Moda

Mulheres que vestem mulheres!

As estilistas estão dando um novo significado ao termo "guarda-roupa básico", criando peças atemporais feitas para e por mulheres.

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Foto: Cortesia Chloé

Há um entendimento inerente a todas as mulheres sobre como se espera que elas existam no mundo: seus desejos, suas necessidades e suas escolhas estão abertas à discussão a qualquer hora, por qualquer um. Todo dia, uma mulher veste sua armadura bem alinhada para encarar mais um dia num mundo feito por e para homens - uma experiência resumida de forma pungente pela personagem de America Ferrera no filme Barbie, de Greta Gerwig. Mas há um certo je ne sais quoi de elevada consciência feminista quando uma mulher escolhe roupas desenhadas por uma mulher. Trata-se daquela compreensão tácita de uma experiência compartilhada, sempre presente por trás da mente de uma estilista quando ela cria trajes para outra mulher. Como elas andam, como pensam, como vivem.

Hoje, as mulheres estão descobrindo o poder das coleções-cápsula - uma forma renovada do guarda-roupa básico que prioriza peças de qualidade que representam um indivíduo. Isso não é de surpreender, considerando-se o sucesso cada vez maior de estilistas como Catherine Holstein na Khaite, uma das it girls favoritas de Nova York, ou o tão esperado retorno de Phoebe Philo, que praticamente formou um culto em torno de si na Celine com seus itens básicos de alta qualidade e recentemente lançou sua marca homônima, com Ótimas críticas. Enquanto a internet lamenta a série aparentemente interminável de homens brancos europeus escolhidos para assumir as principais casas de design no ano passado, são as mulheres estilistas que estão saciando o apetite das mulheres consumidoras, com designs ressonantes que elas podem usar e repetir. - Alyssa Kelly

Phoebe Philo - Phoebe Philo

Phoebe, 51, estudou na Central Saint Martins antes de se juntar à amiga Stella McCartney na Chloé, primeiro como assistente de McCartney e, então, como diretora criativa, de 2001 a 2006. Dois anos depois, ela assumiu a direção criativa da Celine, com a condição de que pudesse transferir o escritório para Londres. E logo transformou a Maison francesa em uma marca cultuada, ao fugir de desfiles extravagantes em favor de uma abordagem e um design foca-dos no produto. Com a Celine aclamada por membros importantes do setor como a marca para usar, Philo conseguiu revitalizar a casa e ganhou inúmeros prêmios, entre eles o de Estilista Britânica do Ano no British Fashion Awards e o CFDA Awards. Quando Philo anunciou sua partida da Celine, em 2017, seus seguidores aguardavam ansiosamente seus próximos projetos. Seis anos depois, ela voltou à moda com sua marca homônima, que vai apresentar duas coleções atemporais por ano. Cada uma é concebida como uma "Edição", composta de três lançamentos no intervalo de alguns meses, com a intenção de manter um equilíbrio entre produção e demanda. Em outubro do ano passado, a estilista revelou a primeira, "Edit Al", uma coleção de 150 peças de rica textura e prontas para usar, além de acessórios e joias elogiados pela mistura de sensualidade e usabilidade que combina com a mulher moderna em busca de um guarda-roupa cápsula que contenha tanto os clássicos como a vanguarda. - Simone Vertua

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PHOEBE PHILO: TRÊS IMAGENS DA COLEÇÃO A12023; RETRATO DE PHOEBE PHILO, POR TALIA CHETRIT

