Mulheres à frente da gastronomia parisiense!
Em Paris, uma cena gastronômica 100% composta por mulheres está avançando como nunca. L'Officiel aponta as chefs que estão à frente desse movimento!
É evidente afirmar que a França é referência mundial quando o assunto é gastronomia; e as mulheres vêm ganhando o destaque que elas sempre mereceram nas cozinhas mais prestigiadas do mundo. O país fundador dos direitos humanos e defensor do lema liberté, egalité, fraternité falhou em grande estilo, nas últimas décadas, no quesito diversidade e igualdade de gêneros em suas cozinhas. Enquanto na França dos anos 1920 as mulheres cozinheiras eram as principais protagonistas em todo o país, nos anos 1970 a gastronomia passa a ser apresentada e vendida por meio da masculinidade e imprime uma imagem de equipes chefiadas e compostas apenas por homens. Alain Ducasse, Paul Bocuse, Joël Robuchon, Pierre Gagnaire, Alain Passard, Guy Savoy: os grandes nomes de mérito são inúmeros. Vários deles usaram exaustivamente narrativas com referências às receitas de suas próprias mães e avós. Fato é que as mulheres nutrem o homem desde o seu nascimento. Em várias culturas têm o papel fundamental de transmitir o conhecimento de receitas e saberes culinários. Enquanto os homens seguiam fazendo sucesso e ocupando todo terreno, as mulheres estavam se preparando para voltar com tudo. Grandes veteranas, como Anne Sophie Pic e Helène Darroze, foram precursoras e abriram um longo e sinuoso caminho. Elas são filhas de grandes cozinheiros. O Guia Michelin, que ainda dita muitas regras do universo gastronômico francês, concedeu estrelas a 39 mulheres em 2021, contra 33 em 2020 e 27 em 2019. Ainda é tímida, mas a mudança está em curso e diversos rostos femininos já marcam o território da cuisine française.
Em seu documentário Na Busca por Chefs Mulheres e seu livro Elas Cozinham, a escritora, cineasta e ativista Vérane Frédiani conta a história de 500 mulheres que cozinham profissionalmente no país da gastronomia. Há também iniciativas importantes como o Parabere Forum, da jornalista Maria Canabal, que reúne mulheres da gastronomia mundial num encontro anual itinerante. Enquanto isso, em Paris, uma nova cena gastronômica 100% feminina está avançando como nunca. Percebe-se claramente que as mulheres se adaptam mais facilmente aos tempos modernos do comer, têm uma visão mais contemporânea e sabem transformar cozinhas regionais e tradicionais com uma maestria e um savoir-faire inigualáveis. Algumas delas fugiram das estruturas antiquadas de restaurantes clássicos para abrir seus próprios negócios e ditar as regras, assumindo o papel de chef e empresária. É o caso da carioca Alessandra Montagne, que está à frente do Nosso, um dos endereços mais comentados da capital francesa nos últimos meses. Ela reverbera os valores do coletivo, a importância da união da equipe e defende um ecossistema alimentar colaborativo como a única fórmula de sucesso. Em seu restaurante, Alessandra serve interpretações modernas da cozinha francesa com uma boa pitada de criatividade e alma brasileira.
Julia Sedefdjian passou por todos os cargos dentro de cozinhas tradicionais e foi a chef mais nova a receber uma estrela na França. Desde 2018, comanda seu restaurante Baieta, que faz homenagem à sua origem niçoise e serve três menus criativos e de bela influência mediterrânea. Tulia também acabou de inaugurar o ousado Cicéron, um endereço dedicado ao grão-de-bico que funciona como empório e rotisseria.
Para marcar os novos tempos e mostrar que a era masculina das cozinhas é coisa do passado, o magnata e chef mais estrelado do mundo, Alain Ducasse, confiou as chaves do seu querido bistrô Aux Lyonnais para Marie-Victorine Manoa, nascida em Lyon. Com passagem ao lado de grandes nomes, como Alex Atala, ela decidiu seguir fielmente a cozinha regional do seu pai, que mantém até hoje um restaurante na sua cidade natal.
Nada mais justo, Amandine Chaignot reverencia sua avó Luce como sua principal memória e repertório culinário. Ela acaba de abrir o Café de Luce, em pleno Montmartre, bairro onde circula e vive intensamente, depois de ter consolidado o sucesso do seu incrível restaurante Pouliche.
A história marcante de Ecaterina Paraschiv, imigrante romena que veio como refugiada de Bucareste a Paris aos 6 anos, permeia uma ligação eterna com sua família por meio de sua cozinha. No Ibrik Kitchen, Catthy - como é chamada - expressa suas raízes profundas em receitas do levante numa linguagem ultramoderna e simpática, como ela mesmo é Engajada e defensora de uma cozinha sustentável.
Cybèle Idelot nasceu em San Francisco, berço da cozinha saudável. No seu restaurante La Table de Cybèle, ela mostra uma cozinha de apelo local, sem desperdício, e apresenta o vegetal como a principal estrela do seu trabalho. Por esse mesmo motivo, encontrou um terreno de 1,4 hectares próximo a Paris, batizado de Domaine les Bruyères. Ali ela cultiva seus vegetais em permacultura, plantando uma floresta frutífera e ainda recebe clientes numa charmosa casa de campo recém reformada e, claro, cozinha no seu novo restaurante Ruche, que significa colmeia em português.
São muitos os significados, os sinais de esperanças e as verdadeiras mudanças nas cozinhas francesas e de todo o mundo. As mulheres nos inspiram com suas histórias de sucesso e imprimem, definitivamente, um novo rumo e estilo na gastronomia - o próprio nome é feminino. Prontíssimas para escrever, transcrever e transmitir os próximos capítulos da história da comida. Ainda bem.