Bottega Veneta ganha mundo mágico de Gaetano Pesce
Gaetano Pesce aplica suas majestosas características de projetos arquitetônicos ambiciosos, designs icônicos de móveis em cenário do desfile Primavera-Verão 2023 da Bottega Veneta
Gaetano Pesce nasceu em La Spezia em 1939 e começou a exibir sua arte aos 18 anos. Depois de ter estudado arquitetura na Universidade de Veneza, Pesce deu aulas no Instituto de Arquitetura e Estudos Urbanos, em Estrasburgo, na Carnegie Mellon, em Pittsburgh, na Academia Domus, em Milão, na Politécnica de Hong Kong, na FAU-USP, em São Paulo, e na Cooper Union, em Nova York. Seus trabalhos fazem parte da coleção permanente de alguns dos mais famosos museus do mundo. No início da carreira, Pesce passou a fazer experimentos com poliuretano, espuma e resina, e foram esses materiais, com suas cores fortes, tatilidade, capacidade de resposta à luz e acabamentos artesanais, que catalisaram atenção para a obra de Pesce e a fixaram no imaginário coletivo.
L’OFFICIEL: Você se mudou para Nova York em 1980, depois de ter morado em Veneza, Londres, Helsinque e Paris. O que o levou para NYC?
GAETANO PESCE: Nova York, e o Brooklyn em particular, é sem dúvida onde a criatividade dos moradores sugere novas maneiras de falar, de se vestir e de se comportar. Depois de alguns anos, esses jeitos de se apresentar, descobertos em Nova York, são assimilados pelo mundo todo e usados como modismos, infelizmente também com certa superficialidade. Nova York é o lugar que melhor captura os valores de uma época. Minha tarefa é observar aqueles que chegam e aqueles que ficam, eventualmente fazendo deles o tema de meu trabalho. Por exemplo: a marionete sustentada por cordas, personagem da minha “pele industrial” [um design de parede feito com um material líqui- do que se solidifica rapidamente], é, diga-se, a única figura ridícula que ainda acredita na igualdade. Estou convencido de que essa crença não pertence a quem conhece bem Nova York. Minha casa fica no East River, porque eu sempre amei a mobilidade da água, seu brilho diferente, sua riqueza de cores. Quando você olha para o rio, ele reflete o céu.
"A CRIATIVIDADE TEM A VER com o lugar EM QUE ELA É FORMADA? Aarquitetura DE HOJE DEVE LEVAR EM CONTA A língua usada ONDE ELA É CONSTRUÍDA, SABENDO — SE QUE CADA LUGAR MERECE UMA história diferente?:
L’O: Você vai a galerias e museus? O que mais costuma impressionar você?
GP: Eu não vou a museus ou galerias de arte; estou mais interes- sado na realidade. Os artistas e criadores do passado me interessam muito pelo que seus pontos de vista ainda podem sugerir no que diz respeito ao tempo. Penso principalmente em artistas que usaram mídias diversas como poesia, música, ciência, escultura, pintura e arquitetura. Para mim, eles sempre revelaram que a expressão não tem barreiras, não tem fronteiras, não tem limites. Hoje eu me pergunto: se Jorge Luis Borges tivesse escrito o que escreveu em Estocolmo em vez de Buenos Aires, teria sido diferente? Em outras palavras, a criatividade tem a ver com o lugar em que ela é formada? A arquitetura de hoje deve levar em conta a língua usada onde ela é construída, sabendo-se que cada lugar merece uma história diferente? Acho que Frank Gehry merece ser lembrado, visto que era um escultor de formação que abraçou a arquitetura e fez grandes avanços. Acho que a arte extraordinária deve se livrar do Estilo Internacional, que está obsoleto, e adotar representações que permitam a qualquer um a compreensão por meio da figura. A arquitetura precisa ser amada porque ela pode sorrir, pode expressar humores e pode fazer as pessoas felizes – e ela precisa revelar seus segredos a um mundo que compreenda a figuração.
L’O: Você gosta de retrospectivas?
GP: Gosto de retrospectivas porque elas satisfazem meu desejo de tornar meu trabalho conhecido. Quanto aos meus trabalhos anteriores, porém, tento evitá-los. No meu estúdio temos uma sala dedicada a obras acabadas em ordem cronológica para os visitantes – eu nunca ponho os pés naquela sala, para evitar que o passado interfira no meu futuro.
L’O: Você projetou os assentos para o desfile Primavera-Verão 2023 da Bottega Veneta. O que o atrai no mundo da moda?