Chemena Kamali - Chloé

Em outubro passado, a estilista alemã Chemena Kama-li foi nomeada diretora criativa da Chloé, sucedendo a Gabriela Hearst no comando da marca fundada por Gaby Aghion em 1982. "Meu coração sempre foi da Chloé, desde que eu cruzei suas portas, 20 anos atrás", diz Kamali, 41. "Voltar é algo natural e muito pessoal. É uma honra assumir esse papel, a começar pela visão de Gaby Aghion e Karl Lagerfeld, que definiram a história da casa. Espero conseguir capturar esse vínculo emocional e o espírito dos nossos tempos." Sempre houve uma feminilidade característica, mas não estereotipada, imbuída no DNA da Chloé, que se encaixa perfeitamente nos guarda-roupas cápsula de mulheres com uma sensibilidade parecida. Depois que Lagerfeld saiu, em 1997, a marca adquiriu a reputação de empregar estilistas mulheres para implementar sua visão: de Martine Sitbon a Stella McCartney, seguida por Philo, Hannah MacGibbon, ladeada por Paulo Melim Andersson, e então Clare Waight Keller, que trouxe à Chloé uma abordagem mais boêmia, e Natacha Ramsay-Levi, que restabeleceu o relacionamento da grife com a arte, antes da ênfase obstinada de Hearst na ética ambiental. Em fevereiro deste ano, Kamali apresentou ao mundo sua versão da mulher Chloé. - SV

CHLOÉ: RETRATO DE CHEMENA KAMALI, POR DAVID SIMS. CORTESIA DA CHLOÉ

Louise Trotter - Carven

Em 1945, Marie-Louise Carven fundou sua Maison homônima para fazer roupas para mulheres mignon. Ela foi pioneira no prêt-à-porter, no marketing e nos desfiles de moda experimentais. "Ela impunha sua personalidade, seu espírito e seu amor pela natureza", diz Louise Trotter, a primeira mulher a assumir a diretoria criativa da Carven desde sua fundação. Trotter apresentou sua coleção Prima-vera/Verão 2024 em Paris, em setembro do ano passado, promovendo o reinício da casa francesa, que estava meio adormecida desde 2018. A estilista britânica começou a carreira na Whistles antes de se mudar para os Estados Unidos, onde exerceu cargos na Calvin Klein, na Gap e na Tommy Hilfiger. De volta a Londres, galgou uma posição na Lacoste, na qual explorou métodos inovadores de reciclagem. Sua linguagem é ideal para uma cápsula: inteligente e sóbria, com uma qualidade de menos é mais, com foco em vestimentas individuais e nas mulheres notáveis que as usam. Como inspiração, ela cita a artista Alison Watt, que colaborou no convite de seu primeiro desfile. - SV

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CARVEN: LOUISE TROTTER, FOTOGRAFADA POR EZRA PETRONIO; LOOK DO DESFILE PRIMAVERA/VERÃO 2024.

Martine Rose - Martine Rose

Inspirada por suas raízes jamaicanas e britânicas e um grande interesse pela cena musical underground de Londres, Martine Rose, 43, é mais que apenas uma das primeiras estilistas a levar às passarelas a moda esporte e a alfaiataria de inspiração vintage. Rose primeiro encontrou seu lugar na moda masculina, tendo angariado fãs como Kendrick Lamar e Justin Bieber, mas acabou se voltando para coleções mais femininas. Ela colaborou com a Nike no que é, até hoje, a mais convincente reinterpretação do tênis popular dos anos 1990: o Nike Shox. Nas mãos de Rose, esse tênis, lançado em 2022, é agora um modelo cult sem gênero. Sua estética principalmente prática é embasada numa pesquisa de proporções, silhuetas e construções surpreendentes, inspiradas nas comunidades londrinas onde a estilista cresceu. Em seu trabalho, há sempre uma tensão entre a atração e a resistência ao olhar masculino. - Giorgia Cantarini

MARTINE ROSE: IMAGEM DA PARCERIA ENTRE NIKE E MARTINE ROSE; RETRATO DE MARTINE ROSE POR ANDREAS LARSSON; DESFILE OUTONO/INVERNO 2023.

Torishéju Dumi - Torishéju

Em setembro de 2023, Torishéju Dumi - a única estilista negra a se apresentar em Paris na temporada Primavera/Verão 2024 - fechou a Paris Fashion Week no hotel Shangri-La com seu desfile de estreia, aberto por Naomi Campbell e encerrado por Paloma Elsesser. A coleção, intitulada Fire on the Mountain (Fogo na montanha), incorporava a técnica de enrolar tecidos conhecida como lappa, de origem nigeriana e brasileira, a elementos da alfaiataria clássica britânica. Dumi, a princípio, estudou moda masculina na London College of Fashion; no entanto, esta coleção - que ela desenhou sozinha em sua casa em Londres - mistura técnicas tradicionais do design na moda feminina para introduzir peças inovadoras que cabem no guarda-roupa-cápsula de todos os gêneros. Dumi aperfeiçoou seu ofício em estágios na Ann Demeuleme-ester e na Celine da época de Phoebe Philo. Com styling de Gabriella Karefa-Johnson e produzida pelo assessor de imprensa Lucien Pages, a estreia de Dumi sinalizou que vem muita coisa boa por aí. - AK

CORTESIA TORISHÉJU DUMI.

