termos de curvas e de volume. Porém pensamos que podíamos ser livres para escolher o que preferíssemos. Não era uma ideia de, por obrigação, voltar ao muito, muito original. Buscamos o que era melhor. E isso é uma boa coisa da criação. De novo, eu insisto que o que sentimos foi o mais adequado. E essa é uma escolha que fizemos junto com Marie-Laure [Cérède], a diretora do estúdio [Relojoaria e Joalheria].
L'O: Imagino que a articulação móvel dos três anéis de Trinity foi algo bem moderno em 1924. Você sabe quais foram os desafios em termos de ourivesaria para se chegar ao seu desenho original?
PR: Acho que além da tecnicidade do anel em si, para as pessoas foi uma percepção de uma ideia audaciosa para uma joalheria como Cartier ao propor um item tão simples. Mesmo que seja a nossa filosofia propor itens como este, apropriado a novos estilos de vida, enquanto o objeto é um valor adicionado em termos de design e unicidade. Essa foi uma decisão mais audaciosa do que técnica. Mas, é claro, eu imagino os desafios para os artesãos polirem tudo quando está montado, para fazer os engates desaparecerem.
L'O: Na década de 1930, Trinity atraiu clientes masculinos. Era objetivo desde o início que o anel fosse sem gênero ou foi um movimento orgânico?
PR: Não, foi uma visão tradicional da Cartier. Eu acho que um bom design não tem gênero. É apropriado ao modo de vida das pessoas. Não vamos esquecer de que os relógios que foram criados 20 anos antes de Trinity também não tinham gênero. A ideia de um design que poderia ser apropriado para homens e mulheres é uma coisa que Cartier criou de forma profunda. Foi totalmente natural naquela época. E, também, provavelmente, até nos anos 1920 tenha sido menos audacioso. Porque, se considerarmos o estilo de vida aristocrático, os homens costumavam usar anéis, como o de casamento, com uma pedra favorita, o brasão de armas ou o anel de família. Então isso não era algo inusual naquela época.
L'O: E, em sua opinião, podemos pensar em Trinity como um símbolo de unidade e diversidade ao mesmo tempo?
PR: Eu gostei disso (risos). Porque é oque é. É um e são três em diferentes formas, em diferentes cores. E, na verdade, tem o benefício de ser uma construção linda. Ela vem naturalmente. Gosto dessa ideia de unidade e componentes diversos. Eu acho que é uma boa forma de colocar isso. Mas, como eu digo, normalmente, nós nunca fazíamos publicidade do anel. Não havia comunicação sobre ele. Não havia discurso sobre o que deveria ser ou o símbolo que ele representava. Então, era uma enorme, digamos, liberdade do lado dos nossos clientes para projetar eles mesmos ou projetar os seus próprios valores simbólicos no anel. Mas eu gosto da ideia de várias partes diferentes se tornando uma coisa linda.
L'O: Pensando assim, eu acho que Trinity é um anel que pode refletir a nossa sociedade hoje. O que você acha?
PR: Eu não sei. Seria muito pretensioso dizer isso. A única coisa que eu posso dizer é que esse design não é velho. Apesar de ter 100 anos, acho que ele ainda é percebido como moderno por causa da simplicidade, junto com sua mágica incrível e misteriosa e essa capacidade de acolher tantos símbolos diferentes. Em termos de design, eu não vejo na peça nada que possa envelhecer. Há uma ideia de essencialidade, eu diria. Acredito que sua força está ligada a isso. São, basicamente, três anéis. E há um resultado assombroso em juntá-los, então, o que pode envelhecer nisso? Eu acho que nada.