Moda

Patrícia Viera fala sobre sua jornada na moda

Uma questão de respeito! A estilista Patrícia Viera sempre esteve atenta a processos mais sustentáveis e apresentou, recentemente, uma coleção com zero desperdício e 100% carbon free no último SPFW!

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Patricia Viera com a modelo usando peças da coleção 2022/23 (Fotos: Camila Uchoa)

Com muito orgulho, Patrícia Viera sempre destaca que é uma estilista “chão de fábrica”, do tipo que sempre dá um jeito de transformar uma indicação técnica de “não dá para fazer” por “vamos achar a solução”, independentemente do tamanho do desafio. Foi dessa obstinação que surgiram texturas, tingimentos, mosaicos, bordados, rendas, plissados e patchworks em couro. Há tempo suas pesquisas levaram a marca para um campo mais sustentável, com o uso de pigmentos naturais, busca por curtumes que não usam metais poluentes e zero desperdício. Ela apresentou, recentemente, no SPFW a primeira coleção 100% carbon free e zero waste.

Para a conta fechar está sendo computado o peso de todos os itens utilizados na produção de cada peça: matérias-primas, aviamentos e metais; localização de fornecedores e da fábrica; material e peso da embalagem; energia elétrica e estrutura para a apresentação da coleção 2022/23, que promete ser a primeira etapa de um projeto muito maior de compensação das emissões de carbono da marca, desde as pesquisas até o descarte das roupas. O projeto acontece em parceria com a Moss.earth, climatech brasileira de soluções ambientais com blockchain que, recentemente, também começou a comercializar NFTs – tokens não fungíveis que funcionam como certificado digital da floresta amazônica com o objetivo de valorizar e preservar a mata nativa.

A estilista conta que essa mobilização tem sido encabeçada pela filha, Andrea Viera, que estudou negócios da moda em Madri e desde 2008 atua na marca, primeiro à frente da Pat Pat’s, endereçada a um público mais jovem, depois cuidando de toda a área de projetos especiais da marca. Vivendo entre o Uruguai e o Brasil, Andrea conta que também está superenvolvida com projetos de proteção ambiental em José Ignacio, onde também abriu recentemente a multimarcas A.Mar Verano com a amiga Marina Ciconet. “Comecei a aprender mais sobre sustentabilidade. Minha casa é dentro de uma área protegida e por isso estou sempre em contato com a Vitória Pereira, advogada ambientalista que me ensina muito sobre esse assunto”, explica. O plano é tornar a Patrícia Viera uma marca totalmente sustentável em um prazo de dez anos.

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Looks metalizados da coleção de 2020

Todo esse processo estará mapeado na etiqueta de sementes que pode ser plantada. “É um registro transparente de procedência e indicação de quanto cada peça consumiu, a neutralização, quem fez e onde foi produzida. É como uma identidade”, explica Andrea, ressaltando que as ações atuais são evolução de pequenas decisões que começaram ainda em 2018, quando a marca transportou uma parte do processo para o desfile. “Tínhamos uma parceria com o ateliê da Natália Rios e levamos as bordadeiras para a passarela.” Em escala maior dentro da trajetória da marca, a ideia é a de atender necessidades sociais e contribuir com a geração de bem-estar a partir de um produto autoral e atemporal. “Sustentabilidade deve começar na emoção. Sem isso, não adianta ter uma roupa linda. Não posso fazer bem para mim e mal para o outro”, analisa Patrícia que, desde o início da marca, há 24 anos, já se preocupava com processos mais justos social e ambientalmente.

Vestido em renda de couro de 2019

Na década de 1980, quando pouquíssimos criadores procuravam saber a procedência do couro, lá estava ela visitando curtumes para conferir de perto métodos de utilização e reaproveitamento de água e práticas de bioleather (livre de cromo, nonilfenol, azocorantes, formaldeído e outras substâncias nocivas), além de interferir diretamente em pesquisas de pigmentos naturais que resultam em métodos de tingimento que chegam a consumir 40 dias para a fixação da cor. “Fui estudar química para entender os processos”, conta, recordando também das etapas de convencimento nos curtumes de que as marcas no couro não deveriam ser consideradas defeitos. Ao contrário, precisavam ser vistas como parte da memória da matéria-prima. É nesse caminho que a marca passa utiliar, também, o Kind Leather, cujo couro é curtido em instalações classificadas como Gold Working Group (LWG), rastreável, tratado e tingido com ingredientes vegetais.

A decisão de manter uma fábrica própria também tem a ver com a centralização e o controle das etapas de produção. Esse domínio de todos os detalhes, mais a obsessão pela modelagem e acabamentos perfeitos deram a ela a reputação de exigente e perfeccionista e, ainda, o título de “rainha do couro”. Hoje, diverte-se com a fama que, no final, tem a ver com a necessidade de chegar à excelência do produto e apuro da grife, que tem ritmo e charme de ateliê. Formato, aliás, que ela começou a experimentar na década de 1970, quando teve experiência profissional com a estilista couture Sally Mee, em Londres. “Hoje, é reflexo do trabalho único que faço”, analisa. E, mesmo que considere que o primeiro passo é o seu, todas as etapas do ateliê são feitas por uma equipe com dinâmica horizontal.

Se a preocupação social e o apuro manual já estavam equacionados há algum tempo, foi durante a pandemia que mãe e filha entenderam que era hora de aprofundar a atenção com o ser humano e com o meio ambiente. Logo no início, em 2020, a marca produziu mais de 20 mil máscaras em parceria com a sobrinha de Patrícia, a estilista Maria Mendes, da grife Horto, que foram doadas para o Corpo de Bombeiros e comunidades carentes no Rio. “Foram dois anos de catástrofes ambientais e sem poder dar um abraço... já sou avó, quero deixar um mundo melhor. A gente se desafiou a achar uma solução”, reforça a estilista. Inspirada pela vivência no Uruguai, Andrea faz coro: “Vi como as pessoas se unem para fazer acontecer”.

O stylist Felipe Veloso entre Patricia Viera e a filha, Andrea

Além da atrativa pegada 100% carbon free e zero waste, a coleção que será exibida no SPFW terá formato diferente do desfile tradicional. “Será virtual e interativo ao mesmo tempo”, diz Andrea, sobre a experiência que reunirá fashion film e resee. O ateliê está produzindo 45 looks – para a edição final do stylist Felipe Veloso em torno de 30 para o show – inspirados em vitrais do tipo Tiffany do início do século 20 e flertes com silhuetas das décadas de 1930, 50 e 70. A modelagem, sempre feminina, reforça o gosto da estilista pela elegante cintura alta em vestidos e conjuntos de saia e blusa. Também entram punhos largos, mangas volumosas e golas altas. Preciosos mosaicos, uma das especialidades de Patrícia, enaltecem o feito à mão e a reciclagem.

Seguindo a vibe exuberante que acompanha o retorno triunfal de festas e casamentos, a estilista dá continuidade ao uso de metalizados em prata e dourado. A cartela cromática continua com um rosa alegre, azul arroxeado e verde floresta obtidos com pigmentos vegetais. “Como nesse processo cada pele absorve o corante natural de maneira diferente, há nuances nessas tonalidades. Isso dá autenticidade”, explica Patrícia que, apesar da complexidade das etapas do seu trabalho, resume tudo em uma única palavra: Respeito.

A estilista e a arara de peças atemporais criadas e confeccionadas em ritmo de ateliê

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