Moda

Threeasfour: o imaterial no preciosismo artesanal da alta-costura

Misturando moda, feito à mão, arte e tecnologia, sem medo de experimentar, abre espaço para o imaterial no preciosismo artesanal da alta-costura

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Vestido de organza com tubos de luz.

Couture digital. Misturando moda, feito à mão, arte e tecnologia, sem medo de experimentar, a Threeasfour abre espaço para o imaterial no preciosismo artesanal da alta-costura. Confira a entrevista!

Para o trio Gabriel Asfour, Angela Donhauser e Adi Gil, nomes por trás da Threeasfour, com sede em Nova York, cultivar uma visão de futuro não significa rejeitar o passado, principalmente quando o ontem, como o deles, é disruptivo. Combinando tecnologia e artesanal com uma visão interessante de estruturas fractais, biomimética e geometrias naturais, a marca tem construído um caminho destemido forjado por experimentações. Para sua segunda coleção de alta-costura, apresentada em julho e intitulada Parallel Universe, um vestido de organza com tubos de luz abriu a sequência de 23 looks que instigaram a dúvida entre o que era real ou virtual. A peça foi confeccionada, mas possui uma versão imaterial. Transitar entre linguagens foi a resposta à coleção anterior, totalmente em NFT. “Encontramos uma demanda crescente por parte da imprensa, músicos e celebridades para empréstimo dessas peças”, conta o coletivo, que entendeu a necessidade de ter roupas de verdade na arara. Participar da alta-costura, dizem os três estilistas, era um projeto antigo que se concretizou no ano passado. “Alinhando-se perfeitamente com o advento da moda digital”, analisam.

 

O coletivo tem bases bem definidas na confluência entre moda e arte desde a formação inicial, quando eram quatro amigos imigrantes Adi, Ange, Gabi e Kai (usavam apenas os primeiros nomes) do Asfour no fim dos anos 1990 – Adi Gil (Israel), Angela Donhauser (Rússia), Gabriel Asfour (Líbano) e Kai Kühne (Alemanha), daí que se autodenominavam “Nações Unidas da Moda”. A estética futurista, exagerada, entretanto, já se fazia presente. O apartamento em Chinatown, pintado de prata, era frequentemente comparado à Fábrica de Andy Warhol. A criatividade fervilhava por lá. Em 2005, com a saída de Kai, o grupo foi rebatizado de Threeasfour. Peças do grupo estão no Victoria & Albert Museum em Londres e no MET Costume Institute em Nova York, que também exibiu o trabalho da Threeasfour nas exposições Superheroes em 2008, Manus x Machina em 2016 e In America: An Anthology of Fashion, de 2022. Na sequência, o trio conta para L’OFFICIEL detalhes sobre a coleção para a alta-costura e sua visão de futuro.

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O trio Gabriel Asfour, Angela Donhauser e Adi Gil.

L’OFFICIEL A alta-costura envolve peças únicas feitas por artesãos altamente qualificados. Como vocês veem essa conexão entre manual e digital, passado, presente e futuro?

GABRIEL ASFOUR, ANGELA DONHAUSER e ADI GIL Na história da Threeasfour, existem várias peças altamente complexas que permaneceram únicas. A maioria dessas criações, como as impressas em 3D, cortadas a laser e as criações E-têxtil, evoluíram por meio de uma transição perfeita entre os domínios digital e físico. Os métodos de produção de ambos envolveram a experiência de artesãos altamente qualificados, seja no domínio físico ou digital. Olhando para o futuro, a Threeasfour prevê peças futuras de alta-costura como um reflexo desta herança.

 

L’O A experimentação sempre esteve no centro da marca, mas desde a temporada primavera-verão 2020 o visual das coleções parece ainda mais futurista no quesito formas. O que mudou em termos de conceito e linguagem que vocês desejam transmitir? 

