Azzedine Alaïa tem sua maior coleção particular revelada em livro
O lendário estilista Azzedine Alaïa reuniu secretamente a maior coleção particular de moda do mundo, e agora, ela é revelada ao público em um novo livro
Tesouros revelados! Durante décadas, o lendário estilista Azzedine Alaïa reuniu secretamente a maior coleção particular de moda do mundo. Agora, ela é revelada ao público em um novo livro. Confira!
Contas metálicas brilham sob luminárias prateadas, jogando sua luz sobre musseline esculpida. Vestidos de bandagem são abertos com fendas, mostrando nucas de manequim de veludo. Um vestido de malha com capuz, de acetato terracota, revela cicatrizes finas no tecido canelado, se você olhar de perto. Estamos em setembro de 2013, quando a primeira grande instalação do designer Azzedine Alaïa é apresentada em um museu, mais precisamente no Museu da Moda da Cidade de Paris – Palácio Galliera.
“Uma retrospectiva é sempre uma grande honra, principalmente quando acontece ainda em vida”, disse Alaïa à época. Mas o passado tem o seu jeito de nos prender. O estilista passa a falar do seu desejo de criar uma fundação – para mostrar seu arquivo de moda, tão comentado e nunca visto, que começou em 1968. Ele deixa escapar alguns nomes, como Balenciaga, Schiaparelli e Madame Grès, entre muitos outros. Em uma sala lotada de colegas, amigos e fãs, Alaïa declara: “Trata-se de preservar o nosso legado”.
Onze anos depois dessa importante retrospectiva – e sete anos após a morte de Alaïa –, um novo livro, de capa dura, sobre a extensa coleção vintage do designer, publicado pela Tames & Hundson em colaboração com a Fundação Azzedine Alaïa, foi lançado em 24 de setembro. Azzedine Alaïa: A Couturier’s Collection [Azzedine Alaïa: a Coleção de um Artista, em tradução livre] traz mais de 20 mil peças de roupa, acessórios, esboços, convites de desfiles, fotografias, recibos e muito mais – o número total de itens até o próprio Alaïa desconhecia, mas os arquivistas da fundação continuam a inventariar e restaurar peças até hoje.
“Apresentar esta coleção ao público é uma forma de homenagear tanto um dos maiores estilistas da história como a própria moda”, diz a prefeita de Paris, Anne Hidalgo. No livro constam peças nunca antes vistas que pertenciam a Alaïa, de nomes como Paul Poiret, Jeanne Lanvin, Rei Kawakubo, John Galliano e outros, junto de insights exclusivos da mente instigadora do designer, escolhidos pelos arquivistas Olivier Saillard, Ariel Stark-Fer - ré e Robinson Boursault, da Fundação Azzedine Alaïa. Entre os ensaios estão um panorama da trajetória de Alaïa – que de designer novato virou um respeitado artesão –, contada por meio de seu amor pela conservação; um olhar sobre sua obsessão pelos estilistas americanos; e um tributo à sua paixão por impressos efêmeros, de recibos a convites de desfiles.
Para muitos designers, juntar roupas é uma forma de intuição, apreço ou mesmo prazer sensorial. O próprio Balenciaga colecionava raridades vindas de mercados a céu aberto de Paris e brechós de Madri. Embora o padrão de Alaïa, ao colecionar, fosse estrutural, sensual e um pouco punk, sua abordagem era baseada em uma pesquisa silenciosa e rigorosa. Muitas vezes ele batia os lances de diretores e curadores de museus em leilões. Até o ato de comprar era obsessivamente documentado, com velhos recibos e catálogos de antigas coleções. Seu acervo particular serve como uma síntese essencial da moda – de estilistas do século 19 (como Jacques Doucet), passando por designers com os quais ele queria aprender (como Coco Chanel), a talentos contemporâneos que ele admirava (como Alexander McQueen), todos apresentados cronologicamente. A moda, na visão de Alaïa, era uma forma de registrar a época.
Podia ser, ainda, um enigma estético e antropológico. Destacam-se designers franceses do nicho do fin de siècle, como Madeleine Vionnet, e fica muito claro por que Alaïa era tão atraído pelo trabalho deles. Vide um vestido creme de seda com contas de cristal bordadas no formato de cavalos e pergaminhos vitruvianos; um vestido de dia com uma cena pastoral aplicada de forma impressionante; e um vestido de noite fiado com faixas de organza de seda e crepe cinza antracite, com rígidas mangas de malha que lembram os recentes sapatos do próprio Alaïa. Esses trajes não são apenas o trabalho de uma artesania sobrenatural – eles exigem ser decifrados. “Ao estudar profundamente as costuras e decodificar os fechos e as amarrações, esse estilista perito solucionou o mistério [do trabalho de Vionnet]”, escreve Saillard.
A curiosidade intelectual de Alaïa é exposta nas páginas, suscitando uma questão fundamental: o que significa o fato de que as catacumbas infinitas dessa coleção – um monumento ao passado e “símbolo da resistência ao esquecimento” – virão a público com esse livro? “Do ponto de vista da fundação, estamos entrando numa fase tão construtiva que essas coleções raras em breve receberão o selo de Museu da França”, comenta Saillar com L’OFFICIEL. “Alaïa conservou um patrimônio para o mundo, para a moda, como ninguém antes. É um serviço que devemos a ele.”
As roupas falam por si mesmas, com foco na biografia do artista, mais do que nas críticas. Anotações são feitas sobre a admiração sincera de Alaïa pelos designers, desde os artistas que ele reverenciava (como Christian Dior) até aqueles que ele dizia serem os nêmesis desses artistas (como Jacques Fath). Essa abordagem diplomática da conservação nos dá mais que somente uma ideia dos princípios de Alaïa – é também uma lição sobre o que o cânone da moda ocidental pode parecer, não importa a influência nem a reputação. Isso pode ser visto, principalmente, numa das mais sublimes peças de toda a coleção: um casaco visita do início dos anos 1880, feito de cashmere floral multicolorido. Faixas brilhantes de amarelo e turquesa se misturam em uma franja de seda, cobrindo um forro de tafetá de cor ameixa, amarrado com uma fita de gorgorão. Seu criador está registrado simplesmente como Anônimo, e mesmo assim o vestido é apresentado no livro com a mesma reverência de peças de designers como Chanel e Lanvin. Já que não podemos saber exatamente o que Alaïa pensaria disso tudo, uma coisa é certa: nossa herança compartilhada do design, do trabalho de artesãos anônimos ao de designers renomados, foi lindamente preservada.