Moda

Lenny Niemeyer e a trajetória dos 30 anos da sua marca

A estilista que comemora hoje (09.01) 70 anos, conta em entrevista para a L’OFFICIEL que para a coleção que celebra três décadas da marca, Lenny Niemeyer transformou peças icônicas a partir de um olhar otimista para o futuro.

Lenny Niemeyer
Foto: Camila Uchoa

Se pudesse escolher, Lenny Niemeyer comemoraria os 30 anos da marca que leva seu nome em outro momento. “Sempre gostei de festa, mas acho que não é a hora, por mais que a pandemia esteja passando”, contou ela durante nosso bate-papo por telefone. A estilista estava na fábrica, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, comandando a prova de looks para o desfile que encerrou o SPFW, ao lado do stylist Daniel Ueda. Foi o peso da data que fez a estilista encontrar forças para realizar o show no Caminho de Niemeyer, em Niterói – também dedicou à memória do estilista Fabio Lemos, que trabalhava há oito anos em sua equipe e faleceu há três meses, vítima da covid-19.

Lenny conta que, durante a pandemia, não poupou esforços para manter todos os funcionários. Começou fazendo e doando máscaras. Foram cerca de 10 mil unidades confeccionadas pelas costureiras da marca. Ela e os filhos fizeram doações de roupas e, assim que as empresas começaram a organizar protocolos de segurança, a estilista voltou a trabalhar. “Estou no grupo de risco, mas não tem como parar totalmente quando você precisa gerir um negócio. Deixei todos à vontade para virem trabalhar ou não. Mas que eu preciso ser a primeira a dar exemplo, não tenho dúvida”, conta essa capricorniana que acompanha de perto todas as etapas da produção e enxerga os funcionários como parte de uma grande família. “Aqui todo mundo se dá as mãos, todo mundo ajuda a resolver.”

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Os desafios e os oito meses que passou vasculhando o acervo trouxeram a certeza de que o simbolismo da “luz” deveria embalar a coleção comemorativa. Feixes recriando luminosidade e sombra, em uma alusão às profundezas do oceano, já haviam guiado seu processo criativo na coleção para o verão 2014. Agora, amplia sentimentos de força e otimismo. “Em equipe, vimos que precisávamos mostrar a trajetória desde o início, e ela expõe uma mistura de arquitetura, botânica e arte”, analisa a estilista sobre as inspirações que sempre conduziram modelagem e estampas, criando o DNA da marca. “E acrescentamos um olhar futurista. É uma maneira de seguir em frente depois desse período tão turbulento”, explica.

O processo começou com um shooting experimental reinterpretando looks de coleções antigas em uma atmosfera abstrata e espiritual. A partir do movimento das modelos e de jogos de luz exaltando geometria e formas orgânicas, foram criadas as estampas da nova coleção, que teve cerca de 50 looks – normalmente, são em torno de 40. “É uma coleção mais clean, quase minimalista. Não tem muitos (desenhos) figurativos, mas acho que permanece com a cara da marca. Foi muito bom fazer”, avalia.

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Imagens do editorial que resgatou peças antigas e inspirou estampas da nova coleção. Fotos: Divulgação

L’OFFICIEL Nesse processo de pesquisa de seu acervo, você chegou a suas primeiras peças?

LENNY NIEMEYER Minha primeira peça da coleção de trajetória é um floral diluído que remete à botânica. Não estou revisitando nenhuma peça igual à original. É um olhar mais novo para as coisas que eu fazia. Gosto de formas, cores, do cimento da arquitetura modernista, e acho que tudo isso segue presente. Olhei para as peças de desfile. Tem um pouco das coleções inspiradas, por exemplo, em azulejos (Burle Marx e Adriana Varejão, verão de 2008), descobrimento (cartografias, verão de 2020), quimonos japoneses (verão de 2017) e luz (verão de 2014), mas com outros olha - res, estampas e cores.

L’O Curiosidade: você ainda tem o primeiro biquíni, aquele com o detalhe de osso de boi cortado na lateral?

LN Estou procurando alguém que tenha porque não guardei nenhum. É de antes de eu começar a contar que a marca existia. Foi o primeiro biquíni que fiz quando me mudei para o Rio (Lenny nasceu em Santos e depois se mu - dou para São Paulo). Para você ter ideia, meu filho tem 41 anos. Acho que fiz esse biquíni quando estava grávida dele. Naquela época, imaginava que faria biquínis por um momento apenas.

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Look da coleção comemorativa. Fotos: Divulgação

L’O A partir de que momento você começou a contar a trajetória da marca?

LN A partir da abertura da primeira loja física. Coincidiu mais ou menos com o primeiro desfile. Então acabou virando uma data comemorativa. Se não, eu ia fazer bodas de diamante (risos).

L’O Como foi o processo criativo dessa coleção, unindo retrospectiva e, também, reflexos da pandemia?

LN A gente começou pegando peças de que eu gostava muito, que eram bem icônicas, que foram a base para uma sessão de fotos com um olhar muito pessoal da fotógrafa (Juliana Rocha), captando detalhes e cores. A gente acabou transformando esse material em estampas em que a fotografia vem diluída e vai em direção à luz. O desfile cujo tema era luz foi o ponto inicial. Fotografamos florais que foram transformados em outros florais, também bastante diluídos e com novas cores. Foi desafiador, mas dar esse mergulho por todas as minhas coleções foi, enfim, um passeio nostálgico. Bom rever todas as coleções com um olhar mais moderno.