GA, AD e AG A coleção primavera-verão 2020, intitulada Human Plant, marcou o início da segunda década do século 21. Foi um momento crucial, caracterizado por movimentos significativos como o Black Lives Matter, a legalização do casamento gay [nos Estados Unidos] e o surgimento do movimento Me Too. Estes eventos significaram um despertar global, impulsionando a humanidade para um estado elevado de consciência. Esta nova era de inspiração nos impulsiona a criar com ousadia enquanto navegamos no terreno incerto e desconcertante da próxima década.

 

L’O Para o desfile de alta-costura outono-inverno 2022/23, vocês criaram uma coleção digital em colaboração com o artista CG Shingo Everard. Após o show, as peças foram oferecidas como NFTs animados pela Dressx. Como foi essa experiência? 

GA, AD e AG Se a alta-costura física geralmente comanda preços que variam de US$ 3.000 a US$ 30.000, a alta-costura digital oferece uma perspectiva distinta. As roupas disponíveis na Dressx mantêm a essência da alta-costura, destinadas a ocasiões descartáveis, mas têm um preço muito mais acessível, de US$ 300. Além disso, não há necessidade de armazenamento ou manutenção após o uso, o que as torna uma opção de alta-costura sustentável para um público mais amplo.

L’O O NFT pode ser visto como uma escultura 3D? 

GA, AD e AG Para a Threeasfour, as roupas digitais são semelhantes a esculturas 3D que se harmonizam com os movimentos e proporções do corpo. Uma peça de roupa NFT representa uma escultura animada em 3D que se adapta perfeitamente ao corpo do usuário, capaz de transformações de forma, cor ou textura.

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Look da coleção de alta-costura outono-inverno 2023/24.

L’O Agora, para a alta-costura outono-inverno 2023/24, vocês fizeram uma coleção digital e outra física. Qual o motivo dessa decisão? 

GA, AD e AG Quando concebemos a coleção outono-inverno 2022/23, Ancestors, encontramos uma demanda crescente por parte da imprensa, músicos e celebridades para empréstimo dessas peças. Porém, como essas peças eram exclusivamente digitais, não conseguimos atender a essas solicitações. Esta é a principal razão para oferecer peças digitais e físicas (paralelas) para nossa coleção outono-inverno 2023/24, Parallel Universe.

L’O Quais foram os recursos tecnológicos empregados nesta coleção outono-inverno 2023/24? 

GA, AD e AG No desenvolvimento da coleção Parallel Universe, aproveitamos uma gama diversificada de tecnologias. Esta jornada começou com uma colaboração de design digital com a Placebo, seguida por uma parceria com o arquiteto Alessandro Zomparelli e a empresa de impressão 3D Stratasys. Aproveitando vários programas de computador, incluindo CLO, Blender, Rhino, Houdini e muito mais, fizemos uma transição perfeita entre o mundo digital e a nossa experiência tradicional em drapeados, modelagem, costura e técnicas de acabamento. Além disso, diversas peças da coleção incorporaram E-têxteis, principalmente com elementos de iluminação animados.

 

L’O A impressão é que vocês quiseram deixar no ar a pergunta: “O que é real e o que não é real?”. Era esse o ponto? 

GA, AD e AG Exatamente, a essência desta coleção reside em confundir as fronteiras entre o que é percebido como físico e da mesma forma como digital. Cada peça desta coleção foi confeccionada em formato físico e digital, funcionando em paralelo perfeito. 

L’O Qual a peça mais complexa desta coleção? 

GA, AD e AG Como sempre a peça mais complexa foi o vestido impresso em 3D (que exigiu muita habilidade logística, tempo e suporte) resultado da nossa colaboração com o arquiteto Alessandro Zomparelli e a empresa de impressão 3D Stratasys.

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Look da coleção de alta-costura outono-inverno 2023/24.

L’O Quais materiais foram usados para as peças físicas? 

GA, AD e AG E-têxteis, têxteis impressos em 3D, tecidos refletivos, náilon acolchoado, poliéster e náilon metálico, poliéster e náilon de algodão emborrachado, organza poli, jérseis e lycras metálicas, couro sintético cromado, quimonos e obis reciclados, couro reciclado, tubos industriais reciclados e vinil transparente e plásticos reciclados. 

