Valentina Sampaio fala de beleza, moda e inclusão em entrevista

Valentina Sampaio é uma mulher de epítetos. Com 25 anos, essa modelo cearense de 1,79 metro ganhou a alcunha de ícone em pouquíssimo tempo de carreira. Não de graça. O olhar que seduz a câmera carrega um brilho extra que está ajudando a reformatar o mercado da moda — e, consequentemente, do mundo ao redor: a de ser uma das mais impactantes representantes da comunidade transgênero na indústria. Para além de ocupar espaços inéditos em capas de revistas de moda pelo planeta, essa garota de Aquiraz já se tornou rosto e voz de uma cartela poderosa de marcas, conquistando espaços que até então eram domínio de mulheres cis — como o casting da Victoria’s Secret, da qual se tornou embaixadora. Nada mal para quem cresceu no interior do Ceará e tinha a cantora Grace Jones, que descreve como “forte e confortavelmente andrógina”, no posto de inspiração máxima. Ao mesmo tempo, também não é apenas um rosto bonito e sabe que, com os grandes holofotes, a responsabilidade de verbalizar sobre as questões da comunidade não pode ser ignorada. 

L’OFFICIEL: Você já carrega uma série de “primeiros” na carreira. Como é lidar com esse papel de quem está abrindo caminhos?

VALENTINA SAMPAIO: Cada “primeiro” é precioso porque é um passo à frente não apenas para mim, mas para toda a comunidade trans. Defender a dignidade básica e o respeito de todos os seres humanos, especialmente da comunidade, é um compromisso que eu assumi de braços abertos.

L'O: Não há uma tensão de que, com essa responsabilidade, você não pode se dar ao luxo de errar?

VS: Tento não sentir pressão. Eu apenas procuro fazer o que posso para viver e trabalhar de uma maneira que apoie a compaixão e o respeito pela comunidade. A realidade que ela enfrenta em todo o mundo diariamente é pesada e desafiadora. Todo o apoio à comunidade trans contribui para a possibilidade de uma existência mais segura e digna dessas pessoas em todos os lugares. Esse nível de compaixão e inclusão beneficia a sociedade como um todo. Todos ganham, independentemente de gênero, raça ou orientação sexual.

L'O: Vemos a indústria mais aberta e acolhedora para pessoas trans, nos últimos anos. Mas você conseguiu trabalhar com marcas que a chamavam por quem é e não apenas por aquilo que você representa.

VS: Sou sempre grata pela oportunidade de criar. Para muitas marcas, sou a primeira pessoa transgênero com quem elas colaboram. Então me sinto grata e responsável por aparecer com o mais alto nível de profissionalismo. Não apenas para mim, mas como representante da minha comunidade.

L'O: Apesar desse movimento de inclusão, sabemos que há também muito oportunismo. Você tem um pé-atrás na hora de avaliar as propostas para não ser usada? 

VS: É essencial entender o nível de autenticidade, respeito e integridade que posso esperar de cada oportunidade. Antes de aceitar um trabalho ou projeto, preciso entender por que a marca quer trabalhar comigo. Eles me querem como um ser humano ou pelo meu talento? Ou eles me veem como uma figura de prova da diversidade, adicionada à mistura da ótica? 

L'O: Consegue perceber uma mudança real em relação à presença de pessoas trans na indústria?

VS: Ainda existem algumas construções sobre padrões estéticos convencionais, mas um progresso positivo está sendo feito no reconhecimento da beleza e do valor da inclusão e da diversidade. Devemos nos apoiar e também aos outros para nos sentirmos livres para ser quem realmente somos.

L'O: Sua ascensão como modelo aconteceu muito rapidamente nos últimos cinco anos. Acha que era a mulher certa na hora certa?

VS: Eu sou muito orgulhosa da minha jornada. Acredito que a graça e o apoio de Deus sempre me guiaram, desde criança. Essa fé me faz continuar todos os dias. Sou muito grata a Deus e a todas as pessoas que me ajudaram ao longo da minha jornada até aqui. Honro os desafios daqueles que vieram antes de mim e que, direta ou indiretamente, tornaram possível chegar aonde estou.

L'O: O que é beleza pra você? Como alguém que trabalha com isso e já passou por  transformações na vida, imagino que tenha um entendimento particular sobre o assunto. 

VS: A beleza é subjetiva, significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Mas acredito que a beleza é a transmissão da essência. Ela vem de dentro e transcende nosso corpo.

L'O: Já há uma geração de meninas nos backstages que veem você como ídola? Imagino que tenha uma legião de colegas que tietem por ali, assim como você é um ponto de inspiração para a comunidade trans. 

VS: É sempre bonito interagir com alguém que quer compartilhar sua história comigo e expressa como eu ou minha carreira representa esperança, orgulho e possibilidade para a comunidade. Essa forma de amor e gratidão é o que me motiva. Outras vezes pode ser um desafio. As pessoas podem fazer suposições ou se sentirem no direito de expressar abertamente julgamento e ódio pois, de alguma forma, o que eu represento os ameaça. A mídia social pode ser uma ferramenta eficaz para espalhar o amor mas, como persona pública, também expõe a alguns atos de agressão muito cruéis.

L'O: Uma última curiosidade: qual a história por trás do seu nome?

VS: Eu mesma escolhi… pois é um nome que, pra mim, carrega muita valentia, força e coragem.