Cecilie Bahnsen - Cecilie Bahnsen

Organza, tafetá, mangas bufantes, sensualidade. Cecilie Bahnsen tem uma inclinação para o romance. "Sou muito romântica, tanto na criação das minhas roupas quanto na vida", diz. Ao criar peças que são esculturais e impalpáveis, essa estilista dinamarquesa de 38 anos desconstrói formas tradicionais, justapondo elementos contrastantes e combinando um design imaginativo e opulento com sua praticidade característica. «Minha interpretação de moda feminina combina elementos da alta-costura com a sensibilidade da vida cotidiana, com roupas apropriadas para o movimento. Porque as mulheres querem] se sentir confortáveis, fortes e independentes." Tendo estudado na Escola Dinamarquesa de Design, Bahnsen foi figurinista no Teatro Real Dinamarquês. Depois de se formar, em 2007, juntou-se à Dior sob a orientação de John Galliano. Em 2010, começou a colaborar com Erdem Moralioglu enquanto frequentava a Royal College of Art, em Londres. "Detalhes e dedicação à manufatura são as inspirações que tirei de Londres e Paris, sem esquecer sua poesia. Mas, é claro, tudo sempre junto daquela sensação de tranquilidade típica da cultura escandinava." Na cultura dinamarquesa, o conceito de compartilhar é muito forte. O objetivo de Bahnsen, por meio de materiais e atenção aos detalhes, é desenhar peças que podem ser divididas entre amigas ou passadas de mãe para filha. - Alessandro Vapiana

CECILIE BAHNSEN: BASTIDORES DO DESFILE PRIMAVERA/VERÃO 2024; RETRATO DE CECILE BAHNSEN, POR JOSEFINE SEIFERT; IMAGEM DA CAMPANHA DE CECILE BAHNSEN PARA A ASIC

Catherine Holstein - Khaite

Lapelas impressionantes, cortes exagerados, cores frias com toques de tons fortes e foco na sinuosidade da forma femini-na. Ao mesmo tempo familiares e novas, as coleções imaginativas da Khaite são um estudo de contrastes - que não vem de um hábito formal, mas para servir a uma necessidade prática. "Em Nova York, toda mulher tem que encarar a vida com ousadia", diz Catherine Holstein. "É um princípio fundamental para mim ao elaborar minhas coleções." Onde a sensualidade e a praticidade se encontram? A feminilidade e a formalidade? Essa abordagem à la anos 1980, que viu a aplicação de linhas, códigos e materiais tradicionalmente masculinos na moda feminina, não é mais suficiente. As mulheres querem desafiar o sistema, rompendo barreiras e recusando-se a copiar a moda masculina para serem aceitas. "Neste momento, as mulheres precisam de uma voz que celebre a sua força", diz Holstein. O sucesso da Khaite mostra que as mulheres procuram marcas que possam interpretar essa ideia. O primeiro desfile da marca, para a temporada outono/inverno de 2019, inspirado no movimento feminista dos séculos 19 e 20, combinou os pilares da Khaite (jeans, suéteres, camisas) com vestidos de noite de longas mangas bufantes, criando uma mistura de malha e popeline. Depois de trabalhar na Gap, na Vera Wang, na Maiyet e na Elder Statesman, Holstein lançou a Khaite em 2016 e foi imediatamente apoiada por celebridades como Katie Holmes, Hailey Bieber, Kaia Gerber e Dakota Johnson. Não é de surpreender que Holstein tenha sido nomeada Estilista do Ano em Moda Feminina pelo CFDA em 2022 e 2023. - AV

KHAITE: RETRATO DE CATHERINE HOLSTEIN

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