L’O No passado vocês já haviam utilizado impressão 3D – inclusive a marca participou do “Digital Couture Project” durante o New York Fashion Week outono-inverno 2018... Como essas experiências anteriores ajudaram a grife a chegar à abordagem tecnológica que vocês apresentam agora? 

GA, AD e AG A tecnologia sempre foi um grande interesse para a nossa marca, incluindo a impressão 3D, que exploramos inicialmente em 2013. Isto, juntamente com o corte a laser e a impressão digital, exige proficiência em design digital. Dada a nossa experiência anterior em artesanato no mundo virtual e em nos tornarmos adeptos do software de design digital, aventurar-nos na alta-costura digital pareceu uma progressão natural para nós.

“TEMOS UM interesse PROFUNDAMENTE ENRAIZADO EM UNIR AS proporções DA 
FORMA humana COM AS geometrias PREDOMINANTES NO nosso AMBIENTE NATURAL."

L’O Fractais, abstração da forma humana, espaço e geometria parecem ser questões que interessam a vocês. Como estes elementos evoluem na materialização do processo criativo? 

GA, AD e AG A geometria sempre foi a pedra angular da criação de nossas roupas, com foco particular na geometria sagrada, que engloba fractais e proporções divinas inerentes à anatomia humana. Temos um interesse profundamente enraizado em unir as proporções da forma humana com as geometrias predominantes no nosso ambiente natural. Devido à intrincada natureza fractal das estruturas humanas e naturais, essas proporções e geometrias tornaram-se um conceito convincente para unirmos as duas. Nosso objetivo é ilustrar a profunda interconexão entre a humanidade, a natureza e os espaços que existem entre elas.

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Exercício de volumes futuristas.

L’O Na década de 1960, os designers de moda olhavam para um futuro “plástico”. Na opinião de vocês, o que liga o nosso presente à estética futurista que encontramos nas coleções recentes da Threeasfour? 

GA, AD e AG Na Threeasfour, olhamos para o futuro enquanto abraçamos as lições do passado. Buscamos o equilíbrio entre tecnologia e artesanato, enfatizando a inovação através da linguagem atemporal da geometria universal. À medida que a nossa consciência cresce, reconhecemos que o “plástico” representa um dos subprodutos mais significativos da existência humana neste planeta. Consequentemente, torna-se nossa responsabilidade coletiva enfrentar a crise dos resíduos plásticos. Em razão do desafio de descartar o plástico, acreditamos que ser criativo na sua reutilização é a abordagem definitiva.

 

L’O Como vocês interagem com a tecnologia no dia a dia pessoal e de marca? 

GA, AD e AG Vemos a tecnologia como uma ferramenta que aprimora e facilita nossos processos diários, da mesma forma que usamos telefones celulares e máquinas de costura. Imaginamos nosso futuro sobre-humano como um equilíbrio entre tecnologia e espiritualidade. 

L’O Vocês começaram como um coletivo, investindo em moda e arte de forma disruptiva. Olhando para trás, como a marca hoje conversa com esse passado? 

GA, AD e AG Nós ainda estamos aqui.

L’O O coletivo está completando 18 anos. Qual é a avaliação dessa trajetória? 

GA, AD e AG Dezoito anos de Threeasfour (2005) além de 7 anos de Asfour (1998) é muito tempo para estarmos juntos. Como família e comunidade na Asfour, além de marca e negócios na Threeasfour, temos a missão de difundir nossa visão, comunicando consciência a uma consciência coletiva global (através de shows, exposições, mídia e produtos).

 

L’O O que vocês imaginam quando olham para o futuro? 

GA, AD e AG Estamos altamente otimistas.

FOTOS: Petros Kouiouris e Elisabet_Davids.

MODELO: Charlotte Kemp.

FOTO DIGITAL: Placebo.

STYLING: Altorrin.

CABELO: Cassie Carey.

BELEZA E MANICURE: Stephanie Hernandez.

CONSTRUÇÃO DE VESTUÁRIO DIGITAL: Shingo Everard.

3D PRINTING 3D DESIGN BY ALESSANDRO ZOMPARELLI E 3D PRINTING BY STRATASYS.

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