GP: O meu entendimento de que os museus não têm mais a liberdade econômica de abrigar novas ideias. Galerias de arte privadas sempre têm mais ou menos o mesmo problema. Grifes de moda podem fazer o que outras instituições culturais não podem. Foi o que aconteceu com a Bottega Veneta e com o querido criador Matthieu Blazy. Nele encontrei respeito pelas minhas ideias, e isso foi mútuo. Fui capaz de expressar o que, na minha opinião, é um conceito político de extrema urgência no campo da moda. O tema que eu sugeri, a diversidade, foi muito bem compreendido no mundo inteiro, acredito. No futuro, acho que a experiência que tive com a Bottega Veneta será estendida a outros colaboradores, que, espero, estejam mais interessados em evitar ser meramente decorativos e encarem uma realidade na qual eu acredito: a de que a arte é uma expressão de seu tempo e um comentário sobre a realidade atual.
L’O: Como definiria o seu estilo?
GP: Meu estilo pessoal é definido pela inconsistência. Se queremos compreender novos conteúdos e abandonar os conteúdos passados, temos de assumir a inconsistência e nos livrar de nossos preconceitos. Em séculos passados, a morosidade do tempo permitia aos criadores usar uma única e reconhecível linguagem por toda a vida. Em nossa época, na qual os valores têm na velocidade a sua característica definidora, essa manutenção de séculos é quebrada quase em semanas. Em outras palavras, a inconsistência permite que sejamos ricos em expressão, profundos conhecedores de nosso tempo e livres de nós mesmos.
"SÃO OBRAS DE ARTE, únicas. SÃO JOIAS COM significado."
L’O: Como suas parcerias com a Cassina e a B&B Italia influenciaram seu trabalho?
GP: Cesare, o dono da Cassina e coproprietário da que hoje é chamada B&B Italia, era um empreendedor de grande visão. Naquele momento, e ainda hoje, eu digo que as empresas precisam fazer produtos comuns para vender, para que obtenham a vantagem econômica para poder existir. Parte dos lucros deve ser usada em experimentações. Tive a oportunidade, nos anos 1970, de criar a empresa experimental Bracciodiferro e criar a primeira leva de produtos não homogêneos em série – não idênticos, mas similares entre si. Com a B&B, pude fazer a poltrona Up 5 [também chamada La Mamma ou Donna] e a “piede” Up-7; e, com a Cassina, a série “Sit Down”. As mesmas empresas (particularmente a Cassina) hoje estão preocupadas em investir em produtos inovadores. Eu me lembro do sofá Tramonto em Nova York, que conta a história da provável decadência de um lugar e mostra que você pode adormecer ali. Meus colegas, infelizmente, não impulsionam a inovação, e o design italiano sofre. Eu venho denunciando, repetidas vezes, o declínio da criatividade italiana nesse setor, e sugeri ao Ministério da Cultura que encontrasse soluções urgentemente, como estabelecer que uma porcentagem do faturamento das empresas seja voltada para o financiamento de experimentações.
L’O: Seu Prédio Orgânico em Osaka foi considerado um dos trabalhos fundadores da arquitetura verde, um pioneiro dos jardins verticais. Como você reinventaria esse projeto hoje? O que acrescentaria?
GP: Existe um projeto meu de 1987, a Torre Pluralista, que era uma coluna de casas em que cada andar era projetado por um arquiteto diferente, com uma diversidade de ideias que representaria as diferenças daqueles que habitam os espaços. O projeto consistia em uma coluna de casas diversificadas, uma coluna de elevadores e escadas de segurança no centro e, ao lado destas, uma coluna de jardins privativos em cada andar. Ainda não consegui realizar esse projeto. Recentemente, São Paulo (no bairro Campo Belo, zona sul) mostrou interesse na Torre Pluralista. Talvez esse meu trabalho seja concretizado numa cidade governada pelo respeito à ecologia e à sustentabilidade... ou talvez não. Mas, mesmo que não seja o meu caso, assim será no futuro, porque é preciso lembrar que a arquitetura de hoje, o “estilo internacional” que vemos em toda cidade sem distinção nem caracterização do local, é um símbolo de totalitarismo. A Torre Pluralista é um exemplo de democracia.
L’O: Sua retrospectiva de 2014 no museu Maxxi, em Roma, era intitulada The Time of Diversity [“A época da diversidade”]. Você acha que esse conceito é a interpretação mais atual de nosso tempo?
GP: Estou convencido disso, não só neste momento histórico, mas também para algo que virá em seguida. O futuro é feito de originalidade. A diversidade nos ajuda a nos comunicar com aqueles que têm uma opinião diferente da nossa. A pior coisa que pode acontecer a uma sociedade é a perda do direito de manifestação, do direito de expressar convicções pessoais. Se isso acaba, o mundo perde valor, assim como a vida.