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DESFILE DIGITAL

L’O Quando você começou a olhar o acervo?

LN Há quase oito meses. Eu queria ter focado só na criação, mas a empresa não podia parar. E, bem ou mal, tudo isso acaba deixando o processo criativo um pouco mais lento. Sou capricorniana, movida a desafios, e mergulho no trabalho. Mas vivi uma crise e achei que não fosse produzir mais uma coleção neste ano. No entanto, acho que acaba fazendo bem para os clientes, para a equipe e, sem dúvida, para mim. A gente descobre que tem uma força que move, uma paixão pelo trabalho.

L’O Quando você fala em crise, está se referindo a como você atravessou a pandemia?

LN Sim. É claro que isso refletiu na minha criatividade. Questionei como eu poderia criar, fazer, desenhar com as pessoas morrendo. Ninguém imaginava a pandemia ou que durasse tanto. Agora (no fim de outubro), estou em crise porque antes de todos os desfiles fico assim. Mas aí já é outra coisa, é sobre me expor.

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Fotos: Camila Uchoa

“CADA COLEÇÃO TEM UMA história. NORMALMENTE, NÃO GOSTO DE OLHAR AS coisas que passaram PORQUE A GENTE PRECISA ESTAR SEMPRE aprendendo, EVOLUINDO.” LENNY NIEMEYER

L’O Pensando nas discussões sobre o futuro do planeta e seguindo a ideia de luz no fim do túnel, você se aprofunda em ações sustentáveis?

LN Estamos trabalhando com sustentabilidade há algum tempo, dentro do possível. De certa forma, minhas coleções sempre refletiram essa preocupação por meio da inspiração na natureza, chamando atenção para a preservação. Claro que o Rio ajuda porque tem uma natureza linda, embora maltratada. Acho que as pessoas realmente têm de parar, olhar um pouco para o futuro e mudar suas posições. Estamos ligados ao Reorder, projeto que transforma resíduos de redes de pesca no tecido Econyl. Custa um pouco mais caro, não tem muitas cores e ainda não é estampado, mas é um movimento muito legal. Com esse tecido a gente faz uma linha nas cores preta e branca.

L’O Você se emocionou resgatando peças e coleções?

LN Cada coleção tem uma história. Normalmente, não gosto de olhar as coisas que passaram porque a gente precisa estar sempre aprendendo, evoluindo, buscando novos desafios. Mas eu estava com a equipe e com Daniel Ueda (stylist que assina seus desfiles), e a gente acabou lembrando histórias engraçadas e tristes, enfim, humanas, que a gente passou, então dá uma nostalgia.

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L’O Qual foi a história mais engraçada que vocês lembraram?

LN Foi com a modelo Devon Aoki, que eu adorava e ainda gosto muito, que vinha pelo evento (8ª Semana Barrashopping de Estilo, em 2001), e na época namorava o Lenny Kravitz. Eu fui buscá-la no aeroporto e ela apareceu na porta do desembarque com uma muleta porque havia caído e torcido o tornozelo enquanto passeava com o cachorro do Lenny uma semana antes. Foi um drama. A gente a levou a um médico e ela falava: “Está tudo bem, está tudo ótimo”. Tomou uma injeção e foi para o hotel e eu, para variar, passei a noite em claro, desesperada. Quando ela chegou no dia seguinte, no evento, não conseguia calçar o sapato. Uma pessoa da organização queria mandá-la embora e a Devon ficou supermal. E eu, morrendo de pena. A saída foi ela desfilar descalça, mesmo tendo apenas 1,70 metro de altura (medida considerada baixa para a passarela). A gente amarrou um paninho verde folha tipo bandagem e ela foi.

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Desfile 2020 Digital. Fotos: Divulgação

L’O Como você administra o estresse pré-desfile?

LN Fico sem dormir (risos) e dou pancada na bola jogando beach tennis. Eu não gosto muito da exposição, sou tímida, ainda que não pareça. Entrar numa passarela é acabar comigo. E, quando termina o desfile, quero ir embora. Mas o trabalho em equipe é muito importante. Aqui somos uma grande família e todo mundo se dá as mãos, todo mundo ajuda a resolver.

L’O Como é sua relação com o mar?

LN Nasci em Santos e vivi na cidade até os 14 anos, quando mudei para São Paulo, onde fiquei até o casamento, em 1979. Então, vim para o Rio. Eu amo o mar. É o que me inspira.

L’O E onde você vai curtir este verão?

LN Vou para a neve (risos). Meu filho e minha filha casaram-se em duas cerimônias no civil, no meio da pandemia. Eu queria reunir todos e viajar para um lugar que eles quisessem, e eles escolheram esquiar. Será uma experiência nova. Vamos em janeiro, porque na virada do ano pretendo ficar quietinha em casa. Não quero movimento, não quero festa.

L’O Suas festas são famosas...

LN Comecei a fazer festa para reunir porque acabava um desfile e ninguém se encontrava, eu achava isso muito ruim. Como eu tinha a cultura de receber os amigos em casa, comecei a chamar as pessoas da assessoria e da imprensa para celebrar. Peguei o gosto e fiz isso, sei lá, durante 20 anos. Mas comecei a perceber que todo mundo me associava mais às festas do que ao meu trabalho. É como se Lenny fosse igual à festa. Quando veio a pandemia, ficou claro que não era a hora de fazer nenhum tipo de festa. Era a hora de ajudar os outros de alguma maneira, de estarmos mais unidos.

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